Antonio Carlos Egypto
UM MÉTODO PERIGOSO (A Dangerous Method). Canadá, 2011. Direção: David Cronenberg. Com Keira Knightley, Viggo Mortensen, Michael Fassbender, Vincent Cassel, Sarah Gadon. 99 min.
O novo trabalho do diretor canadense David Cronenberg, que gosta de histórias viscerais e que mexem em profundidade com o corpo, é um tanto diferente do que se costuma esperar dele.
Para começar, porque é um filme de época, que se esmera em belas locações, cenários, figurinos, com uma direção de arte cuidadosa e minuciosa nos detalhes, que compõem a situação onde se desenvolverá a história. A estética do filme é impecavelmente limpa, tudo perfeitamente no seu lugar, muito bem arrumado. De fato, isso chega a incomodar e não parece filme de Cronenberg.
O cineasta se destacou com filmes de terror muito bem-feitos, como a refilmagem de “A Mosca”, de 1986, “Gêmeos, Mórbida Semelhança”, de 1988, e “eXistenZ”, de 1999, entre outros. “Marcas da Violência”, de 2005, é um filme forte e intenso, em que um suspense e terror psicológicos imperam. Em “Spider”, de 2002, esse mesmo clima é utilizado para retratar a doença mental. Tudo isso parece muito diferente de um filme de época, belo e clean.
Na verdade, não é bem assim. A temática psicológica está sempre em destaque, no trabalho do diretor, ainda que resvale para o terreno do fantástico. Na produção dos anos 2000, então, ela é o eixo central da narrativa. Não é de estranhar, portanto, que agora seu filme trate de um caso real – o de Sabina Spielrein – que remete aos primórdios da psicanálise e tenha como personagens ninguém menos do que Sigmund Freud e Carl Gustav Jung.
O roteiro de Christopher Hampton é baseado na peça teatral dele próprio (“The Talking Cure”) e no livro de John Kerr (“A Most Dangerous Method”).
A ação remete ao início do século XX em Viena, onde Freud vivia, e na Suíça, de Jung, entre os anos 1904 e 1913. Jung, vivido por Michael Fassbender, tinha, então, 29 anos de idade e mostrava grande talento para o exercício da cura pela palavra, que se tornou psicanálise pela capacidade científica e de administração associativa que Freud (Viggo Mortensen), já com 50 anos, cuidava de organizar e preservar.
Se Jung era seu mais brilhante pupilo, ele tinha ideias próprias e punha em questão, por exemplo, o primado da sexualidade, tal como Freud o concebia. A atração dele por uma espécie de espiritualidade, ou concepção mística, seria outra dimensão que contribuiria para o afastamento entre eles. Como Freud poderia embarcar na ampliação do inconsciente tal como Jung viria a formular, depois de ser tão combatido por conceber a sexualidade infantil, entre outras grandes novidades? Essas são algumas questões que, de uma forma ou de outra, aparecem na trama do filme, sem que ele possa aprofundar tais discussões.
Um foco da narrativa está na paciente russa Sabina Spielrein (Keira Knightley), histérica, que viria a ter importante papel como psicanalista, a partir do seu próprio tratamento com Jung, que daria margem a um caso de amor entre médico e paciente. Ela seria também paciente de Freud.
Jung, que está no centro da história, enfrenta suas próprias pulsões frente a Sabina e também junto a outro paciente psiquiatra, Otto Gross, interpretado por Vincent Cassel, este, um adepto da não-repressão das pulsões, vivendo a vida com tudo, experimentando de tudo. Jung – Sabina – Freud formam um triângulo profissional amoroso, registrado por cartas entre eles, que faz parte da história da psicanálise.
As locações do filme, além de belas, contemplam também, sempre que possível, as localidades históricas onde os fatos aconteceram. Há cenas filmadas na casa original, onde Freud morou, de 1891 a 1938, em Viena, hoje o Freud Museum, na famosa Berggasse 19. Réplicas dos gabinetes de Jung e Freud estão presentes no filme, revelando um excelente trabalho de reconstituição histórica.
O elenco, composto por ótimos atores, no entanto, causa uma certa estranheza. Viggo Mortensen não passa nem a imagem, nem a dimensão intelectual de um grande pensador, como Freud foi, embora não lhe faltem recursos como ator. Michael Fassbender vive um Jung jovem e charmoso, mas um tanto agitado e confuso, que também é difícil de conceber, a partir de qualquer texto do pensador suíço, que parece primar por um equilíbrio e uma capacidade reflexiva notáveis. De Sabina pouco se sabe, mas a interpretação de seu comportamento histérico por Keila Knightley também soa excessiva. Ou seja, há um certo desencontro entre atores e personagens, nessa produção tão bem cuidada, com um tema tão significativo e de um diretor tão competente, que talvez seja isso que acabe por não fazer de “Um Método Perigoso” um filme empolgante como ele poderia ser.
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