Antonio Carlos Egypto
O CAVALO DE TURIM (WA Torinói Ló). Hungria, 2011. Direção e roteiro: Béla Tarr. Com János Derzsi, Erika Bók, Mihály
Kormos. 146 min.
Béla Tarr é um cineasta húngaro,
nascido em 1955, que tem um trabalho autoral rigoroso e radical. Seu cinema é
feito de longos planos sequência, com muitas repetições de atos silenciosos e
brigas ou desentendimentos verbais, onde as palavras e expressões de ofensa ou
mágoa também podem se repetir muito. É
um trabalho artístico, que põe sua beleza a serviço de uma visão desesperançada
do mundo.
Para quem nunca viu um filme de
Béla Tarr, o que escrevi aqui pode assustar ou desestimular o interesse por seu
cinema. Sim, é um cinema sofrido, porém,
desafiador, capaz de nos transportar a universos e situações em que mergulhamos
tão intensamente que saímos da experiência tocados por sensações e sentimentos
fortes, mas que nos levam a refletir sobre o que vivenciamos ali.
O mais recente filme do diretor,
concluído em 2011 e agraciado com o Urso de Prata do Festival de Berlim, é “O
Cavalo de Turim”, que o cineasta afirma que deve ser sua última produção
cinematográfica. Uma pena, se essa
intenção se confirmar.
No texto de abertura do filme
lê-se o seguinte: “Em Turim, em 03 de janeiro de 1889, Friedrich Nietzsche sai
do imóvel da Via Carlo Albert, número 6.
Não muito longe dali, o condutor de uma carruagem de aluguel está tendo
problemas com um cavalo teimoso. O
cavalo se recusa a sair do lugar, o que faz com que o condutor, apressado,
perca a paciência e comece a chicoteá-lo.
Nietzsche aparece no meio da multidão e põe fim à cena brutal, abraçando
o pescoço do animal, em
prantos. De volta à
sua casa, Nietzsche então permanece imóvel e em silêncio, durante dois dias,
estendido em um sofá, até que pronuncia as definitivas palavras finais (“mãe,
eu sou um idiota”) e vive por mais dez anos, mudo e demente, sendo cuidado por
sua mãe e suas irmãs. Não se sabe que
fim levou o cavalo.”
O filme passa, então, a mostrar a
vida de um condutor de uma carroça, de sua filha e do cavalo. Não há qualquer referência a Nietzsche, além
do texto inicial. “O Cavalo de Turim”,
na realidade, nos mostra a vida miserável desses personagens, numa habitação do
século XIX. Os únicos pertences são uns
poucos móveis rústicos, alguma roupa, lenha, fogão, água e batatas.
Fora da casa, um poço que provê a
água e o estábulo, com o cavalo e a carroça.
Passamos a viver intensamente o cotidiano dessa casa, onde os movimentos
e os gestos se repetem, quase nada se fala e um vento forte e permanente
aparece quando se sai da casa, se abre a porta ou se olha pela janela. A
paisagem externa é desoladora, assim como o interior da casa. Se não existisse uma reserva de batatas, a
fome se imporia de forma absoluta. Ou se
o poço um dia secar...
As imagens em preto e branco, os
enquadramentos perfeitos, mas quase imutáveis e a rotina minimalista dos
personagens, captadas por meio de planos sequência longuíssimos, conseguem nos
transportar para a vida no limite da fome e da morte, em pleno final do século
XIX.
Os poucos elementos em cena são
também essenciais para a obtenção desse efeito.
Estamos em outra época, em outro mundo.
No entanto, nos deparamos com uma questão que permanentemente tem
desafiado a existência humana em todas as épocas: a erradicação da
miséria. Impossível não se sensibilizar
para essa questão, após assistir a “O Cavalo de Turim”.
O símbolo do cavalo é também
muito bem explorado, desde a sua movimentação intensa, no início do filme, até
sua paralisia completa, em que ele prenuncia e como que escolhe seu fim.
Uma obra de arte soberba,
extremamente sofrida, difícil mesmo de assistir. Mas uma obra maiúscula. Radical em todos os sentidos. É até uma surpresa
que esteja sendo lançada comercialmente nos cinemas, embora com muito
atraso. De qualquer modo, atingirá um público
reduzido, que terá condições de apreciar tal experiência cinematográfica. Os que entrarem no cinema desavisados ou
serão tocados fortemente pelo filme, ou se ausentarão antes do seu final. Experimentos radicais geralmente produzem
respostas de amor intenso ou ódio profundo.
Não é assim?
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