VOCÊ NÃO ESTAVA AQUI (Sorry, We Missed You). Inglaterra, 2019. Direção: Ken Loach. Com Kris Hitchen, Debbie Honeywood, Charlie
Richmond, Katie Proctor. 100 min.
O britânico Ken Loach é um dos
diretores de cinema mais importantes em atividade. Seu trabalho tem cunho realista e forte
conotação política, ao abordar os personagens da classe trabalhadora sofrendo
as consequências de um sistema econômico que os exclui e oprime de muitas
formas. Aborda também as respostas e
caminhos que os trabalhadores acabam encontrando para lidar com esse clima
assustador a que estão, querendo ou não, submetidos.
Quem viu os filmes dele ”Meu Nome é
Joe”, de 1998, “Pão e Rosas”, de 2000, “À Procura de Eric”, de 2009, “A Parte
dos Anjos”, de 2012, e “Eu, Daniel Blake”, de 2016, sabe do que eu estou
falando. Quem não viu e quiser saber do
que se trata é só procurar no campo de pesquisa do cinema com recheio que encontrará as críticas desses filmes e também de “Rota Irlandesa”, de
2011, e “Jimmy’s Hall”, de 2014, que tratam de questões históricas irlandesas
sempre do ponto de vista do trabalhador.
São grandes filmes dele também “Terra e Liberdade”, de 1995, sobre a
guerra civil espanhola, e “Ventos da Liberdade”, de 2006, que trata da
guerrilha irlandesa frente ao colonialismo inglês. É uma obra vasta e muito importante.
Em “Você Não Estava Aqui”, Ken Loach
aborda os novos rumos do capitalismo que, com o colapso do emprego formal,
vende a ilusão do empreendedorismo, o trabalho por conta própria, que, de tão
precarizado, se aproxima não da liberdade individual, mas justamente de seu
contrário, a escravização.
O sistema econômico que adula e impõe
condutas afeta de tal modo a vida pessoal dos trabalhadores, com a precarização
do trabalho e dos direitos, que produz inevitáveis rupturas nas relações
humanas e familiares.
Na trama do filme, Ricky (Kris
Hitchen) acredita na fantasia do empreendedorismo e vai ser motorista por conta
própria, adquirindo uma van novinha, a ser paga em prestações. Para tal, compromete a mobilidade de sua
mulher, Abby (Debbie Honeywood), que é uma dedicada cuidadora de idosos. A vida dos dois filhos do casal,
especialmente do menino adolescente, também sofrerá muitas consequências sérias
com essa decisão. Não demorará muito
para que Ricky descubra que, como diz o seu patrão,
“o negócio é seu, mas a franquia é nossa”.
E, com essas cartas o jogo é pesado, não sobra tempo para nada e
qualquer falta será punida com pesadas multas.
E por aí vai.
O diretor pergunta se é sustentável
recebermos nossas compras por meio de uma pessoa que dirige uma van 14 horas
por dia. E acrescenta: isso é melhor do
que ir a uma loja e interagir com o vendedor?
Explica que isso não é um erro, mas a lógica do desenvolvimento da
economia de mercado. Segundo ele, o
trabalho informal acaba com as vidas e os pobres é que pagam o preço. O contexto da ação do filme é Newcastle, na
Inglaterra, em meio à crise de 2008, mas vale para toda a economia de mercado
do mundo atual.
Pensemos no sistema de entrega
paulistano por motoboy, o quanto isso é precário, muito mal pago,
perigosíssimo. Basta ver o número
escandaloso de mortes que produz. A
chamada uberização da vida econômica acrescenta detalhes de crueldade àquilo
que já era uma terrível exploração.
Ken Loach nos fala de algo que
conhecemos muito bem, bate à nossa porta e nos deixa preocupados (se pararmos
para pensar) e com uma sensação de impotência diante do sistema. É de gente com o talento desse cineasta que
precisamos, para não perdermos a capacidade de nos indignar diante da
desumanidade e da ganância do lucro.
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