segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

PRÊMIO ABRACCINE 2017


Antonio Carlos Egypto




A Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema -, da qual também sou associado, tem abrangência nacional, reúne cerca de 100 críticos, em 16 Estados do Brasil.  Por indicação de cada um de nós e posterior votação, foram escolhidos os melhores filmes de 2017, nas categorias melhor filme nacional, longa e curta, e melhor filme estrangeiro.

Os vencedores foram:
Melhor Longa Brasileiro: MARTÍRIO, de Vincent Carelli, Ernesto Carvalho e Tatiana Almeida.
Melhor Curta Brasileiro: MAMATA, de Marcus Curvelo.
Melhor Longa Estrangeiro: PATERSON, de Jim Jarmusch.

Paulo Henrique Silva, presidente da Abraccine, afirma que “o prêmio Abraccine marca o encerramento de um ano de muitas atividades da associação, voltadas para a divulgação da reflexão crítica no país.  Os filmes lançados em 2017 refletiram diversas inquietações da sociedade atual e o resultado do prêmio é um exemplo disso”.

Abaixo, o que escrevi sobre os dois longas premiados, aqui no cinema com recheio.

                                           MARTÍRIO
 Antonio Carlos Egypto


O documentário nacional “Martírio”, de Vincent Carelli, Ernesto Carvalho e Tatiana Almeida, de 2016, aborda a política indigenista dos governos brasileiros junto aos índios Guarani-Kaiowá, que sempre buscam recuperar suas terras sagradas e são tratados como invasores.  Constata-se que, de Getúlio Vargas a Dilma Rousseff, pouca coisa mudou no massacre a que estão sujeitas as populações indígenas, frente aos interesses do agora assim chamado agronegócio. Suspeito que, no momento atual, as coisas podem ter piorado ainda mais.  O filme é forte, denso e informativo.  A denúncia que apresenta é muito séria.  O problema é que o filme é muito longo.  Merecia uma edição mais enxuta, o que seria mais eficaz para os seus objetivos.  162 min.

SEGUNDA-FEIRA, 8 DE MAIO DE 2017


PATERSON


Antonio Carlos Egypto




PATERSON (Paterson).  Estados Unidos, 2016.  Direção e roteiro: Jim Jarmusch.  Com Adam Driver, Golshifteh Farahani.  118 min. 


Paterson (Adam Driver) vive em Paterson, New Jersey, cidade de cerca de 150 mil habitantes.  Isso já indica uma posição de familiaridade, de pertencimento, de conforto.  Difícil se sentir estranho ou excluído numa cidade pequena, que leva o seu nome, ou que seu nome tenha sido escolhido em função dela.

O personagem Paterson é motorista de ônibus na cidade e cumpre uma rotina diária que inclui ir para casa após o trabalho, jantar e conversar com a mulher, levar o cachorro buldogue para passear, passar no bar para tomar uma cerveja.  Mas, no meio de tudo, em qualquer espaço de tempo, ele escreve poemas do cotidiano, num caderno secreto, que não mostra nem para a esposa.  A inspiração pode vir de uma conversa qualquer ou de uma simples caixa de fósforos.




Laura (Golshifteh Farahani), esposa de Paterson, tem outro tipo de rotina.  Se ocupa de forma maníaca com formas geométricas em preto e branco, usadas para decorar todos os cantos da casa, suas roupas e seu violão.  E faz cupcakes enfeitados, com motivos em preto e branco.  Até quando propõe uma ida ao cinema com o marido, o filme de terror antigo é em preto e branco.

O casal vive bem, se apoia mutuamente, são afetivos um com o outro e convivem com o cachorro em paz.  O que isso tudo mostra?  Que o mundo de cada um pode ser confortável, tranquilo. Que a rotina não precisa ser vista como um tédio ou simples acomodação.  Ela também pode ser acolhedora e até poética.  O que não significa, é claro, ausência de conflitos.  E me vem à lembrança o título em português do último filme de um dos grandes mestres do cinema japonês, Yasujiro Ozu (1903-1963): “A Rotina Tem Seu Encanto”, de 1962.  Esse mesmo título caberia muito bem no filme de Jarmusch.  A inspiração em Ozu também é clara.  Tanto que, quando algo abala essa bela rotina poética, é um poeta japonês que aparece em Paterson, para salvar a poesia do personagem Paterson.  Bonito isso!




O diretor Jim Jarmusch teve grande destaque no cinema independente norte-americano, nos anos 1980, e chamou muito a atenção pela capacidade de criar climas mais do que coloquiais e, ao mesmo tempo, estranhos, algo assim meio fora do tempo e das expectativas sociais.  Os ambientes e situações são banais e, às vezes, rotineiros.  Gosto muito de “Estranhos no Paraíso”, de 1984, “Daunbailó” (Down By Law), de 1986, dos curtas que deram origem ao longa “Sobre Café e Cigarros”, de 2003, e do mais recente, “Amantes Eternos”, de 2013.  O jeito cool e esquisito da maioria dos personagens que ele retrata são muitíssimo interessantes, embora nem todas as histórias consigam o efeito desejado e algumas coisas soem repetitivas, no conjunto da obra.  É natural.  Para quem chegou surpreendendo, passada a surpresa a novidade se esgota.  Mas ele está se mostrando capaz de se renovar, ultimamente.  “Paterson” é um claro exemplo disso.

Jim Jarmusch sempre consegue extrair dos atores que escolhe desempenhos especiais, minimalistas, lunáticos, tresloucados ou passivos.  O casal que forma a dupla de protagonistas aqui dá um show de atuação e compõe personagens tão simpáticos quanto familiares e perfeitamente integrados ao clima do cineasta.  A linda e talentosa atriz iraniana Golshifteh Farahani, que foi banida de seu país por ter posado nua para uma revista, é muito convincente e encantadora.  Ela tem mostrado uma versatilidade grande em filmes como “A Pedra da Paciência”, de 2012, e “Dois Amigos”, de 2015.  Adam Driver entrou no clima cool do diretor e se saiu muito bem.  Acabamos de vê-lo em “Silêncio”, de Martin Scorsese, no papel de um padre; ele também tem atuado nos filmes da série “Star Wars”.  A atriz e o ator agregam valor a esse novo trabalho de Jim Jarmusch.


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