Antonio
Carlos Egypto
HOMENS,
MULHERES E FILHOS (Men, Women and
Children). Estados Unidos,
2014. Direção e Roteiro: Jason Reitman. Com Ansel Elgort, Keitlyn Dever, Jennifer
Garner, Adam Sandler, Rosemarie De Witt.
Narração: Voz de Emma Thompson.
116 min.
“Homens, Mulheres e Filhos”, do diretor canadense
Jason Reitman, baseia-se no livro de Chad Kultgen e mergulha de cabeça numa discussão
muito importante: o impacto da Internet na vida de todos nós. Tema atualíssimo e cuja discussão se faz cada
vez mais necessária.
Basta frequentar qualquer ambiente, público ou
privado, para perceber que os relacionamentos humanos são hoje invariavelmente
mediados pelas redes sociais. As
comunicações, mesmo a pessoas que estão fisicamente muito próximas, se fazem on line, muito mais do que ao vivo. Todos enviam e recebem uma profusão de
imagens e, de uma forma ou de outra, cultivam
uma persona virtual.
Como fica a vida sexual e amorosa das pessoas diantes
desses recursos e controles? Novos
amores, infidelidades, exposição pública de intimidade, abuso e exploração
sexuais, pornografia e consolo masturbatório para solitários, são parte
integrante da paisagem virtual. Parece
que a rede pode tudo, para o bem e para o mal.
Como se dá o relacionamento das mães e pais com os
filhos? É possível e desejável
protegê-los, controlá-los? Há tecnologia
apropriada e suficiente para isso?
Dominá-la não fará dos pais modelos acabados de autoritarismo?
No filme, um grupo de adolescentes e seus pais vivem
essa realidade virtual, em que ninguém está imune à mudança social que os smartphones, tablets e notebooks
produziram e têm de se relacionar com ela.
Os desejos, as esperanças, os sofrimentos, as características da idade,
estão lá. Só que muitas vezes multiplicados
pelos recursos tecnológicos hoje disponíveis.
A solidão se torna pública, a intimidade, compartilhada, a infidelidade,
mostrada a todos, o preconceito e a crueldade, midiatizados. Tudo num clique. Os problemas se
agravam. A proliferação de material
ilícito é oceânica. Mas a diversão
parece garantida e a vida, preenchida, nem que seja pelo videogame da hora.
Isso tudo não diz respeito só aos jovens. Os adultos estão na mesma toada. Descobrindo e contatando novos parceiros ou
experiências fugazes, tendo acesso a redes de prostituição sofisticadas,
quebrando a cara também, mas igualmente expostos a um mundo de possibilidades
que estão bem à mão. Casamentos de
pessoas que moram em países distantes e se conheceram pela Internet, por
exemplo.
O que o filme mostra bem é que o mundo mudou e de
forma inapelável. Abrem-se
possibilidades infinitas, ao mesmo em que enormes barreiras se erguem. Ganhos e perdas serão inevitáveis na vida de
cada um e do planeta. Mas o ser humano
se desconhece a si mesmo e a quem está ao seu lado. Praticamente não olha mais para o seu
semelhante, a menos que ele apareça numa tela qualquer. O que é, afinal, a vida real na atualidade?
Como se trata de discutir a Internet, “Homens,
Mulheres e Filhos” enche a tela do cinema de ícones do mundo virtual. Respostas são enviadas, deletadas, sites se abrem, tudo à nossa vista. O que predomina, no entanto, é a relação
entre os personagens de carne e osso.
Felizmente. Um deles se angustia,
ao perceber que, se ele não estivesse mais aqui, o universo nem notaria. Assim, nada parece ter sentido.
Citando Carl Sagan na abertura do livro que deu
origem ao filme: “Em nossa humilde condição, em toda esta vastidão, não há
qualquer indício de que alguma ajuda virá de outro lugar para nos salvar de nós
mesmos”. A esperança, se ela ainda puder
existir, estará no próprio ser humano, em nenhum outro lugar.
Um filme que mexe nesses temas e dá margem a
reflexões como essas merece ser visto. A
par de ser uma produção bem realizada e com bom elenco, tem um diretor que já
havia demonstrado sua argúcia em relação a questões contemporâneas, num olhar
não convencional, em filmes como “Juno”, de 2007, que mostra a gravidez na
adolescência por um prisma pouco explorado, e “Amor Sem Escalas”, de 2009,
que discute a demissão de pessoas num ambiente empresarial, pela ótica e com a
frieza de quem tem por função fazer isso, viajando de um lado a outro. São abordagens que sacodem a poeira dos
assuntos e estão bem antenadas com o que se passa no mundo. “Homens, Mulheres e Filhos” é um trabalho
ainda mais certeiro do que os seus filmes anteriores.
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