Antonio Carlos
Egypto
JULIETA (Julieta). Espanha, 2016. Direção e roteiro: Pedro Almodóvar. Com Adriana Ugarte, Emma Suárez, Rossy de
Palma, Daniel Grao, Imma Cuesta, Darío Grandinetti. 99 min.
O cineasta espanhol Pedro Almodóvar é um autor
cinematográfico que tem um universo próprio, a marca registrada que o
identifica junto ao público e à crítica.
Isso gera expectativas específicas e uma avaliação que, necessariamente,
remete ao conjunto da obra. Não importa
tanto saber se o filme é bom ou não, mas se ele corresponde ao estilo
almodovariano de filmar, se se pode reconhecer o diretor no trabalho
apresentado. Lembra um pouco a obsessão
por encontrar a figura de Hitchcock em cada filme dele, já que ele fazia
aparições rápidas em todos eles.
“Julieta”, o novo filme de Almodóvar, é uma produção
muito bem cuidada, com excelente elenco, e que conta uma história com muita
competência. Seria um filme típico do
diretor? Seu estilo característico está
lá? Penso que sim, mas com
restrições.
Para começar, temos o mergulho no universo
feminino. As mulheres sempre foram os
melhores personagens almodovarianos, extravasam seus conflitos e sua
complexidade emocional, mantendo uma aura misteriosa e algo inacessível. “Julieta” é um filme feminino até a
medula. A questão da maternidade com a
perda e o distanciamento dos filhos, ou filhas, ocupa o centro da narrativa. Tem também o não-dito, o não-trabalhado, a
culpa, elementos que complicam ou inviabilizam as relações.
Estamos no terreno do melodrama, em que Almodóvar se
move com absoluta naturalidade e com tranquilidade. O drama é forte e complexo, como costuma ser
nos filmes dele. O que falta aqui é
aquela boa dose de humor que nos faria apaixonar pelos personagens. O distanciamento é maior e o estranhamento,
menor.
Sim, faltam figuras claramente deslocadas, apartadas
da sociedade. Aquilo que os
norte-americanos costumam caracterizar como loosers. Não que não haja perdas – e muito fortes – em
“Julieta”, mas elas se dão no campo da chamada normalidade, ou próximo dela.
Aqui, o trabalho de Pedro Almodóvar se faz a partir
da adaptação de três contos da escritora canadense Alice Munro, não é como na
maioria dos casos, em seus filmes, um roteiro original. No entanto, o cineasta transforma os textos
que adapta em situações almodovarianas com facilidade, como fez em “Carne
Trêmula”, de 1977, e “A Pele que Habito”, de 2011. Em “Julieta”, foi mais discreto, talvez mais
fiel aos textos originais, não sei.
As cores fortes, berrantes, exageradas, que costumam
marcar os filmes de Almodóvar, estão presentes, embora um pouco mais
discretas. Os elementos de cena,
objetos, decoração, vestuário, estão mais contidos em “Julieta”. De modo geral, as extravagâncias são bem
menores do que de costume. Talvez porque
a sexualidade, que é seu tema permanente e recorrente, aqui se concentre na
maternidade e na dor.
Há que se destacar, ainda, que os conflitos são
cercados por mistérios nunca claramente explicitados. São mais sugeridos ou mencionados do que
mostrados, como é o caso das amigas inseparáveis e do retiro espiritual que
fanatizou Antía, a filha de Julieta, e transformou a vida dela e de todos à sua
volta. Há uma enormidade de coisas que
ocorrem num trem em movimento, figuras que se movem fora dele, como um cervo e
um homem. Há a pesca e o mar, que são
paisagem, morte e culpa.
“Julieta” é um filme menos transgressor do que a
maioria da produção almodovariana. Nesse
sentido, pode frustrar expectativas dos admiradores habituais do cineasta, que
são muitos. Mas admiradores, críticos ou
detratores de Almodóvar, terão que reconhecer que, para além das expectativas,
“Julieta” é um belo filme.
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