Antonio Carlos Egypto
JOYLAND, do diretor Saim
Saquid, primeiro longa dele, indicado pelo Paquistão para a disputa do Oscar de
filme internacional, é um trabalho bem interessante, inovando num gênero muito
batido. Trata-se de um melodrama
familiar que se passa numa cidade metropolitana e conservadora, Lahore, em que
os Rana, uma grande família organizada segundo cânones tradicionais, vê suas
vulnerabilidades expostas quando um de seus membros se envolve com uma mulher
trans, a partir do convite para trabalhar com dança erótica. Parece algo inconcebível para uma estrutura
familiar que administra as finanças, definindo o papel de cada um a partir das necessidades
das pessoas e da casa. As mulheres não
decidem e são como que invisíveis. Tudo
é comandado de forma patriarcal pelo ancião que chefia a família e está doente,
exigindo acompanhamento. Mas o
personagem que se apega ao travesti e ao mundo queer que o envolve já apresentava inovações de gênero:
desempregado até então, cuidava da casa e da comida de todos, enquanto sua
mulher trabalhava fora. O casamento
deles foi arranjado pelas famílias, mas devidamente consentido. Uma série de elementos compõe um universo, no
mínimo curioso, em que a liberdade, o prazer e os desejos podem funcionar como
elementos desagregadores, ao mesmo tempo em que abrem horizontes insuspeitados
para todos os membros da família, tornando-os mais humanos. Com Ali Junejo, Rasti Farooq, Alina Khan,
Sarwat Gilani. 126 min.
BELAS CRIATURAS (Berdreymi), dirigido por Guômundur Arnar Guômundsson, indicado pela Islândia ao Oscar de filme internacional, mostra uma adolescência violenta na linguagem, nos gestos, nas ações, muito além do que chamamos bullying, se considerado do ponto de vista psicológico ou moral. Mostra também as famílias distantes dos jovens, e disfuncionais em quase todos os aspectos básicos do que seria uma instituição social de acolhimento de crianças, adolescentes e adultos. Deixados à própria sorte, os jovens enveredam por um mundo agressivo, violento, que extrapola a gangue, onde a lealdade é valorizada. Atinge a sociedade como um todo. O mais normal do grupo, segundo ele próprio como narrador, o garoto Addi, tem uma intuição especial que lhe traz visões oníricas. Por aí, o filme caminha do realismo mais nítido para o terreno da fantasia, mas sem perder o rumo da realidade. E sem exageros. Não há grande surpresa no que é ali mostrado. A Islândia é mais do que um país pacato, coberto de ovelhas e gelo. A violência está em toda parte. Com Birgir Dagur Bjarkason, Áskell Esnar Pálmason, Victor Benóny Benediktsson, Anita Briem. 123 min.
ALCARRÀS, dirigido por Carla Simón, indicado pela Espanha ao Oscar de filme internacional, nos leva a um pequeno vilarejo, em que uma família numerosa se dedica a colher uma grande quantidade de pêssegos. Ao vê-los atuar e conviver dentro de uma estrutura produtiva rural, percebemos que, embora tudo decorra como de costume, há elementos novos introduzidos pela tecnologia. Televisores modernos, celulares, aparatos de casa e de uso no campo denunciam isso. E a tecnologia de ponta, e do bem, como as placas de energia solar, vão invadir esse universo, determinando novos rumos para o idílico campo do interior. Vai mudar a vida dessas pessoas, dessa família ativa e produtiva, embora também com seus conflitos pessoais e preconceitos. Um pedaço escondido do amplo terreno, onde o filho jovem, colaborador, muito dedicado ao trabalho, planta sua maconha, também serve para nos falar dos hábitos que invadem esse ambiente supostamente tão tranquilo. E não causa problemas, pelo menos até ser descoberto. O filme desenvolve bem o clima dessa família em ação contínua e muito dedicada e efetiva. Explora esse ambiente rural, em vias de mudar, de modo bem concreto e até repetitivo. Coloca-nos naquele mundo e na vida dessas pessoas, trazendo-as para bem perto de nós. Com Jordi Pujol Dolcet, Anna Otin, Xênia Roset, Albert Bosch. 120 min.
@mostrasp
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