Antonio Carlos Egypto
O TREM DA UTOPIA. Brasil, Itália, 2021. Direção: Beth Sá Freire e Fabrízio
Mambro. Documentário. 94 min.
O documentário “O Trem da Utopia”,
primeiro longa de Beth Sá Freire e Fabrízio Mambro, focaliza o espírito
italiano na cidade de São Paulo. São 8
milhões de pessoas com sobrenome italiano vivendo em São Paulo, em que seus
ancestrais, ou eles próprios, encontraram um porto seguro. Ou nem tanto.
Na aventura pela integração e identidade a um outro mundo, passou-se
pela miséria, pelo abuso, pela humilhação, pelo preconceito, pela fuga das
guerras, da siciliana à Segunda Guerra Mundial.
O fato é que esse espírito italiano
invade o ambiente paulistano e se torna uma marca característica de sua
história. O filme enfatiza isso, ao
promover, por meio de cortes rápidos, uma sucessão de imagens da capital
paulistana com imagens de cidades da região Emília Romagna, que vai do Brás e
do Bexiga a Campo de Fiore, em Roma, entre muitas outras. Associando também Anita Garibaldi a Lina Bo
Bardi, passando pela música, pelo futebol do Juventus, pela comida italiana,
pela inevitável pizza napolitana, pelas manifestações artísticas inspiradas em
Michelangelo, no Ibirapuera, e por aí vai.
Quem funciona como condutor nas andanças
pela cidade e pela Itália é o músico e coralista Piero Damiani e, por meio de
encontros, conversas e eventos, essa italianidade paulistana vai se mostrando,
em seus anseios, buscas, preocupações, sentimentos de pertencimento e
identidade dupla (brasileira/italiana).
Muitas questões são levantadas,
inclusive uma bem sensível, já que as filmagens (ou grande parte delas) em São
Paulo ocorreram entre o primeiro e o segundo turno da eleição de 2018. Isso levantou o inevitável paralelo entre o
momento brasileiro, extremamente preocupante, e o fascismo, que dominou a
Itália na primeira metade do século XX, e está lá até hoje na memória, que
deixou marcas profundas e desagregadoras.
A ideia de ter de viver uma experiência fascista no Brasil sugere a
muitos a possibilidade de voltar. Fugir do fascismo, lá como cá?
A participação brasileira dos pracinhas
na Itália, na Segunda Guerra Mundial, é relembrada com carinho pelos italianos
da região de Monte Castello. O que se
tornou um símbolo da irmandade entre os dois países.
Em que pese o volume de situações
exploradas, o filme não chega a alcançar uma síntese. Vale mais como um painel amplo e variado do
recorte a que se propôs: a italianidade paulistana.
A produção é muito bem cuidada, o filme
tem agilidade e variedade, explora o uso da palavra escrita junto com a imagem
e faz um jogo espelhando São Paulo e Itália em diferentes aspectos. Nem sempre a tradução está presente, quando
se fala italiano e as palavras escritas estão em inglês. Será preciso ao menos alguma familiaridade
com um dos dois idiomas para acompanhar tudo o que é dito. De qualquer modo, em bom cinema as imagens
falam mais do que as palavras.
Apreciei a crítica do filme "O trem da Utopia", comentário sobre um assunto bem oportuno que a presença italiana em São Paulo. Eu próprio, pelo meu sobrenome, faço parte dessa grande comunidade e gostei de ler o texto.
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