sábado, 3 de dezembro de 2022

PINÓQUIO

   Antonio Carlos Egypto

 

 


Um personagem incrível, universalmente conhecido, vivendo aventuras fantásticas, nasceu da pena do escritor italiano Carlo Collodi, no final do século XIX: Pinocchio.  O boneco de madeira que aspirava humanizar-se, sem ser capaz de se comportar à altura desse desafio, por desobediência e ingenuidade quanto aos demais, cujo nariz crescia frente às mentiras que proferia para se explicar, se defender ou fazer algo que desejava, e que tinha como conselheiro o Grilo Falante, já foi tantas vezes revisitado e reinterpretado desde o lançamento do original de Collodi, em 1883, que não surpreende que novas versões apareçam. 

 

No caso, o filme de animação musical stop motion do cineasta mexicano Guillermo Del Toro (e de Mark Gustafson) é uma produção norte-americana caprichadíssima.  Realiza um espetáculo fascinante com seus bonecos, a trilha sonora de Alexander Desplat e as vozes de um elenco de ótimos atores e atrizes: Gregory Mannn (Pinóquio), David Bradley (Gepeto), Ewan McGregor (o Grilo), Tilda Swinton, Finn Wolfhard, Ron Pelman, Cate Blanchet.  É uma versão moderna do personagem.  O que, no caso de Guillermo Del Toro, significou uma história com um viés mais sombrio e mais político.  Pinóquio, como personagem infanto-juvenil, está lá e a animação é atraente para as crianças.  Mas o filme conversa com um universo mais amplo, capaz de incluir facilmente os adultos.

 

Fala, por exemplo, da relação pai e filho como expectativa e como imperfeição, enquanto regra.  Atribui a Gepeto a busca de um filho para compensar a perda de outro.  E ele, magicamente, cria o boneco de madeira que vive.  E como!  Capaz de grandes aventuras e até de salvar a vida do “pai”.  Esse filho de Gepeto que morreu remete ao período da Primeira Guerra Mundial e Pinóquio vai representar para o Duce em plena Itália fascista de Benito Mussolini (que aparece como boneco).  E é capaz de ridicularizar o ditador fascista.  Muita liberdade criativa em relação à história original?  Claro!  Porém, é preciso dizer: todo o espírito aventureiro e muitas das histórias do livro de Collodi estão lá, respeitando esse espírito da criação original.

 


A leitura moral das atitudes de Pinóquio, naturalmente, mais valoriza do que critica a sua desobediência frente aos adultos, o que incrementa o caráter aventureiro da narrativa.  A questão afetiva, da relação pai e filho, é plenamente preservada.  Só que com mais realismo.  Nunca somos os pais que desejaríamos ser, nem os filhos que gostaríamos de ter sido.  Porque a vida é assim.  As idealizações não resolvem nada, só atrapalham.

 

Enfim, o filme é bonito, empolgante, o roteiro é inteligente, resgata um personagem maravilhoso.  A técnica de animação é magnífica.  Acaba alcançando um padrão visual excelente, que nos permite embarcar na fantasia por inteiro.  O “Pinóquio” de Guillermo Del Toro tem quase duas horas de duração, mas flui com leveza e encanta.  Nem dá para sentir o tempo passar.

 

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