Antonio
Carlos Egypto
SAMBA (Samba). França, 2014.
Direção: Eric Toledano e Olivier Nakache. Com Omar Sy, Charlotte Gainsbourg, Tahar
Rahim, Izia Higelin, Issaka Sawadogo.
118 min.
A história de um imigrante, do Mali ou do Senegal,
fugitivo das guerras africanas, vivendo há dez anos em Paris, tentando obter
seu visto de residência, sem conseguir, e sofrendo todo tipo de dificuldades
para sobreviver, pode ser um bom mote para uma comédia? A julgar pelos cineastas Eric Toledano e
Olivier Nakache, sim. Afinal, eles
dirigiram “Os Intocáveis”, em 2011, que tratava de um tetraplégico e seu
cuidador nesse tom e se deram bem. O
filme foi um sucesso. Repetem a dose
agora e com o mesmo ator, Omar Sy, muito bom, protagonista nos dois trabalhos.
Confesso que assisti a “Samba” um tanto
incomodado. Não porque o filme não
funcionasse, mas por achar que a questão do imigrante clandestino, excluído,
rejeitado, explorado, extremamente sofrido, sem conhecer os seus direitos e sem
dominar os caminhos para se integrar, era algo dramático demais para o tom leve
adotado pelo filme. Também, porque as
questões ficavam um tanto esvaziadas de sentido em algumas cenas engraçadas ou
em algumas brincadeiras. A questão
social, as diferenças de classe, os problemas de identidade gerados pela
clandestinidade e as revoltas, ficavam escamoteados. Ao serem particularizados, perdiam sua real
dimensão.
Também me incomodaram alguns clichês, como o argelino
que se passava por brasileiro e falava algumas palavras em português para
exibir sua desinibição, sua alegria, sua dança e, assim, ter mais chance de
conquistar mulheres. Ainda bem que
algumas das músicas escolhidas para pontuar aparições dele traziam o talento de
Gilberto Gil ou Jorge Benjor. Mas o
personagem Wilson (Tahar Rahim) é apenas uma caricatura carnavalizada de uma
situação muito séria. O envolvimento de Samba (Omar Sy) e Alice (Charlotte
Gainsbourg) carecia de aprofundamento e mostrava pouca consistência. Enfim, o tom do filme não me satisfez.
Fui ler, então, o livro no qual se baseia o filme,
também recém-lançado e com os atores na capa.
E a sensação foi de perplexidade. A autora de Samba, Delphine Coulin, é escritora e cineasta. Fiquei imaginando que filme ela faria de seu
próprio livro. Com a certeza de que algo
muito diferente teria que sair dali. O
livro é bem escrito e especialmente interessado em mostrar os sentimentos, as
percepções, as expectativas, os desejos e os sonhos, tanto os de olhos abertos
quanto os vividos sob a proteção de Morfeu.
A França, tradicionalmente associada ao acolhimento
do estrangeiro e à democracia, é fortemente questionada nos relatos das ações
legais, burocráticas e policiais, que envolvem os imigrantes. O sofrimento é mostrado em detalhes, às vezes
sujos, às vezes sórdidos, a dor é sempre presente e o respeito aos personagens
oferece uma dimensão que está perdida no filme.
Não se trata de comparar resultados: evidentemente,
as linguagens literária e cinematográfica são coisas diferentes. Só que a escritora, por ser também cineasta,
tem uma escrita própria para adaptação ao cinema, ela descreve cenas inteiras
que estão prontas para serem filmadas.
São fortes, dramáticas. O tom é
completamente outro. Dá conta, de uma
forma muito mais apropriada, da temática abordada.
A impressão que se tem é de que o filme “Samba” traiu
a proposta da autora, quase invertendo o seu rumo. A busca pelo êxito comercial tornou tudo um
tanto pasteurizado e a seriedade do assunto submergiu. Isso acontece apesar de o filme contar com um
elenco de alta qualidade. Não só pelo
excelente desempenho de Omar Sy e também do de Tahar Rahim, mesmo com as
armadilhas de seu personagem, mas também por contar ainda com Charlotte
Gainsbourg, no papel de Alice, quase inexistente no livro, mas que adquire uma
importância central no filme. Enfim,
todos os atores e atrizes estão muito bem.
A pergunta que fica é: tudo pode ser objeto de
comédia? Podemos admitir que sim, haja
vista que Roberto Begnini em “A Vida é Bela”, de 1997, conseguiu fazer de um
campo de concentração nazista uma brincadeira, e há muitos outros
exemplos. Ou seja, poder, pode. Resta saber se é o mais apropriado. Em muitos casos, creio que não é.
Rir da pobreza, da exclusão, da exploração do ser
humano, de grupos que são discriminados ou perseguidos é possível. Mas só admissível com profundo respeito aos
retratados, para superar preconceitos e estereótipos. Ou seja, com espírito libertador e não de
exploração comercial ou para subjugar ainda mais os que já estão subjugados.
“Samba” é um dos destaques do Festival Varilux do
Cinema Francês, que acontece todos os anos por aqui e alcança vários Estados
brasileiros. Após o Festival, os filmes
começam a ser lançados em sessões normais nos cinemas.
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