Antonio Carlos Egypto
** KAMINSKI E EU, do diretor alemão Wolfgang Becker,
o mesmo de ADEUS, LENIN, é um filme muito bem realizado, moderno na narrativa e
no tratamento visual. Assim como no
filme anterior, Becker se vale aqui do que está escondido, se omite, se ignora,
da mentira e das intenções não declaradas para explorar o humor que se insinua
nos relacionamentos humanos, em suas possibilidades e fracassos. Belo trabalho.
KAMINSKI E EU |
** Outro que tem um humor sutil e peculiar, um tanto
insano e irônico, é o novo filme do diretor norueguês Bent Hamer, 1001
GRAMAS. Quem viu CONVERSAS NA COZINHA e
CARO SR. HORTEIN já deve ter sido fisgado pelo estilo original do diretor. Aqui tudo gira em torno do quilo oficial da
Noruega, isso mesmo, uma medida guardada a sete chaves, com muito cuidado e
carinho. Quando ela tem de sair do seu
“esconderijo” para ser exposta numa convenção internacional de pesos e medidas,
algo pode acontecer. O filme flui de uma
forma tal que, quando acaba, a gente lamenta constatar que acabou. Muito bom .
** Já o filme inglês A SENHORA DA VAN, que conta a
divertida história real de uma mulher sem teto, educada, mas despossuída, que
viveu quinze anos numa van em frente à casa de um escritor, esgota um pouco o
seu humor e acaba se repetindo, alongando e dando a sensação de que já deu tudo
o que tinha para dar. Vale a pena ver
esse filme de Nicholas Hytner, para apreciar o trabalho de Maggie Smith, sempre
ótima, aqui em grande desempenho.
A SENHORA DA VAN |
** EISENSTEIN EM GUANAJUATO é dirigido por Peter
Greenaway, pintor e cineasta, garantia de esmero e criatividade visual. O tom farsesco é excessivo e o personagem do
grande cineasta soviético Sergei Eisenstein (de ENCOURAÇADO POTEMKIN), mostrado
como idiota e infantilóide, incomoda.
Um intelectual daquele porte, gênio da montagem cinematográfica, ser
retratado assim, de forma avacalhada? A
sua pretensa homossexualidade também aparece num exibicionismo totalmente
deslocado. Melhor seria ter criado um personagem
de pura ficção, aí tudo caberia no delírio de Greenaway. Com Eisenstein não acho que caiba, não. Mesmo assim, é um filme bonito, muito bem
realizado.
** Indo para um registro mais sério, vem por aí o
filme LABIRINTO DE MENTIRAS, exibido na Mostra, com estreia prevista para os
próximos dias no circuito comercial. O
filme alemão, dirigido pelo cineasta Giulio Ricciarelli, de origem italiana,
retrata em Frankfurt, 1958, a batalha de um jovem promotor público para pôr em
julgamento membros da SS que serviram em Auschwitz. O processo que quebrou o tabu e revelou os
crimes do campo de extermínio passou por muitos percalços para acontecer,
porque, de algum modo, toda uma geração se comprometeu e participou da barbárie
nazista. É fácil jogar toda a culpa em
Hitler... O assunto é importante,
historicamente, mas o filme é quadrado, convencional na narrativa, na recriação
de época, numa estética limpinha, arrumadinha, que soa falsa.
** Passou pela Mostra, e já entra em cartaz, ALIANÇA
DO CRIME, dos Estados Unidos, de Scott Cooper.
Conta a história do envolvimento do FBI, em Boston, nos anos 1970, com o
gangster irlandês James “Whitey” Bulger, a pretexto de eliminar a máfia
italiana, que ampliava seus domínios no mundo da contravenção e do crime na região. Bom filme para o gênero. Destaque para Johnny Depp, enfeiado e
exibindo pronunciada careca pela primeira vez no cinema. Ele é mesmo um ator capaz de se transformar
radicalmente a cada papel.
CHICO,ARTISTA BRASILEIRO |
** O filme nacional CHICO, ARTISTA BRASILEIRO, de Miguel
Faria Jr, que abriu o Festival do Rio e foi exibido também na 39ª. Mostra, foi
um momento de grande beleza, música sublime e papo inteligente. Chico Buarque destila seu gênio com
delicadeza, respeito e admiração pelos outros.
O cineasta fez jus ao grande talento do retratado e nos deu números
musicais preciosos, não só do próprio Chico, mas de ótimos intérpretes, alguns
pouco conhecidos. Ainda nos mostrou a
veia literária, já consolidada, do escritor Chico Buarque. Por conta do seu último trabalho literário,
acabamos conhecendo o seu irmão alemão em vídeo e cantando. Importante material de arquivo também é
resgatado. Imperdível. Deve chegar aos cinemas brevemente.
** Outro brasileiro que vi na Mostra foi BEIRA MAR,
produção gaúcha da dupla Filipe Matzembacher e Márcio Reolon. O relacionamento entre adolescentes amigos
que evolui para o distanciamento e para a descoberta da homossexualidade é
mostrado com simplicidade e de forma cuidadosa.
Poderia ter ido mais fundo nos sentimentos, mas é um retrato sensível
dessa sexualidade que aflora na juventude, desafiando expectativas.
PARDAIS |
** A adolescência como momento crucial de encontrar
caminhos, se encontrar e enfrentar um relacionamento muito difícil e distante
com o pai é abordada pelo cinema da Islândia, com grande competência, em
PARDAIS. A forma de narrar, trazendo
para perto da câmera o mal estar do jovem e a repulsa ao pai, é tocante,
tornando o assunto especialmente atraente.
O clima gélido mostrado nas imagens da Islândia contribui para
isso. O roteiro, inteligentemente
montado, também. O diretor Rúnar Rúnarsson, premiado pela 39ª. Mostra, teve
outro filme exibido: VULCÃO, que já fez parte da 35ª. Mostra e pôde ser revisto
agora. Tão bom quanto, ou talvez ainda
melhor. É só o segundo longa do cineasta
nórdico. Mais pérolas devem vir por aí.
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