Antonio Carlos
Egypto
RASGA CORAÇÃO.
Brasil, 2018. Direção: Jorge
Furtado. Com Marco Ricca, Drica Moraes,
Chay Suede, Luísa Arraes, George Sauma, João Pedro Zappa. 115 min.
Oduvaldo Vianna Filho, o Vianninha
(1936-1974), escreveu, em 1970, a peça que dá origem ao filme de Jorge Furtado,
com roteiro dele, de Ana Luiza Azevedo e de Vicente Moreno, “Rasga Coração”.
O centro de toda a narrativa é a relação pai e
filho, permeada pela política, por valores de vida, por estratégias de ação,
com o pressuposto de que os jovens querem mudar o mundo e construir algo em que
acreditem genuinamente.
A motivação psicológica é clara: os jovens
precisam se diferenciar dos pais, ter identidade própria, conquistar
autonomia. Para isso, o rapaz terá que
“matar o pai”, no sentido simbólico.
Negar o pai, rejeitá-lo, tirá-lo da sua vida, momentaneamente. Ou, pelo menos, distanciar-se dele,
isolar-se. E buscar os seus caminhos
individuais.
Com esse substrato, “Rasga Coração”, a
peça, refletindo o momento de ebulição
de 1968, em contraponto à opressão da ditadura militar, coloca a alternativa hippie
de vida e de política frente à ação
típica dos movimentos de esquerda tradicionais, reformista e
revolucionário. A revolução agora é
outra: passa pela negação da guerra, pela liberdade, mas também pela comida,
pela vestimenta, pela busca de novos padrões de comportamento e de vida.
Esse choque geracional, no entanto, não é
novo. Repete o que foi vivido pelo pai
quando filho, na juventude. Ele fará
tudo para, como pai, não repetir o que viveu como filho. Mas conseguirá? É um enfrentamento necessário, difícil e
permanente, no sentido de se repetir ao longo da história e nos mais diversos
espaços geográficos.
O filme de Jorge Furtado atualiza essa
narrativa, trazendo a questão de gênero para os comportamentos. A mãe, Nena (Drica Moraes), reage ao que
imagina ser um encontro homossexual porque confunde a namorada do garoto com
outro garoto, pela vestimenta “masculina” da menina. Luca, o filho (Chay Suede), acaba pintando as
unhas de vermelho e usando uma ampla saia, os novos modos de encarar o sexo
estão mais descomplicados. Participa da
invasão da sua escola, em lugar das reuniões e ações políticas que visam a toda
a sociedade, por exemplo. A tecnologia
também se atualiza. As formas de
comunicação mais instantâneas geram outro tipo de respostas. Os projetos de longo prazo, como o
consultório médico do futuro, já não servem.
Novos modelos de atuação médica são valorizados. Mas a rejeição do
caminho planejado e acomodado já é um legado daquela era hippie.
Vista hoje, a trama de “Rasga Coração” mantém
sua atualidade. Até porque esses confrontos
pai-filho, permeados pela dinâmica social e política do país, apresentam
atitudes que se repetem e se renovam.
Quando os jovens de agora lutam pela preservação do planeta e priorizam
questões globais a questões nacionais ou latino-americanas, dá para entender. O que Vianninha talvez não projetasse é que a
oposição à esquerda racional e careta poderia ser não só a direita, mas uma
juventude de extrema direita, violenta, com traços racistas, misóginos, homofóbicos,
intolerantes. Isso não soa como
evolução, assusta.
Jorge Furtado, ao falar sobre o filme e
perguntado sobre qual seria a revolução do momento, optou pela efetivação do
diálogo com quem pensa diferente, combatendo o ódio e em busca do mínimo
denominador comum que nos une como brasileiros.
Muito lúcido.
O talento de Jorge Furtado como cineasta não
deixa margem a dúvidas. Bastaria lembrar
de “Ilha das Flores”, de 1989, o curta mais festejado e premiado da história do
cinema brasileiro. E ele faz muita coisa
há décadas, na Casa de Cinema de Porto Alegre e na TV.
O elenco de “Rasga Coração” é também recheado
de talentos. Marco Ricca, o Manguari
pai, é sempre um grande ator em cena.
João Pedro Zappa está bem no papel de Manguari filho, embora sua
caracterização física seja um tanto caricata, não convencendo em relação à
figura mostrada do adulto em que se tornou.
Drica Moraes, excelente como a mãe Nena, Chay Suede, muito bem como
Luca, o filho. Luísa Arraes mostra força
e segurança como Mil. Lorde Bundinha é
uma oportunidade para o ator George Sauma extravasar seus dotes
histriônicos. Enfim, o elenco todo é bem
homogêneo, e brilha. O filme envolve,
comunica e faz pensar.
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