segunda-feira, 14 de março de 2016

O PRESIDENTE


Antonio Carlos Egypto




O PRESIDENTE (The President).  Geórgia, 2014.  Direção: Mohsen Makhmalbaf.  Com Misha Gomiashvili, Dachi Overlashvili, Ia Sukhitashvili, Guja Burduli, Zura Begalishvili.  115 min.



No final dos anos 1980, o cinema iraniano despontava como a grande novidade da sétima arte.  Retomando o neorrealismo como expressão cinematográfica e produzindo narrativas que focavam, principalmente, as crianças, para, de um lado, evitar a censura, e, de outro, retratar a realidade do país, produziram-se pequenos grandes filmes e despontaram grandes diretores.

Meu primeiro contato com esse cinema se deu em  1989, na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, por meio de uma obra de Mohsen Makhmalbaf, o filme “O Ambulante”.  Fiquei impressionado com a qualidade do trabalho e seu teor crítico e político, vindo de onde vinha.  Desde então, sempre dei especial atenção aos trabalhos desse cineasta.  E ele nunca me decepcionou.  “Gabbeh”, de 1995, “O Silêncio”, de 1998, “A Caminho de Kandahar”, de 2001, ou “O Jardineiro”, de 2012, são apenas alguns dos belos filmes que ele criou, cada um a seu modo, em diferentes partes do mundo.


Mohsen Makhmalbaf


Makhmalbaf foi ativista de direitos humanos contra o regime do antigo Xá Reza Pahlavi e chegou a ficar anos preso por isso.  Mas o regime dos aiatolás, em vez de celebrá-lo, o perseguiu com sua censura, a partir do momento em que ele se destacou mundialmente.  Ele acabou no exílio e relata que já tentaram matá-lo, mesmo fora do Irã.

Seu novo trabalho é o filme “O presidente”, realizado na Geórgia, e conta a história de um ditador que é derrubado e circula incógnito por seu país, com seu neto de 5 anos, tentando fugir e escapar de um linchamento ou execução.  Tudo parecia estar no lugar e no melhor dos mundos, na vigência de seu poder discricionário.  A opressão do povo não era sentida, ou notada, por ele e por sua família, vivendo no luxo dos palácios.  Quando derrubado, percebeu mais claramente a força do ódio contra ele e seu regime, mas, ao se esconder, também conheceu a verdadeira miséria e desgraça que assolavam seu povo.




A fábula que remete a uma velha história do governante que desconhecia como era e como vivia seu povo não é nova.  Confesso que me não lembro de onde a conheço, mas sei dela há muito tempo.  Creio que desde a infância.  No filme, o périplo do rei, no caso, ex-rei, é revelador do sofrimento que o povo sempre amargou para que o governante pudesse viver no luxo.  Mas discute-se também o que acontece após a destituição do ditador, o que substitui a violência do antigo regime.

O ódio dos vencedores e a desordem social geram tanto ou mais violência, passando uma ideia de desesperança a respeito de qualquer solução de força.  Isso nos remete aos caminhos da chamada primavera árabe, que resultou em tantas guerras e opressões como as que buscou superar.  Makhmalbaf cita em entrevista sobre o filme o que se passa com a Síria atual, como exemplo.  Poderia remeter-nos à Revolução Francesa ou à Revolução Cultural da China, de Mao Tsé-Tung ou, ainda, a muitas outras situações contemporâneas, em que a solução “violenta” gerou mais problemas, ainda que o mote das ações fosse o combate ao autoritarismo ou à corrupção.




“O Presidente” se passa num país fictício.  A fábula é universal e, a rigor, vale para qualquer lugar e qualquer tempo. Makhmalbaf sabe bem disso.  Vive entre Londres e Paris, mas já viveu e trabalhou no Irã e no Afeganistão.  Filmou também no Paquistão, em Israel, na Turquia, no Tadjiquistão e, agora, na Geórgia. Pôde ver e vivenciar muito dessa espiral de violência para a qual busca nos alertar nesse “O Presidente”.




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