Antonio
Carlos Egypto
O PRESIDENTE (The President). Geórgia, 2014. Direção: Mohsen Makhmalbaf. Com Misha Gomiashvili, Dachi Overlashvili, Ia
Sukhitashvili, Guja Burduli, Zura Begalishvili.
115 min.
No final dos anos 1980, o cinema iraniano despontava
como a grande novidade da sétima arte.
Retomando o neorrealismo como expressão cinematográfica e produzindo
narrativas que focavam, principalmente, as crianças, para, de um lado, evitar a
censura, e, de outro, retratar a realidade do país, produziram-se pequenos
grandes filmes e despontaram grandes diretores.
Meu primeiro contato com esse cinema se deu em 1989, na Mostra Internacional de Cinema de São
Paulo, por meio de uma obra de Mohsen Makhmalbaf, o filme “O Ambulante”. Fiquei impressionado com a qualidade do
trabalho e seu teor crítico e político, vindo de onde vinha. Desde então, sempre dei especial atenção aos
trabalhos desse cineasta. E ele nunca me
decepcionou. “Gabbeh”, de 1995, “O Silêncio”,
de 1998, “A Caminho de Kandahar”, de 2001, ou “O Jardineiro”, de 2012, são
apenas alguns dos belos filmes que ele criou, cada um a seu modo, em diferentes
partes do mundo.
Mohsen Makhmalbaf |
Makhmalbaf foi ativista de direitos humanos contra o
regime do antigo Xá Reza Pahlavi e chegou a ficar anos preso por isso. Mas o regime dos aiatolás, em vez de
celebrá-lo, o perseguiu com sua censura, a partir do momento em que ele se
destacou mundialmente. Ele acabou no
exílio e relata que já tentaram matá-lo, mesmo fora do Irã.
Seu novo trabalho é o filme “O presidente”, realizado
na Geórgia, e conta a história de um ditador que é derrubado e circula
incógnito por seu país, com seu neto de 5 anos, tentando fugir e escapar de um
linchamento ou execução. Tudo parecia
estar no lugar e no melhor dos mundos, na vigência de seu poder
discricionário. A opressão do povo não
era sentida, ou notada, por ele e por sua família, vivendo no luxo dos
palácios. Quando derrubado, percebeu
mais claramente a força do ódio contra ele e seu regime, mas, ao se esconder,
também conheceu a verdadeira miséria e desgraça que assolavam seu povo.
A fábula que remete a uma velha história do
governante que desconhecia como era e como vivia seu povo não é nova. Confesso que me não lembro de onde a conheço,
mas sei dela há muito tempo. Creio que
desde a infância. No filme, o périplo do
rei, no caso, ex-rei, é revelador do sofrimento que o povo sempre amargou para
que o governante pudesse viver no luxo.
Mas discute-se também o que acontece após a destituição do ditador, o
que substitui a violência do antigo regime.
O ódio dos vencedores e a desordem social geram tanto
ou mais violência, passando uma ideia de desesperança a respeito de qualquer
solução de força. Isso nos remete aos
caminhos da chamada primavera árabe,
que resultou em tantas guerras e opressões como as que buscou superar. Makhmalbaf cita em entrevista sobre o filme o
que se passa com a Síria atual, como exemplo.
Poderia remeter-nos à Revolução Francesa ou à Revolução Cultural da
China, de Mao Tsé-Tung ou, ainda, a muitas outras situações contemporâneas, em
que a solução “violenta” gerou mais problemas, ainda que o mote das ações fosse
o combate ao autoritarismo ou à corrupção.
“O Presidente” se passa num país fictício. A fábula é universal e, a rigor, vale para
qualquer lugar e qualquer tempo. Makhmalbaf sabe bem disso. Vive entre Londres e Paris, mas já viveu e
trabalhou no Irã e no Afeganistão.
Filmou também no Paquistão, em Israel, na Turquia, no Tadjiquistão e,
agora, na Geórgia. Pôde ver e vivenciar muito dessa espiral de violência para a
qual busca nos alertar nesse “O Presidente”.
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