Antonio Carlos
Egypto
SEM AMOR (Loveless). Rússia, 2017.
Direção e roteiro: Andrey Zvyagintsev.
Com Maryana Spivak, Alexey Rozin, Matvey Novikov, Marina Vasilyeva,
Andris Keishs. 126 min.
Quem viu “Leviatã”, o filme de Andrey
Zvyagintsev, de 2014, já percebeu que o estilo do diretor é duro, seco,
realista. E que, por meio de uma
narrativa forte e firme, ele diz muita coisa ao mundo de hoje.
“Sem Amor”, o novo filme desse cineasta russo,
traz à tona a impactante questão da rejeição. Em tese, quem resolve ter filhos
teria de assumir não só responsabilidades materiais sobre eles, mas
responsabilidades afetivas que têm tanto peso quanto aquelas. Aqui, um garoto de 12 anos que nunca foi
desejado, nem aceito, nem incorporado à família, mesmo que a contragosto, pelo
pai ou pela mãe, chega a uma situação-limite, quando eles resolvem se
separar. E com muitas brigas no
caminho. Alyosha (Matvey Novikov), o
garoto, é um dos motivos de briga, pois nem o pai e nem a mãe querem ficar com
ele. Com tanta rejeição à vista, ainda
lhe restaria um quarto confortável em casa e alguns equipamentos tecnológicos
para sobreviver. Restaria, no
condicional, já que, com a separação, a casa será vendida.
O que sente e como se comporta uma criança
numa situação assim? Só fugindo, seja lá
para onde for, mesmo sem rumo ou condição de sobrevivência. E aí começa uma nova fase na vida de todos. Dele próprio, de cada um dos genitores e de
seus novos parceiros amorosos. O que
sentem eles, como lidam com a nova situação?
Que clima, então, vai se estabelecendo na vida de cada um e de
todos? É por aí que Andrey Zvyagintsev
foca sua trama. Produz uma situação de
suspense, em que a incerteza e a dúvida dominam a cena o tempo todo e prioriza
o clima psicológico que tudo isso gera.
Sua forma de narrar se dirige, mais do que
tudo, aos efeitos que são produzidos por essa rejeição e fuga. É grave isso, pode ser demolidor. E permanecer pela vida afora. Inútil esperar por soluções salvadoras. A vida não é fácil e o ser humano é capaz de
muita crueldade e egocentrismo. Até para tentar encobrir ou aplacar o
ressentimento, a frustração e o desespero.
Andrey Zvyagintsev consegue obter do elenco um
desempenho preciso para o clima que quer criar.
Há muita aridez afetiva nas atuações do casal Boris (Alexey Rozin) e
Zhenya (Maryana Spivak), assim como dos policiais que cuidarão do caso e até da
ONG que investigará, de fato, o desaparecimento do garoto. Há exceções, mas, no geral, vive-se um
deserto afetivo que os atores e atrizes acentuam em seus papéis, inclusive Novikov,
o ator mirim, que mostra bem a impotência que vive.
A fotografia contribui com suas cores frias e
toda a ambientação anuncia uma tragédia: com aquele tempo terrível, frio,
chuvoso, com neve, sobreviver é um desafio, virtualmente impossível para um
garoto desprotegido.
No conjunto, um trabalho cinematográfico de
alto nível, que se destaca na disputa pelo Oscar de filme estrangeiro. Tem muita chance e muito mérito para
isso. Venceu o prêmio do Júri do
Festival de Cannes.
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