Antonio Carlos
Egypto
AQUARIUS, Brasil, 2015. Direção e roteiro: Kleber Mendonça
Filho. Com Sônia Braga, Maeve Jinkings,
Irandhir Santos, Humberto Carrão, Carla Ribas.
143 min.
A personagem Clara, em grande desempenho de Sônia
Braga, é uma mulher-coragem, que não hesita em desafiar interesses poderosos
para preservar seus direitos. No caso, o
de habitar um apartamento do qual ela cuida com carinho, de frente para o mar,
na praia de Boa Viagem, em Recife. Num
ambiente aconchegante e cercado de produtos culturais, principalmente livros e
LPs de vinil, ela vive sua vida tranquila de viúva, jornalista e escritora
aposentada. Seus três filhos adultos já
estão fora de casa, vivendo suas próprias vidas.
Seu direito fica ameaçado por uma empresa de
engenharia que resolve demolir o prédio onde ela mora e construir lá um novo
empreendimento. Compra todas as
unidades, mas Clara não está disposta a vender a sua.
Nesse confronto, que se estabelece porque os interesses
em jogo são incompatíveis, Kleber Mendonça Filho vai construindo uma trama que
revela os múltiplos aspectos das relações que permeiam a sociedade brasileira,
sua história, os conflitos de classe e de poder, o caráter autoritário que a
posse e o dinheiro trazem, o vale-tudo que acaba sendo gestado para impor e
obrigar decisões que contrariam direitos individuais. E mais: mostrar quem pode mais, a qualquer
preço, com a disposição de se utilizar da violência mais abjeta. Isso se faz, no entanto, sob a aparência de
cordialidade. Ou seja, do homem cordial
a serviço da opressão. Para tentar
resistir a isso, é necessária uma tenacidade absurda. Há um sistema que sustenta tudo isso e
fragiliza o indivíduo na luta por seus direitos. O que torna a resistência uma questão
política fundamental.
Há outras questões humanas que permeiam essa
narrativa, envolvendo elementos como o câncer e o preconceito, o desejo e a
pornografia, as relações familiares e os interesses de cada um, o respeito a
uma reação obstinada que a todos pode parecer enlouquecida, a avalanche de uma
religiosidade que também oprime e por aí vai.
“Aquarius” alonga sua história para recheá-la da
complexidade das relações humanas e sociais e possibilitar uma reflexão séria
sobre a realidade brasileira dos dias atuais.
Torna-se um produto oportuno e importante, nesse momento grave que o
país vive. Não podemos ser governados
por simplificações grosseiras, ódios e pelos interesses mais
inconfessáveis. Temos de encontrar nosso
eixo, nosso rumo, superando atavismos históricos terríveis. Em “O Som Ao Redor”, de 2013, o diretor
Kleber Mendonça Filho já havia apontado nessa mesma direção e partido também
das questões urbanas da modernidade, onde os arcaísmos se escondem.
O filme tem uma trilha sonora forte e expressiva,
composta quase totalmente pela MPB da melhor cepa que hoje, em tempos digitais,
já pode ser considerada antiga. Mas é
magnífica. Tal como a figura da personagem
Clara, a quem a trilha, de certo modo, descreve. Destaque para a canção “Hoje”, composição e
interpretação de Taiguara.
“Aquarius” foi exibido no Festival de Cannes e teve
grande repercussão, não só pela qualidade do trabalho, mas também pela
manifestação que a equipe do filme realizou no tapete vermelho, denunciando ao mundo
o que estava ocorrendo na política brasileira.
Isso incomodou muito os que estão agora no poder. Por conta disso, pode deixar de ser indicado
como o nosso representante, na disputa pelo Oscar de filme estrangeiro, uma
indicação que ele, sem dúvida, mereceria.
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