Antonio Carlos
Egypto
FERRUGEM.
Brasil, 2018. Direção: Aly
Muritiba. Com Tiffany Dopke, Giovanni di
Lorenzi, Nathalia Garcia, Enrique Diaz, Dudah Azevedo. 100 min.
O mundo virtual ficou tão forte na vida de
todos, que a questão da intimidade está claramente posta em jogo. As pessoas utilizam as redes sociais para
compartilhar de tudo, desde bobagens sem nenhuma importância a sentimentos e
vivências pessoais relevantes. É verdade
que o que é mais compartilhado é aquilo que está idealizado: os prazeres, as
coisas boas, os sucessos, as viagens sempre maravilhosas, etc.. Mas, de qualquer modo, as pessoas se expõem,
e muito, todo o tempo, mostrando o que querem e até o que não querem. Muitas vezes sem ter condição de avaliar o
que isso pode lhes trazer como consequência.
Se acontece com o público em geral, ou seja,
de todas as idades, de modo mais grave e intenso atingirá os jovens, os
adolescentes, em especial. Por quê? Primeiro, porque é a fase por excelência do
agrupamento, do pertencimento à turma, da necessidade de ser aceito, querido,
valorizado. Segundo, porque nessas
circunstâncias é difícil avaliar os riscos de uma superexposição. Pode faltar malícia para se proteger de
ciladas. Pode faltar compreensão da
dimensão humana e da importância da preservação da intimidade.
O filme brasileiro “Ferrugem”, de Aly
Muritiba, se debruça sobre essa questão, ao mostrar o que acontece com uma
jovem que tem um vídeo íntimo vazado, ao perder seu celular. O que era para ser revisto apenas por ela
mesma alcança toda a escola e todo o grupo de colegas e ganha o espaço
cibernético de forma incontrolada. Que
isso resulte em drama e tragédia é muito previsível. O relato dessa situação vivida por uma adolescente
é o que ocupa a primeira parte do filme.
A parte dois de “Ferrugem” se presta a algo
mais contemplativo e reflexivo. E
agora? Como ficam as pessoas envolvidas
na história, como lidam com as responsabilidades, o despreparo, a omissão, a
culpa, enfim. E mostra as consequências
muitas vezes ignoradas ou nem mesmo imaginadas por quem viveu aquilo tudo. Não é brincadeira, é muito grave, nos obriga
a pensar, tomar posição.
Importante que esse filme seja assistido pelos
adolescentes que, com frequência, transformam em brincadeira, zoação, como se
nada fossem os sentimentos dos colegas.
Se o ser humano é capaz de ser cruel, a adolescência é um momento de
vida em que isso fica muito evidente.
Por isso mesmo pode ser tão difícil passar por esse período sem uma
razoável dose de sofrimento. Que pode
ser ampliada, multiplicada, pela Internet que ocupa a vida dos jovens de modo
preocupante, avassalador. Trazendo
muitas vantagens também, por suposto.
Mas é preciso estar bem preparado para usufruir dessas vantagens, sem
ser enredado por seus riscos. E quem
está preparado para isso na adolescência?
Daí o papel que podem ter os adultos e a escola como balizadores e
orientadores. O domínio da tecnologia
que assusta os mais velhos é o de menos.
O que falta é a experiência de vida.
“Ferrugem” nos faz mergulhar no universo do
adolescente e do mundo on line e o faz com muita competência. Seu estilo narrativo em duas partes
possibilita expor essa dupla dimensão do mundo: a de quando se age e a de
quando se têm de enfrentar, interna e externamente, as consequências que
resultam dos fatos. Um elenco jovem
muito empenhado nos coloca no centro das ações e, depois, das reflexões que se
seguem.
Se os jovens terão muito o que pensar,
assistindo ao filme, os adultos terão muito a ganhar, entendendo melhor esse
contexto tecnológico assustador em que todos estamos metidos. Para o bem e para o mal. Compreendendo, também, que a tecnologia não é
boa nem má, o uso que fazemos dela é que pode ter tal conotação. E que o verdadeiro problema não está nela,
mas na dimensão humana que a acompanha.
“Ferrugem” foi o principal vencedor do
Festival de Gramado recém-findo, recebeu três prêmios: melhor filme, melhor
roteiro e desenho de som. Curiosamente,
na sessão do cine Itaú Augusta, anexo, em que vi o filme, tivemos problemas com
diversas falas dos atores, em que não se conseguia compreender o que era
dito. “Ferrugem” também é um dos
pré-selecionados para a vaga brasileira no Oscar 2019.
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