Antonio Carlos
Egypto
FRANTZ (Frantz). França, 2016. Direção e roteiro: François
Ozon. Com Pierre Niney, Paula Beer, Ernst Stötzner, Marie Gruber, Johann von Bülow,
Anton von Lucke, Cyrelle Clair. 113 min.
Alemanha, 1919.
As marcas da Primeira Guerra Mundial, com uma mortandade incrível, são
trágicas para as famílias europeias.
Anna (Paula Beer), que vive numa pequena cidade alemã, perdeu seu noivo
na guerra, na França. Ela vai levar
flores ao seu túmulo, no cemitério local, regularmente. Até o dia em que se depara com um jovem
francês fazendo o mesmo. O que significa
isso? Quem é ele, o que está fazendo
aqui?
É bom lembrar que as sequelas do conflito com os
franceses alimentam um preconceito contra eles e um desejo de vingança. A Alemanha se sente humilhada pelo Tratado de
Versalhes. A história pesa, mas Adrien
(Pierre Niney) está apenas depositando flores na tumba de Frantz (Anton von
Lucke), o soldado alemão que se casaria com Anna se sobrevivesse ao conflito
mundial.
Esse é o mote inicial do filme de François Ozon,
“Frantz”, e daí vai partir uma incrível história que será tão revolvida a ponto
de não restar certeza sobre o que aconteceu, como interpretar e relatar os
fatos e se se deve, ou não, procurar uma verdade ali. Mais: se encontrada essa verdade, ela merece
ser revelada? A quem interessaria saber?
Segundo o próprio diretor, o filme é sobre mentiras,
embora também envolva culpa e perdão.
Mentiras que fazem bem, podem até curar feridas. Destruí-las pode ser arrasador,
demolidor. Mas para alimentá-las também
é preciso crer em algo, que pode ser ilusório, embora reconfortante. Quando entra em cena o envolvimento amoroso,
o desejo, a paixão, a realidade se nubla e, afinal, o que é o quê?
O filme se chama “Frantz”, o soldado morto, que só
aparece em flash-backs, mas o ponto
de vista adotado pelo roteiro é o de Anna.
É a partir do que ela sabe, sente, deseja, e de como ela se move, que a
trama acontece e se desenvolve, com nuances de todos os tipos e surpresas que
vão emergindo das situações narradas.
Ozon deixa que a nossa imaginação corra solta e tente interpretar o que
vê. As coisas podem ser bem distintas do
que a gente pensou. Ou não.
O diretor optou por um preto e branco luminoso, que
dá à trama um realismo que combina perfeitamente com o momento narrado. Afinal, que imagens temos da Primeira Guerra
que não sejam em preto e branco? É como
se caminhássemos naquela pequena cidade e convivêssemos com seus habitantes, em
suas roupas austeras, suas casas, bares e cemitério. Mas há algumas cenas coloridas, que mostram
um pouco de felicidade, dão um respiro à situação, fazendo um contraponto
dramático mais leve à narrativa. Podem
estar revelando um passado mais afetivo ou, quem sabe, um desejo, fantasia ou
imaginação, apenas?
A origem dessa história está numa peça teatral
escrita logo após a Primeira Guerra Mundial, por Maurice Rostand, que foi
adaptada para o cinema, em Hollywood, em 1931, pelo grande diretor, de origem
germânica, Ernst Lubitsch (1892-1947).
Sim, ele mesmo, o grande diretor de comédias sofisticadas que marcaram
época. Só que esse filme dele, “Não
Matarás” (Broken Lullaby) é seu único
drama e não fez qualquer sucesso, acabou esquecido. Ozon ampliou a trama de Lubitsch e propôs
novos dilemas à protagonista. A ação se
passa antes na Alemanha e o filme é falado em alemão, depois vai à França e
passa a ser falado em francês. Na
verdade, as duas línguas se alternam, porque há sempre em cena elementos das
duas nações em contato.
O diretor fez uma adaptação livre do filme e
conseguiu um resultado nada menos do que brilhante. Tomou uma história de época e fez um filme
que é a cara do século XXI, com seus questionamentos
aos fatos, às interpretações, às narrativas que vingam ou não, ao papel que a
mentira pode desempenhar na vida, à própria noção de verdade.
O desempenho do elenco é outro ponto alto do
filme. Atores e atrizes trabalham fora
dos clichês, com ambiguidade, sombras e sutilezas nos personagens, o que põe de
pé uma história que caminha na corda bamba da realidade e dos sentimentos. A receita poderia facilmente desandar se
algum desempenho entregasse o que está oculto.
Isso não acontece.
François Ozon, na minha opinião, é o mais importante
cineasta francês da atualidade. Seu
trabalho tem uma consistência e uma criatividade marcantes e geralmente seus
filmes têm muito a dizer, além da beleza visual, curiosamente muito associada
às cores, até mesmo nessa produção quase toda em preto e branco. Vamos apenas lembrar de seus últimos filmes,
são todos muito bons: “Uma Nova Amiga”, de 2014, “Jovem e Bela”, de 2013,
“Dentro da Casa”, de 2012, “Potiche – Esposa Troféu”, de 2010, “O Refúgio”, de
2009, “Ricky”, de 2008. Vários deles têm
críticas aqui no cinema com recheio.
Quem ainda não conhece esse cineasta não perca mais tempo, vá
atrás. Comece por esse “Frantz”, que é
um filme soberbo, talvez o melhor de sua filmografia.
“Frantz” está presente no Festival Varilux de Cinema
Francês que, de 07 a 21 de junho de 2017, exibe 19 longas-metragens em 55
cidades brasileiras. Em seguida, entra
em cartaz nos cinemas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário