Antonio Carlos Egypto
8 ½ (Fellini Otto & Mezzo). Itália, 1963. Direção: Federico Fellini. Fotografia: Gianni Di Venanzo. Música: Nino Rota. Com Marcello Mastroianni, Claudia Cardinale,
Anouk Aimée, Sandra Milo. 145 min.
“8 ½ “ de Fellini foi o
primeiro filme de grande envergadura artística a que assisti no cinema, quando
de seu lançamento, em 1963 ou 1964. Eu era, então, um adolescente e posso dizer
que foi chocante. Tinha entendido muito pouco do filme, mas percebi que se
tratava de algo brilhante, muito especial, e que, se eu não tinha tido acesso a
ele, o problema era meu e não do filme.
Fui revê-lo na mesma época,
buscando que ele fizesse sentido para mim.
Mas não era uma tarefa fácil.
Afinal, “8 ½ “ é um conjunto de cenas, magistralmente concebidas, que
valem por elas mesmas. Reunidas naquele
conjunto, elas adquirem um significado muito maior, são lembranças, recordações
de vida, desejo e imaginação, no contexto da crise criativa de um artista, que
tem de continuar produzindo. É um filme
sobre a gestação do cinema de autor, com todas as suas implicações. O diretor detém as ideias e o conceito do espetáculo,
define cenários, suntuosos até, locações, figurinos, os papéis de cada um e sua
ambientação. Tem de lidar com os
produtores e seus investimentos, os roteiristas e sua afetação intelectual, a
imprensa e os críticos. Um verdadeiro
peso que ali se transforma em pesadelo.
Parecia muito complicado
entender tudo isso, na época. Pelo menos
para mim. Por isso, voltei ao filme
outras vezes e então ele foi fazendo todo o sentido. Aquelas imagens deslumbrantes e originais já
conseguiam falar uma língua que eu era capaz de entender. Marcello Mastroianni, o
diretor no filme, alter ego de Fellini, tem um desempenho extraordinário. Desde então, sempre o considerei o ator
número 1 do cinema, até sua morte. E não
mudei de opinião até hoje. A presença
diáfana e inebriante de Claudia Cardinale, no auge de sua beleza, sempre me
acompanhou. Poderia existir uma mulher
mais bela, melhor fotografada, em alguma outra película?
A fotografia de “8 ½ “ é
primorosa, insuperável. Como acontecia
com grande parte do cinema italiano da época ou na obra de Ingmar Bergman, com
o trabalho do fotógrafo Sven Nykvist.
Havia coisas tão boas quanto, não melhores.
A música do genial Nino Rota
elevou a filmografia toda de Fellini a um nível artístico que beira a
perfeição. É um compositor excepcional,
sua parceria com Fellini é um dos legados artísticos mais importantes do século
XX.
“8 ½ “ venceria o Oscar de
melhor filme estrangeiro do ano e o de figurino. Também, pudera, era o melhor filme já feito,
não só daquele ano e não só em uma língua que não fosse inglês.
Volto sempre a rever “8 ½ “,
numa cópia em DVD, restaurada e remasterizada, lançada pela Versátil, que faz
jus ao filme. É incrível, mas cada vez
que o revejo fico mais maravilhado. São
imagens em preto e branco, que jogam notavelmente com a luz e a sombra, as tonalidades
de branco são acentuadas pelos figurinos exuberantes, os gestos e sentimentos
são expressados pelos tons de claro e escuro e pelos cenários de sonho e
fantasia, tudo me encanta. Pois não é que agora o filme está de volta aos
cinemas? Fantástico! Olha, quem nunca
viu não pode deixar passar essa oportunidade.
Há coisas para as quais a
experiência vivida nos dificulta o exercício da crítica. É o caso desse filme, a minha maior
referência, paradigma daquilo que o cinema pode ser capaz de produzir. Não consigo ver as falhas que esse filme
possa ter. Dizem que a paixão cega. Talvez seja isso. Mas se alguém me perguntasse qual o melhor
filme que eu já vi na vida, eu não titubearia: foi o “8 ½ “ de Fellini,
projetado numa tela de cinema.
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