TINTA BRUTA (Brasil, 2018). Direção: Felipe Matzembacher e Márcio
Reolon. Com Schico Menegat, Bruno
Fernandes, Sandra Dani, Guega Pacheco. 123 min.
“Tinta Bruta” nos apresenta o personagem Pedro
(Schico Menegat), um jovem solitário, que parece incapaz de conviver com as
pessoas, expressar-se naturalmente junto a elas. Ao mesmo tempo, há um mistério na sua
história: um processo criminal a que ele está respondendo. Pedro parece depender de sua irmã, com quem
mora, e que é muito amiga e próxima, mas ela se muda para longe e, com isso, só
lhe resta mesmo a solidão. E ficar em
casa. Ele quase nunca sai de casa.
Na contemporaneidade, porém, como sabemos, a
nossa casa é a nossa fortaleza e a tecnologia nos faz interagir virtualmente
com o mundo. Pedro, então, se transforma
no Garoto Néon em transmissões
eróticas, via Internet, em que consegue ganhar algum dinheiro. Ele veste seu corpo de tintas que, no escuro, com a
iluminação, dá um belo efeito visual. Ele virá a conhecer Léo (Bruno Fernandes)
porque descobre que ele o está imitando e criando uma concorrência na
Internet. É por aí que algo vai mudar na
vida de Pedro.
O interessante no filme de Felipe Matzembacher
e Márcio Reolon é justamente o contraste entre a persona pública e a pessoa
real. No mundo virtual, cada um pode
criar sua personalidade, sua história, inventar personagens, shows, expressões, aparentemente
preservado do mundo exterior.
Interagindo por meio de câmeras, que se podem desconectar a qualquer
momento, no anonimato. Sem riscos,
portanto. Será mesmo?
Bem, a vida não se resume ao mundo virtual,
por mais atraente e fantasioso que ele possa ser. Nada pode substituir efetivamente o contato
físico, o afeto, que são transformadores.
Interagir é estabelecer vínculos, é dar colorido à vida, é correr
riscos, é humanizar-se. Não tem nada a
ver com os compartilhamentos, comentários e interações via Internet. Que, no entanto, serviram para nos mostrar
que a evolução do ser humano não se deu como se poderia esperar. No anonimato, real ou aparente, as pessoas
mostram sua grossura, intolerância, idiotice.
Fica-se surpreso ao constatar que tantas pessoas se expressem assim.
O espaço da Internet também permite, como no
caso de Pedro, o Garoto Néon, a
expressão de uma sexualidade reprimida, sufocada e, ao mesmo tempo, atraente
para muitos seguidores na web. E até fonte de trabalho e ganho num
empreendedorismo individualizado, de baixo custo. Vender o próprio corpo não é exatamente uma
novidade, mas é possível encontrar uma forma original de fazê-lo, enquanto
imagem, como Pedro.
Qual o limite para tudo isso ainda não
sabemos. Assim como as consequências a
longo prazo. O que já podemos constatar
é bastante preocupante, mas inconclusivo.
A questão do confronto entre a chamada vida real e a virtual traz
elementos importantes para reflexão.
Temos muito a pensar, conhecer, entender sobre isso. Personagens como Pedro e também Léo, de
“Tinta Bruta’, são relevantes para o momento em que vivemos. Eles trazem a diversidade sexual, a temática
LGBT+ a esse contexto. Mas o assunto é
mais amplo e abrange todas as expressões da sexualidade, da intimidade, dos
sentimentos tornados públicos.
O filme “Tinta Bruta” foi exibido no Festival
de Berlim e premiado no Festival do Rio como melhor filme, roteiro, ator e ator
coadjuvante. De fato, os atores merecem
mesmo esse destaque, o roteiro é muito bom (em que pese o sumiço da personagem
da irmã) e a realização, de qualidade.
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