Estou aqui falando de cinema já há um
bom tempo. Praticamente 12 anos de forma
ininterrupta, postando, pelo menos, uma matéria crítica toda semana. Mas, com frequência, essa média cresce e só
tenho suspendido as postagens por ocasião de alguma viagem mais longa. Faço isso por paixão. Cinema sempre foi a minha paixão, desde
pequeno. Aquela tela grande que
concentra a atenção das pessoas, aquela sala escura que destaca o filme, aquele
som impactante, aquela atmosfera toda sempre me fascinou. E ainda me fascina. É insubstituível.
É bom ver um filme em casa, quando os
equipamentos contribuem para aproximar essa experiência à do cinema. Definitivamente, porém, não é a mesma coisa.
Arte de verdade implica mergulho na
experiência, entrega, concentração, crítica e reflexão. Não é fácil obter isso. O próprio cinema, pode-se dizer, acaba
estando muito mais a serviço do entretenimento do que da arte. Se isso acontece na sala de cinema, imagine
em casa, onde tudo tende a favorecer a dispersão. Da circulação de pessoas e animais domésticos
ao onipresente celular e suas notificações ás interrupções para comer e ir ao
banheiro, que acabam sendo mais frequentes, ou à luminosidade pouco adequada à
fruição cinematográfica, tudo contribui para que a experiência seja bem
distinta da do cinema. Não importa quão
genial seja o filme visto em casa.
Não há “8 ½” de Fellini que consiga sair ileso.
Se criadas as condições apropriadas,
em horário mais tranquilo, talvez tarde da noite, pode ser muito interessante
descobrir alguns filmes, rever outros, conferir uns de menor importância. Ou centrar-se na trama em si, mais do que no
clima do filme, na sua criatividade, na expressividade de sua linguagem. As séries, quero crer, se prestam bastante a
esse papel. Principalmente, quando
consumidas com o excesso que muitos apregoam fazer.
O avanço tecnológico possibilitou a
multiplicação de plataformas, mas não prejudicou o cinema. Ao contrário, popularizou os filmes ainda
mais. Democratizou o acesso, talvez
acentuando o caráter de entretenimento mais descomprometido e o espírito do
descartável, em oposição ao produto cultural de maior relevância. Mas isso faz parte do jogo. E já se veem serviços de streaming, VOD e lançamentos atuais em DVD mais preocupados com a
história do cinema e com filmes artisticamente mais elaborados.
De qualquer modo, o cinema nunca vai
morrer, as salas de cinema não vão acabar.
Pelo menos nas cidades maiores, a opção sempre estará lá.
Nos últimos anos, com a evolução
tecnológica, o processo de fazer filmes e também o de distribuí-los e exibi-los
tornou-se mais fácil e acessível. A
produção tem crescido, para todos os gostos.
Em São Paulo, têm sido lançados no circuito comercial dos cinemas em
torno de 400 filmes por ano, mais do que os 365 dias do calendário. E nessa conta não entram os festivais, as
mostras especiais e retrospectivas. O
volume do que chega aos cinemas é muito maior.´
De repente, aquela certeza de que o
cinema sempre estará lá e com novidades permanentes é atropelada por um novo
coronavírus, que acaba produzindo o que parecia impossível imaginar. Retém as pessoas em casa, fecha as salas de
cinema, paralisa a produção, impede a distribuição. Nesta semana em São Paulo, quase todos os
cinemas fecharam as portas, nenhum lançamento aconteceu, todos foram adiados
para um futuro ainda incerto. E o que
estava em andamento parou. Hollywood
inteira, pelo que informam. Dá para
conceber isso? Como ficará o cinema
brasileiro depois dessa crise? Os
efeitos de tudo isso na cadeia econômica devem ser imensos. Muito triste de imaginar.
Bem, claro que não foi só o cinema ou
a cultura em geral que parou. Parece que
tudo parou, a terra parou, indicando que muita coisa vai ter de mudar, daqui
para a frente. No funcionamento da vida,
na relação com o meio ambiente, nas relações econômicas de produção e consumo,
até no modo de ser da globalização. Não
creio que isso possa ser visto apenas como um fenômeno passageiro. As consequências são sérias, a crise é
grave. Talvez seja a oportunidade para
que a humanidade possa construir uma existência mais sustentável, a partir da
compreensão e análise das vulnerabilidades globais que se apresentam. E que sempre haja espaço para que o cinema
possa nos encantar. Sem a arte, a vida
perde a graça e o sentido.
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