DORIVAL
CAYMMI, UM HOMEM DE AFETOS. Brasil,
2020. Direção: Daniela Broitman. Documentário.
90 min.
Eu
devia ter 8 ou 9 anos de idade e ouvia muito rádio, na época, quando estourou Maracangalha, uma música de carnaval
exuberante, que sempre tocava e me encantava.
Aprendi e nunca mais esqueci que quem a tinha feito e cantava era
Dorival Caymmi (1914-2008).
Desde
então, a música de Caymmi nunca mais sumiu da minha vida. Alguns anos mais e João Gilberto, lançando a
Bossa Nova, com Tom, Vinicius e muitos mais, eternizaria canções como Saudade da Bahia, O Samba da Minha Terra, Rosa
Morena, Doralice, Lá Vem a Baiana. Mais para a frente, Gal Costa faria um álbum
dedicado a Caymmi e Elis Regina tornaria clássico João Valentão. Com esse papo todo, já revelei a minha idade, mas
Dorival Caymmi vem de muito antes, de Carmem Miranda, em O Que é Que a Baiana Tem, que gerou a imagem que ela vendeu ao
mundo, a partir de Hollywood, com a música de Caymmi criando e descrevendo seus
trajes.
Dorival
Caymmi ficou famoso em todo o Brasil (e fora dele) por suas canções praieiras,
que revelavam o mar, a vida dos pescadores, a natureza exuberante e a
morte. A Suíte dos Pescadores é uma obra de peso, mas antes teve O Mar, O Vento, Eu Não Tenho Onde
Morar, É Doce Morrer no Mar, Saudade
de Itapuã. Tem espaço também para A
Lenda do Abaeté com sua lagoa escura arrodeada de areia branca.
A
Bahia e o samba são seus temas recorrentes, mas sua fama de mulherengo não se
escondeu. Vêm Marina, Dora Rainha do Frevo
e do Maracatu, Rosa Morena e Doralice, já citadas, Adalgisa, Modinha pra Gabriela, A
Vizinha do Lado e, mais tarde, Maricotinha.
Não acaba por aí, porque, além de Anália, de Maracangalha, temas de amor se destacam: Só Louco, Não Tem Solução,
Nem Eu, Você Não Sabe Amar.
Canções
que remetem a outros lugares, além da Bahia, como a maravilhosa Sábado em Copacabana, que muita gente
não associa a Caymmi, ou Peguei um Ita no
Norte. Tem mais: Das Rosas, Oração de Mãe Menininha, celebrando o candomblé, que ele mesclava
com o catolicismo, num sincretismo religioso, com as 365 Igrejas que a Bahia tem.
E Yemanjá, de Dois de Fevereiro
no mar. Ainda tem Acalanto, feita para sua filha Nana.
Vocês
já devem estar cansados das citações musicais, mas nem assim acabou. A obra de Dorival Caymmi é uma das maiores da
música brasileira no século XX, de uma originalidade ímpar, no modo de tocar um
violão inimitável, em composições sofisticadíssimas, que parecem simples,
emolduradas por letras com um tal poder de síntese que expressam tudo em
pouquíssimas palavras, diretas, coloquiais, que produzem uma poesia de rara
beleza e eficiência.
Os
mais jovens talvez não consigam avaliar a força dessa obra que o documentário
“Dorival Caymmi, um Homem de Afetos”, de Daniela Broitman aborda muito bem,
mostrando-nos Caymmi num encontro em 1988, falando de si, de seus afetos, da
música, da esposa Stella Maris, com quem viveu 68 anos junto e que faleceu
poucos dias após a morte dele. Também
mostra um encontro, uma filmagem na casa de Tom Jobim. Colheu depoimentos de
seus três filhos, Nana, Dori e Danilo, da ex-nora Ana Terra, e de sua
ex-cozinheira e confidente Cristiane Oliveira.
Caetano Veloso e Gilberto Gil, em suas falas, dão a dimensão da
importância da obra que influenciou toda a nossa música, da Bossa Nova ao Tropicalismo.
Explora,
ainda, outros aspectos, como sua pintura, sua relação com a literatura de Jorge
Amado, suas raízes africanas e até sua atuação discutível como ator. Além dos papéis de pai, marido e amigo. Ou seja, vale a pena assistir a esse
documentário que nos aproxima da figura humana e, principalmente, da obra
maiúscula desse grande criador da nossa música.
Faz jus a esse ilustre homenageado.
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