Antonio Carlos Egypto
Não bastaram as guerras, o consumismo
desenfreado, as emergências climáticas cada vez mais intensas e frequentes, as
crises econômicas por todo canto, os excessos que marcam o nosso mundo
contemporâneo, para frear a ação humana deletéria sobre o planeta. Foi preciso um vírus atacar e fragilizar cada
um para nos fazer parar e nos mostrar que estamos num caminho inviável,
insustentável. Diante do pare ou
morra, tivemos que parar. E o ano 2020 praticamente desapareceu do
calendário. Antes de desejar Feliz 2021
para vocês, vou lhes contar um pouco
sobre o que restou para mim do cinema, confinado em casa.
Como me afastei de São Paulo e já não
tenho mesmo o hábito de curtir streaming, tratei de garantir uma boa
programação noturna, por meio do DVD, que sempre foi a minha forma preferida de
ver filmes fora do cinema. Geralmente,
porque dá acesso a títulos mais antigos ou menos conhecidos de cineastas ou
filmografias de diferentes regiões do globo.
Mas também porque curto ter a mídia física comigo, para dispor dela a
qualquer hora. Além de ter uma atração
por colecionar os grandes momentos da história do cinema ou grandes descobertas
modernas.
Fiz uma seleção dos filmes em DVD que
já tinha e queria conhecer ou rever, comprei algumas novas coleções e levei para
o meu isolamento em Águas de São Pedro.
Espero que acabem servindo como sugestão em tempos que permanecem
restritos à livre circulação e aglomeração.
Mesmo que os cinemas reabram logo, é inevitável que muitos de nós, os
mais velhos, ou os mais vulneráveis, não queiramos ainda frequentá-los durante
um tempo.
Sei que uma solução retrô
se revelou eficiente em várias partes: o
cinema drive-in. O do Belas Artes
em São Paulo, no Memorial da América Latina, pelo que soube, estava um
sucesso. Como solução temporária, muito
legal, mas não supre a necessidade do convívio, do contato humano, da troca,
nem da novidade compartilhada por muitos. Compreensivelmente, se dirige mais à
saudade dos grandes espetáculos em tela grande, dos sucessos do cinema. Mas foi uma iniciativa bem interessante e
criativa. Parece nos dizer, também, que
há que se voltar num tempo e revisar hábitos, inevitavelmente.
Alain Resnais |
Um dos cineastas que elegi para me
acompanhar no isolamento foi o francês Alain Resnais (1922-2014). Um dos grandes criadores do cinema, Resnais
se destaca por ser inovador da forma e da narrativa. Ele embaralha o tempo, confunde a ficção com
a realidade, personaliza o coletivo, separa radicalmente a música da ação,
explora o inusitado do amor e do relacionamento, sob todos os ângulos
possíveis. Bem, isso e muito mais. Para começo de conversa, ele tira o
espectador da zona de conforto e quebra expectativas com um talento admirável
com a câmera.
Resnais tem obras absolutamente
geniais incorporadas à história do cinema, como “Hiroshima, Mon Amour” (1959),
“O Ano Passado em Marienbad” (1961) e o documentário “Noite e Neblina”
(1956). Indispensáveis.
Aliás, foi porque incluía “Noite e
Neblina” na caixa é que eu fui logo atrás de “O Cinema de Alain Resnais”,
recém-lançado pela Versátil Home Vídeo, que reúne 6 filmes restaurados do
diretor. Alguns bastante experimentais
ou estranhos, mas sempre bonitos, bem-humorados e surpreendentes. Lá está “Meu Tio da América” (1980), um
estudo biológico-comportamental da espécie humana e sua relação com o ambiente,
explicitada por meio de três personagens.
Original é pouco.
E que tal “Muriel” (1963), em que a personagem
que dá nome e algum sentido ao filme nunca aparece? E a guerra da Argélia é
onipresente, mas nunca mostrada? “A Vida é Um Romance” (1983) trata de uma
utopia da felicidade nos anos 1910, a busca da sociedade ideal, por meio também
de três histórias que se cruzam.
“Morrer de Amor” (1984) é um ensaio
sobre paixão e morte, onde literalmente se morre de paixão. Tem até volta à vida. Bem interessante e provocador. Completa a caixa “Melô” (1986), que é,
naturalmente, um melodrama lascado, adaptado de uma peça de Henri Bernstein.
Só para lembrar, “Noite e Neblina” é
um impressionante trabalho realizado em apenas 33 minutos sobre os campos de
concentração da Segunda Guerra Mundial, opondo o vazio daquele momento aos
horrores vividos naqueles espaços de extermínio. Impressionante e definitivo relato, recheado
de material de arquivo, realizado poucos anos após o fim do conflito.
Esses foram os filmes de Alain Resnais
que vi na chamada quarentena (interminável).
Mas gosto imensamente de outros filmes dele, como “Providence” (1977),
“Medos Privados em Lugares Públicos” (2006), “Ervas Daninhas” (2009) e seus
últimos trabalhos “Vocês Ainda Não Viram Nada” (2011) e “Amar, Beber e Cantar”
(2014). Há críticas de muitos desses
trabalhos aqui no blog.
Nesses muito longos dias de isolamento
social, pude ver muitas outras coisas, das quais espero reportar no cinema
com recheio em datas próximas. Comecei por Alain Resnais porque acho
fundamental conhecer essa obra cinematográfica tão única e, por todos os
títulos, brilhante.
Vou tentar fazer uma pequena série de
textos englobando outros diretores, gêneros ou temas. E postar enquanto eu permanecer em São Paulo,
já que essa pandemia parece nunca ter fim.
Muito bom, Egypto
ResponderExcluirMuito bom!
ResponderExcluirObrigado. Pena que faltou a identificação.
ResponderExcluirTenho adorado seu blog. Isa.
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