Antonio
Carlos Egypto
CASA GRANDE.
Brasil, 2014. Direção: Felipe
Barbosa. Com: Marcello Novaes, Suzana
Pires, Thales Cavalcanti, Clarissa Pinheiro, Marília Coelho, Bruna Amaya. 115 min.
O cinema brasileiro tem sido pródigo em retratar a
realidade dos pobres, dos miseráveis, dos excluídos, dos perseguidos, dos que
vivem nas periferias dos grandes centros urbanos. E desde o Cinema Novo esquadrinhou as questões
da vida no campo, da luta pela terra, da violência e do misticismo. Mas, ao contrário do cinema argentino, que
habitualmente se debruça em tratar da classe média, por aqui isso é raro. Mais raro ainda, quando se trata de abordar
com seriedade a realidade dos ricos, especialmente seus conflitos e agruras.
“Casa Grande” mira o seu olhar para essa classe
social, a partir da figura de um adolescente superprotegido, que, acostumado a
todo o conforto de sua casa e do acesso a todo tipo de facilidades e consumo,
tem de conviver com a derrocada econômica da família, nunca expressada
claramente. E, aos 17 anos, em vias de
prestar vestibular, a buscar sua própria afirmação como homem e seu caminho
autônomo.
Ao retratar a trajetória do rapaz, o filme faz uma
radiografia das relações que permeiam a vida de sua família e o que está
envolvido na riqueza e na decadência dela.
O que ocupa e aflige cada membro da família também revela o seu
determinante social e histórico. O patriarcado,
a anulação da figura feminina, o espírito escravocrata que marca a relação de
subserviência e paternalismo junto aos empregados, o autoritarismo, negócios
escusos que estão na origem do padrão de vida nababesco, a penalização dos
outros ou a socialização dos prejuízos como meio de lidar com o declínio e a
manutenção da falsa aparência, na tentativa de negar as evidências, são
elementos constitutivos da narrativa.
Mais do que contar histórias, “Casa Grande” é um
painel de uma classe social abastada, no discurso e nas ações reveladoras dos
valores, expressos e sonegados, que a movem.
O título do filme não se refere apenas ao casarão onde vive a família,
mas ao contraponto indispensável da senzala, que possibilita a casa grande e
lhe dá subsistência.
Um assunto é tratado com mais relevo e destaque em
duas cenas importantes do filme: o das cotas para negros na universidade, no
contexto de políticas compensatórias e reparadoras de injustiças sociais
históricas e de desigualdades gritantes, como também é o caso do Bolsa
Família. A discussão chega a ser
didática, mas me parece oportuna porque está permeando, de fato, as
preocupações dos personagens da trama.
Aliás, nada no filme me parece gratuito.
Tudo tem relevância na vida daquelas pessoas. Mesmo que, vendo-se de fora, possa não
parecer assim. Esse é um dos maiores
méritos do filme: o retrato fiel de uma realidade mais ampla, mostrado por meio
da ficção, em personagens particulares. O
roteiro está muito bem construído e a escolha das cenas, muito adequada. Não se percebem grandes faltas nem excessos.
O elenco, de modo geral, dá conta do recado, apesar
de uma certa irregularidade nos desempenhos.
Sem maior brilho, mas a média é boa, realiza a proposta do filme.
Felipe Barbosa, diretor e roteirista carioca em seu
primeiro longa de ficção, demonstra inegável talento e senso de oportunidade, a
partir de uma experiência que inclui muito de autobiográfico.
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