Antonio Carlos Egypto
“Clara Sola”, filme da Costa Rica,
dirigido por Nathalie Álvarez Mesén, tem como condutora da narrativa uma
personagem forte e estranha. Clara, uma
mulher de cerca de 40 anos, costuma estabelecer o nome secreto das
pessoas. Vem daí o Sola, o nome secreto
dela própria. Sola, de solidão, algo que
ela vive na medida em que está à parte de tudo e de todos. Seu comportamento não tem relação com a sua
idade, ela é infantilizada, ensimesmada, sem condição de interagir de forma
razoável com as pessoas. Em compensação,
tem uma relação umbilical com os animais, especialmente, com uma égua branca,
chamada Yuca, arisca, que ela domina com facilidade e por quem tem genuíno
afeto. O mesmo se dá com alguns insetos,
que ela acolhe em suas mãos e os revive, soprando neles, concedendo-lhes o
sopro da vida.
Clara é uma figura que remete,
inevitavelmente, à doença mental, mas é explorada de forma mística,
apresentando um poder miraculoso de curar as pessoas (do que quer que seja),
segundo sua mãe, Fresia (Flor María Vargas Chaves), religiosa ao extremo, e que
o remoto vilarejo da Costa Rica crê com fé nas orações que Clara conduz,
instigada pela mãe.
Clara vive com a mãe e a sobrinha (Ana
Julia Porras Spinoza), e é tratada por Fresia cheia de restrições,
admoestações, com os limites de uma criança.
Se a relação com a mãe só a tolhe, com a sobrinha, que está prestes a
completar 15 anos, ela aprende a desejar e expressar sua sexualidade. O que Clara faz de modo atabalhoado,
naturalmente. Enfim, no filme, vivemos o
que a personagem vive, sente, pensa, experimenta. Com suas amarras e seu descontrole eventual. Com seu despreparo para lidar com as coisas
simples, do cotidiano, e com as frustrações daí decorrentes. E que dizer dos seus poderes?
Uma personagem intrigante como essa é
capaz de segurar um filme, até porque a atriz Wendy Chinchilla Araya é
ótima. A filmagem, delicada e cuidadosa,
embalada por uma natureza atraente, faz com que o filme flua bem, com seu ritmo
apropriadamente lento, mas eficaz para manejar o clima e o contexto da criatura
focalizada.
Esse clima envereda pelo fantástico,
pelo desconhecido, embora ancorado no realismo das relações, tanto pessoais,
quanto sociais. Como o ambiente
religioso cercado de imagens de santos e o modo de viver simples e pobre da comunidade, assim como a
festa dos 15 anos. Reconhecemos como familiar a vida rural ali descrita, da
qual emerge uma personagem estranha, como tantas outras que a literatura e o
cinema latino-americano já exploraram com êxito.
PACIFICADO, Brasil, 2019. Direção: Paxton Winters. Elenco: Cássia Nascimento, Bukassa Kabengele, Débora Nascimento, José Loreto, Léa Garcia. 120 min.
“Pacificado” é uma história ficcional,
passada inteiramente na comunidade de Morro dos Prazeres, no Rio de Janeiro,
onde viveu por oito anos o diretor Paxton Winters. O filme acaba tendo um caráter documental
muito grande, porque mostra a favela em todos os detalhes, o tempo todo: suas
construções, seus espaços aglomerados, becos, vielas, grande escadaria, etc.,
etc..
É lá que se desenvolverá a ficção que
envolve a garota Tati (Cássia Nascimento), que aos 13 anos tenta se conectar
com o pai Jaca (Bukassa Kabengele), que esteve preso por 14 anos, tendo sido o
chefão do pedaço, na luta pelos pontos de venda do narcotráfico. Todos esperam algo dele, na volta à
comunidade, mas quem está no comando agora é Nelson (José Loreto), que é mais
novo e tem outros métodos de domínio, mais violentos. Jaca quer sair dessa expectativa, parar com o
crime, evitando se contrapor ao novo mandatário. O clichê tradicional do bandido que quer
parar com tudo e viver tranquilo, mas não pode.
O ambiente o obriga a tomar decisões em outra direção.
É nesse sentido que “Pacificado” mostra
a realidade social e econômica que envolve o ambiente, o que levaria
“inevitavelmente” ao crime. Isso, no
momento em que acontece a Olimpíada no Rio e está em vigor a prática da polícia
pacificadora, controlando os morros.
Controlando?
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