Antonio Carlos
Egypto
SILÊNCIO (Silence). Estados Unidos, 2016. Direção: Martin Scorsese. Roteiro: Jay Cocks. Com Andrew Garfield, Adam Driver, Liam
Neeson, Tadanobu Asano, Yoshi Oida. 162
min.
Quem for ver “Silêncio”, de Martin Scorsese, no
cinema, não pode deixar de se deleitar com a beleza da filmagem. Cada plano encanta pelo enquadramento,
colocação da câmera, elaboração da sequência, em locações magníficas,
deslumbrantes.
O uso simbólico do fogo e da água, ao desenvolver a
narrativa, é especialmente cativante.
Água e fogo produzem tanto a vida quanto a morte, em condições
extremas. De uma forma a um tempo grandiosa
e assustadora. Purificadora e
destrutiva. Avassaladora, sempre.
A fotografia de “Silêncio”, a cargo de Rodrigo
Prieto, é espetacular. Foi a única
indicação ao Oscar que esse filme recebeu, e não levou. Lamentável.
Não tinha concorrente à altura. É
difícil deixar de admirar o trabalho de fotografia, que é belo e perfeito para
o clima da história e para o ambiente onde ela se passa.
A intensidade da trama está muito bem marcada por um
elenco que transborda emoção até desembocar na frieza da apostasia. Que, no caso, representa o abandono de
convicções vitais para os personagens.
O assunto nos leva à expansão do catolicismo pelo
mundo e à imposição dessa fé a todos os cantos, realizada pelas missões cristãs
que aportaram por aqui desde o século XVI e buscavam conquistar também o Japão,
sem sucesso. A trama do filme “Silêncio”,
do grande diretor Martin Scorsese, se inspira no romance do escritor Shusaku
Endo (1923-1996), uma história ficcional baseada em fatos reais do fim da
década de 1630, em que os padres portugueses Sebastião Rodrigues (Andrew
Garfield) e Francisco Garupe (Adam Driver) vão à procura de seu mentor, o padre
Ferreira (Liam Neeson), num Japão que proibia, perseguia e atuava com violência
para coibir a fé cristã. O próprio
escritor Shusaku Endo, japonês e católico praticante, sempre encontrou
dificuldades para conciliar a cultura nipônica com as características do
cristianismo.
O filme põe em questão a ideia de que a cultura
japonesa seria o lodo que traga qualquer inovação, resistente às interferências
que modificariam suas crenças e tradições, nessa época histórica, com
repercussão na própria contemporaneidade.
E põe em evidência a imperiosa necessidade de que qualquer fé, ou novo
conceito, tem de respeitar cada cultura, sob pena de naufragar e produzir
violência e guerras que poderiam ser evitadas.
De um lado, a ação dos dirigentes japoneses, os xóguns do século XVII, era de uma brutal
opressão aos missionários portugueses, envolvendo crueldades inimagináveis, ao
tentar isolar o Japão de interferências externas. De outro, fica clara a tentativa de passar por
cima de uma cultura milenar, como um autoritarismo também inaceitável. E Buda pode ocupar o lugar de Cristo na
abjuração da fé, em troca da sobrevivência.
Até Deus silencia.
O tema é muito caro ao diretor Scorsese, que
alimentou o projeto da adaptação do livro de Endo por muito tempo, até
conseguir realizá-lo. Pode ser que
algumas pessoas não tenham tanto interesse nesse tema histórico/religioso. Mas não devem ficar indiferentes à qualidade
cinematográfica do novo trabalho de Martin Scorsese.
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