Antonio Carlos Egypto
ARANHA, do diretor chileno Andrés Wood (do
ótimo “Machuca”, 2004), está na 44ª. Mostra Internacional de Cinema de São
Paulo on line, com uma trama que
envolve personagens e um grupo nacionalista de inspiração nazifascista, que
atuou na década de 1970 no país, visando a derrubar o governo de Salvador
Allende (1908-1973). Um grupo civil que
dispunha de armas e as utilizava para promover confusões, arruaças, interferências
em ações de grupos de esquerda ou de apoiadores do presidente Allende. Submergiram com a ascensão ao poder da
ditadura de Augusto Pinochet (1915-2006).
Na trama do filme, os personagens
Inês, Justo e Gerardo vivem um triângulo amoroso, em meio a toda ebulição
política do grupo. Com muitas disputas,
manipulações, rasteiras executadas, mágoas guardadas ou expressas, até onde era
possível no contexto. Essas coisas permanecem e podem reaparecer diante de novas
situações, quarenta anos depois. Aí já
cada um tem seu próprio rumo e algo a perder.
A retomada desses sentimentos e as posições assumidas nesse período e
hoje fazem parte de uma narrativa bem construída, que envolve crimes políticos
e vinganças.
A grande atriz Mercedes Morán é
protagonista e o ator brasileiro Caio Blat está no elenco, que reúne um grupo
de atores e atrizes tarimbado e que sustenta bem a história.
Em tempos em que grupos de extrema
direita se evidenciam em vários países, com suas pautas radicais,
superconservadoras e retrógradas nos costumes, é interessante acompanhar esse
pessoal, conhecido como Araña, num símbolo que sugere as patas do animal, mas
também traços da suástica nazista.
Mostra-se que, apoiando ações
internacionais, comandadas desde os organismos governamentais e policiais dos
Estados Unidos, estavam não só grupos militares locais, mas uma elite civil que
se dispunha a tudo para evitar que o socialismo democrático conquistado nas
urnas, e com grande apoio popular, pudesse vingar no Chile. Em nome do anticomunismo, se organizava para
respaldar um golpe, que de fato aconteceu, incluindo o metralhamento do Palácio
de la Moneda, com o presidente dentro dele, cometendo suicídio e ponto fim à
experiência de um governo popular.
Abriu-se, assim, espaço para uma ditadura militar altamente repressora e
sangrenta no Chile, à imagem e semelhança de outras ditaduras latino-americanas
que se estabeleceram naquele período.
105 minutos.
OS
NOMES DAS FLORES,
filme da Bolívia, de Bahman Tavoosi, em seu primeiro longa, aborda a poesia e o
romantismo de uma história envolvendo a figura de Ernesto “Che” Guevara, em
seus últimos momentos de vida.
Preso pelo exército boliviano, o Che
foi levado a uma escola rural onde, segundo relatos, fartamente repetidos ao
longo dos últimos 50 anos, era o lugar em que atuava uma professora que tomou a
iniciativa de lhe fazer uma sopa e ele retribuiu dizendo os versos de um poema
“Os Nomes das Flores”, supostamente de sua autoria, poucas horas antes de
morrer.
Se é fato, ou mito, se ocorreu dessa
forma ou não, pouco se questionou durante todo o tempo decorrido desde essa
prisão e o assassinato do Che, que remonta a 1967. Uma professora do local compareceu
diariamente àquela escola, levando um vaso com duas grandes flores e uma panela
de barro, para contar o sucedido aos turistas, que por lá apareciam, agendados
para esse fim. Até que, ao cuidar das
tratativas das comemorações previstas para os 50 anos da morte do Che na
localidade, em 2017, passou-se a questionar a veracidade da história contada
por essa professora. Afinal, outras
professoras também contavam a mesma história, dizendo serem elas as reais
protagonistas da sopa e das flores.
É disso que trata o filme que, com
sensibilidade e beleza, nos faz embarcar na vida dessa maestra já envelhecida,
mas sempre fiel ao ocorrido. Ou será que
apenas dependia dos trocados recebidos dos turistas para viver e não poderia
abandonar aquela iniciativa?
Enquanto se deslinda isso, percorremos
a zona rural muito pobre em que o Che sucumbiu, lutando justamente contra a
pobreza e as condições degradantes de vida do povo. As construções são paupérrimas, mas há beleza
na natureza da região, naquelas montanhas.
Há beleza também no gesto repetido e obstinado da professora. Também há beleza na busca pela verdade dos
fatos e no resgate histórico ali presente. Que significado tem tudo isso nos
dias de hoje, em que parece que nada mudou, apesar de tudo o que a Bolívia e o
mundo viveram durante estes últimos 50 anos?
79 minutos.
@mostrasp
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