Antonio Carlos
Egypto
NEVE NEGRA (Nieve
Negra). Argentina, 2016. Direção: Martín Hodara. Com Ricardo Darín, Leonardo Sbaraglia, Laia
Costa, Federico Luppi. 90 min.
Narrativas que envolvem muitos personagens e diversas
subtramas são um convite à dispersão.
Elementos centrais podem perder a força e o tempo consumir a atenção e o
interesse do espectador. Às vezes, é
como aquelas pessoas que se perdem em longas explicações, perorações
intermináveis, que a gente acaba por não ouvir ou entender mais nada.
Muito diferente é o papo direto e reto. O jeito econômico de contar uma história ou
desenvolver uma ideia. O thriller argentino “Neve Negra” é um bom
exemplar de trama econômica, focada no que interessa, sem dispersões. Usa o recurso do flash-back progressivo, que vai mostrando em doses homeopáticas o
passado dos poucos personagens envolvidos na história, de modo a ir elucidando
tudo até o final.
Não é um vai-e-vem no tempo interminável e confuso,
como, por exemplo, o que se pode ver em outro filme em cartaz nos cinemas,
“Faces de Uma Mulher”, produção francesa, dirigida por Arnaud des
Pallières. E há tantos outros exemplos,
atualmente. Não, o filme de Martín Hodara é cheio de mistérios e descobertas
surpreendentes, mas tudo faz muito sentido e termina bem amarrado. Sem deixar fios soltos pelo caminho.
Toca, também, na questão de que a verdade é aquilo em
que a gente acredita ou admite que seja, aquilo que ficou estabelecido como
tal. Um segredo bem guardado estabelece
o que virá depois. Ou, quem sabe,
segredos em série darão o rumo das coisas.
Como de costume no cinema argentino contemporâneo,
vê-se um roteiro bem construído, uma história bem concebida e que vai ao
ponto. Além disso, pode contar com
alguns dos maiores atores do momento, como Ricardo Darín e Leonardo Sbaraglia,
e o veterano e grande ator, Federico Luppi.
A jovem atriz Laia Costa tem uma interpretação segura e emocionante, ao
lado desses cobras. Mostra desenvoltura.
A trama remexe uma dinâmica familiar apodrecida por
tudo o que ficou encoberto, negado, e virou tabu na relação entre os irmãos e
deles com os pais. É bem assustador o
que se estabelece a partir daí. O filme
mostra como isso está hoje, quando um dos irmãos, Salvador (Ricardo Darín),
vive isolado, caçando na região montanhosa e gelada da Patagônia, e se tornou
bem agressivo no contato. Marcos (Leonardo
Sbaraglia), o irmão mais novo, e sua esposa, Laura (Laia Costa), vão ao
encontro dele, tentando convencê-lo a vender a propriedade onde ele está há
décadas, longe das coisas. Tarefa quase
impossível. Enquanto isso, a outra irmã,
Sabrina (Dolores Fonzi), vive internada, tendo crises de descontrole emocional.
Para entender o porquê de tudo isso, “Neve Negra” mergulha no passado desses
irmãos e nas relações que se estabeleceram entre eles, na juventude.
A neve da Patagônia, os espaços amplos, vazios, as
árvores que ressaltam no branco da paisagem, as tempestades, nevascas
castigando o ambiente, são a expressão visual do desarranjo familiar de
contornos dramáticos, trágicos, na verdade.
E acabam por determinar o destino daqueles sofridos personagens.
O filme tem grande fluência e a narrativa prende de
tal modo que seus já econômicos 90 minutos passam tão rápido, que mal dá para
perceber. Quando a projeção terminou, a
minha sensação era de que “Neve Negra” tinha uma duração muito curta. Só ao consultar o relógio, percebi que o
tempo era padrão, o mais utilizado pela sétima arte desde sempre. Grande mérito para o trabalho do diretor
Martín Hodara e seu elenco admirável e de grande eficiência nos
desempenhos. A gente entra no clima
facilmente e usufrui de um belo espetáculo cinematográfico. Não surpreende o sucesso que o filme vem
fazendo na Argentina, onde foi a produção mais vista nos cinemas em 2017, até
aqui.
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