Antonio Carlos Egypto
A
principal coisa a comentar sobre a 46ª. Mostra Internacional de Cinema em São
Paulo é aplaudir o fato de ela ter acontecido.
Em meio a um clima desfavorável, por parte de um governo federal que
desestimulava e combatia a cultura, sem patrocínio oficial de órgãos do Estado,
foi uma vitória a ser celebrada. Outra
vitória foi celebrada durante a Mostra: a da democracia, no dia 30 de outubro,
com a programação ainda em andamento.
Espero que para os próximos anos a Mostra possa continuar e contar com
mais apoios e incentivos oficiais, considerando um novo governo que valoriza
ações culturais como essa. E sabe
avaliar a sua importância.
Depois
de 2 anos com prevalência da epidemia de Covid-19, em que eu acompanhei a
Mostra on line, desta vez assisti
presencialmente a mais de 50 filmes, além de 3 ou 4 on line. Entre 15 de outubro e 04 de novembro, por meio de 10 postagens, comentei aqui 25 filmes, dentre os
que mais me interessaram ou de que mais gostei.
Ou seja, mais ou menos metade do que eu pude ver. Claro que uma parte dos filmes não
comentados, de fato, não chegaram a me entusiasmar. Outros, no entanto, eu gostaria de nomear
aqui, recomendando que, se puderem ver em exibições no cinema ou por outros
meios, creio que serão apreciados.
NOITE EXTERIOR |
Começo
com um filme que, na verdade, é uma série, 2 filmes compondo 6 episódios: NOITE EXTERIOR, partes I e II, de Marco
Bellocchio. Aqui, ao longo de quase 6
horas, se esquadrinha a história que envolveu o sequestro e assassinato do
dirigente da Democracia Cristã e ex-Primeiro Ministro Aldo Moro, que estava em
vias de assumir a presidência da Itália em 1978. O tema já havia sido tratado por Bellocchio
no filme “Bom-dia, Noite”. Para quem
gosta de série, um prato cheio. Confesso
que não sou fã. Para mim, o tempo foi
excessivo, embora ele tenha explorado bem os diversos grupos envolvidos na
história: o governo de então, o Partido Democrata Cristão, o Papa Paulo VI e o
Vaticano, as Brigadas Vermelhas, a família de Moro e a sociedade da época.
Outro
belo filme que merece ser visto é BARDO,
FALSA CRÔNICA DE UMAS TANTAS VERDADES, de Alejandro Iñarritu, com um
personagem fascinante, jornalista mexicano, que vive sua crise existencial,
reflete sobre a vida, identidade, lutas, relações e lembranças que o
enlouquecem. Filmado de forma moderna,
feérica, é um filme envolvente. Muito
bem feito.
BARDO |
Também
gostei de AS OITO MONTANHAS, um
filme italiano, dirigido por um casal de belgas, Felix Van Groeningen e
Charlotte Vandermeersch, que é um trabalho tocante sobre amizade entre dois
homens distintos, que têm em comum a vivência, eventual para um, constante,
para outro, da vida nas montanhas.
De
Cláudia Varejão, de Portugal, gostei também de LOBO E CÃO, em que uma pequena ilha no Oceano Atlântico, marcada
pela religião e pelas tradições, tem de conviver, de algum modo, com o mundo queer dos tempos atuais. A cena da procissão, em que rapazes super enfeitados
participam, vale o filme. Num outro registro,
o filme português A NOIVA, de Sérgio
Tréfaut, também pode ser lembrado. Muito
sofrido, mas abordando questões relevantes, vividas num campo de prisioneiros
do Iraque por uma adolescente que se casa com um guerrilheiro Daesh, que está para ser executado.
Um
filme curioso e provocador é o alemão PIAFFE,
sobre um rabo de cavalo, de verdade, que se desenvolve no corpo de uma
mulher. Fala de submissão feminina de
forma alegórica. Tem uma qualidade de
som espetacular, a personagem principal trabalha como sonoplasta, o que por si
só vale a ida ao cinema. É um filme para
poucos da diretora israelense Ann Oren, mas por que não experimentar algo
diferente?
AFTERSUN, do
Reino Unido, de Charlotte Wells, venceu o prêmio do Júri da Mostra, de novos
diretores. Apresenta uma narrativa inteiramente centrada na relação de um pai
de 30 anos com a filha de 11, que acontece num pacote de férias na Turquia. Por
meio de pequenos momentos, rotinas de lazer, contatos que surgem, detalhes de
todo tipo, com inteligência e perspicácia, vamos percebendo o que está em jogo
nessa relação não habitual, já que eles não vivem juntos. Há muito afeto e
frustração no ar. E muita fluidez numa trama ao mesmo tempo simples e complexa.
AFTERSUN |
Em
apresentação especial, vi 2 filmes de Jean Eustache, A MÃE E A PUTA e MEUS
PEQUENOS AMORES, dos anos 1970, que dialogam com a nouvelle vague francesa. São trabalhos muito interessantes, do
cotidiano real, embora A MÃE E A PUTA se
alongue demais. A meu ver, sem a menor
necessidade disso.
Por
fim, gostaria de comentar sobre um número grande de filmes da Mostra de longa
duração. Surpreendeu-me negativamente,
já que poucas vezes se justifica essa longa duração, especialmente quando
importam mais os climas, os personagens, as questões maiores, do que o enredo
em si. A longa duração pouco
acrescentou, se é que tenha acrescido algo de relevante. Geralmente, não é por causa dessa duração que
o filme é bom, mas apesar dela.
@mostrasp
Nenhum comentário:
Postar um comentário