quinta-feira, 29 de abril de 2021

NOMADLAND

Antonio Carlos Egypto

 

 


NOMADLAND, Estados Unidos, 2020.  Direção: Chloé Zhao.  Com Frances McDormand, David Strathaien, Linda May, Cherlene Swankie.  106 min.

 

 As crises do capitalismo e suas consequências para as pessoas mais velhas – maiores de 60 anos – com poucos recursos, sem emprego regular ou aposentadoria, chegaram ao Oscar 2021. 

 

O mais premiado como melhor filme, melhor direção e melhor atriz, foi “Nomadland” (terra nômade, terra dos nômades ou o mundo dos nômades, como poderia ser chamado por aqui).  É uma bela obra, de caráter quase documental, da diretora chinesa Chloé Zhao, que vive e trabalha nos Estados Unidos, tem críticas ao seu país de origem e teve sua retumbante vitória ignorada e censurada nos meios eletrônicos chineses. Ela foi também a segunda mulher a vencer o prêmio de melhor direção.  Pois é, um feito e tanto. 

 

O filme também é uma surpresa como vencedor de Oscar.  Trata de questões sociais com respeito e compreensão aos retratados, com sutileza e rarefação na narrativa.  A gente acompanha a vida daquelas figuras da terceira idade que decidiram viver na estrada, em trailers, vans, caminhonetes, casas sobre rodas, enfim. A protagonista Fern é vivida pela grande atriz Frances McDormand, premiada com justiça, mais uma vez, no Oscar.  Foi escolhida como melhor atriz também em 2018, por “Três Anúncios para um Crime” e, em 1997, por “Fargo”.  Seu papel é bastante representativo do universo retratado. 

 

A cidade de Empire, em Nevada, vê o fechamento de uma grande fábrica de gesso, que empregava quase todos na cidade, falir, após a crise de 2008.  O próprio CEP da cidade deixou de ser utilizado, meses após esse fato.  A cidade fantasma expulsa seus moradores, que precisam sobreviver.  Uma alternativa é iniciar uma vida nômade.  Viver no carro, estacionar em terrenos públicos, que não cobram, desde que se saia em duas semanas, e buscar, a cada quinze dias, uma atividade temporária, empregos sazonais simples, geralmente mal remunerados.  Para a viúva Fern, era uma saída e ela aprendeu até a gostar, na medida em que encontrava pessoas e grupos pelo caminho e os reencontrava periodicamente. Para quem tem facilidade no relacionamento, fica melhor. A solidariedade vale ouro nessa vida e traz pequenas trocas vantajosas a todos.

 

Frances McDormand se sente muito à vontade no papel de Fern, contracenando com os demais atores, que são nômades mesmo, estão representando a si próprios e expressando suas ideias de fato.  Ela se relaciona com eles com tal naturalidade e afetividade, que parece mesmo um deles.

 



O filme acompanha Fern em seus deslocamentos, trabalhos, dificuldades, e até em contatos familiares, e numa oferta de moradia e vínculo permanente em uma casa.  Mostra também os seus companheiros de jornada, com quem ela vai se encontrando e se despedindo amiúde.  Em função disso, “Nomadland” é também um filme de estrada, de deslocamentos, uma oportunidade para explorar belas paisagens, lugares menos conhecidos, como o deserto e partes da costa estadunidense.

 

É uma bela viagem que também nos convida à introspecção e à contemplação.  Quem poderia imaginar que um filme assim venceria os principais prêmios do Oscar?  Todos sabemos que o Oscar é um prêmio da indústria, não da arte.  Bilheterias contam muito.  Um cinema voltado para o mercado geralmente tem mais chance.  Mais uma coisa que a pandemia transformou.  Com os cinemas fechados a maior parte do ano de 2020, muitos filmes não foram terminados, não foram lançados, estão sendo guardados para o pós-pandemia e, sobretudo, não foram vistos.  Assim, o inesperado acontece, sob muitos aspectos.

 

“Nomadland” tem todos os méritos para ser descoberto e apreciado pelas pessoas.  Os que acreditam que os melhores filmes são os do Oscar vão ter de parar para pensar, porque o cinema que foi premiado em 2021 é bem diferente do que estão acostumados a aplaudir.  Pelo toque artístico, pelo toque feminino, pelo toque oriental, pelo ritmo e pelos valores que veicula.  É muito bom cinema.



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