terça-feira, 15 de outubro de 2024

PRIMEIROS FILMES DA MOSTRA 48

Antonio Carlos Egypto

 

ANORA

ANORA, produção estadunidense, dirigida por Sean Baker, chega à Mostra 48 com a chancela da Palma de Ouro no Festival de Cannes.  Mas a gente se surpreende com essa escolha.  A história envolve uma prostituta do Brooklin que vê a chance de mudar de vida ao se casar em Las Vegas com o filho de um oligarca russo, totalmente sem noção, que queima dinheiro nos Estados Unidos em sua temporada por lá, e se comporta como um tresloucado, obcecado pelos prazeres do sexo, recém descobertos.  Claro que seu “casamento” será posto à prova pela família do “noivo”.  E a profissional do sexo, naturalmente, lutará para mantê-lo.  O filme é uma comédia amalucada, em que os excessos estão visíveis: quebradeiras, gritarias, xingamentos, vômitos, destruições.  Há que se reconhecer que a comédia funciona, produz risadas, tem sacadas interessantes aqui e ali, mas, no conjunto, beira o nada.  O que terá acontecido com o Festival de Cannes?  Não tinha nada melhor para premiar?   138 min.

 

O PIOR HOMEM DE LONDRES é uma produção portuguesa, dirigida por Rodrigo Areias, que tem outros filmes na Mostra, falada em inglês e também em francês, italiano e até português.  Passa-se na Londres vitoriana, ao tempo de Napoleão III, e retrata o que poderíamos chamar de um vilão perfeito.  Charles Augustus Howell, português radicado em Londres, agenciador de artistas, negociante de arte, agente secreto, chantagista, escroque, trapaceiro.  Merece muitos adjetivos na sua arte de envolver, manipular, roubar com sagacidade, mentir, destruir pessoas e reputações. Enfim, o tipo é tão execrável que Arthur Conan Doyle o chamou conforme o título do filme e fez dele personagem nas histórias de Sherlock Holmes.  Quanto ao filme, demora para engrenar, ao mostrar as aparências, as filigranas, mesuras e falsidades do comportamento das elites, até chegar à essência do vilão.  A direção de arte fez uma boa caracterização de época e o filme vai ganhando interesse aos poucos.   Por vezes, perde o foco, mereceria uma edição mais enxuta.  A narrativa é linear, clássica.  130 min.

 

O PIOR HOMEM DE LONDRES

VOCÊ ME QUEIMA (Tú Me Abrasas), dirigido por Matias Piñero, da Argentina, é um filme pretensioso e intelectualizado. A antiga poeta grega Safo e a ninfa Britomartis conversam à beira-mar sobre amor e morte, a partir da adaptação de um capítulo do livro “Diálogo com Leucó”, de Cesare Pavese.  São citadas inúmeras vezes frases com fragmentos dos poemas de Safo, que foram recuperados, para além da única poesia que se conhece dela.  O filme trabalha manipulando o livro e fazendo anotações nele, reproduzindo também imagens, com destaque para o mar, alternando com o texto.  Literário demais, acadêmico, sem ritmo.  Vai interessar a muito pouca gente, creio eu.  64 min.

 

HANAMI é também uma produção portuguesa (e de Cabo Verde), dirigida por Denise Fernandes.  Leva-nos a uma ilha vulcânica distante, de onde todos querem partir, como Nia, a mãe de Nana, o fez, por exemplo.  Quando ela retorna, vários anos depois, com Nana já adolescente, esta prefere ficar, demonstrando ter aprendido a amar a ilha, mesmo sem conseguir expressar isso emocionalmente.  O filme vai mostrando o ambiente, as características,   objetos e elementos culturais do lugar, sem se deter muito no foco principal da história. Que, na verdade, é apenas um fio de história.  A locação de natureza é bonita, atraente, já o filme flui vagarosamente, sem conseguir envolver muito o espectador.  Competição Novos Diretores.  96 min.

 

QUANDO A LUZ ARREBENTA

QUANDO A LUZ ARREBENTA (When the Light Breaks), produção da Islândia, dirigida por Rúnar Rúnarsson, focaliza os sentimentos profundos que não podem ser expressos por circunstâncias que estão acima de uma decisão pessoal.  Os jovens Una e Diddi estão secretamente apaixonados e se encontram sem que Klara, a namorada dele e amiga de ambos, saiba disso.  Diddi está disposto a resolver esta questão, rompendo com Klara, e promete isso a Una.  Mas um acidente terrível impedirá que isso aconteça, tirando-lhe a vida.  Para Una, as consequências irão muito além da dor e do luto, alcançando todo o grupo de amigos com quem ela convive, sem permissão para expressar o que sente, consolar e ser consolada, na dimensão do que seria necessário.  O filme expõe essa condição de opressão interior de Una o tempo todo, sem nunca perder o foco.  Talvez pudesse ampliar a compreensão do problema, superando a questão individual, relacionando-o à sociedade e à vida dos jovens, num sentido mas geral.  Mas é um trabalho honesto e envolvente.  82 min.


@mostrasp    #mostrasp


Nenhum comentário:

Postar um comentário