terça-feira, 2 de dezembro de 2014

HOMENS, MULHERES E FILHOS


Antonio Carlos Egypto




HOMENS, MULHERES E FILHOS (Men, Women and Children).  Estados Unidos, 2014.  Direção e Roteiro: Jason Reitman.  Com Ansel Elgort, Keitlyn Dever, Jennifer Garner, Adam Sandler, Rosemarie De Witt.  Narração: Voz de Emma Thompson.  116 min.


“Homens, Mulheres e Filhos”, do diretor canadense Jason Reitman, baseia-se no livro de Chad Kultgen e mergulha de cabeça numa discussão muito importante: o impacto da Internet na vida de todos nós.  Tema atualíssimo e cuja discussão se faz cada vez mais necessária.

Basta frequentar qualquer ambiente, público ou privado, para perceber que os relacionamentos humanos são hoje invariavelmente mediados pelas redes sociais.  As comunicações, mesmo a pessoas que estão fisicamente muito próximas, se fazem on line, muito mais do que ao vivo.  Todos enviam e recebem uma profusão de imagens e, de uma forma ou de outra, cultivam  uma persona virtual.




Como fica a vida sexual e amorosa das pessoas diantes desses recursos e controles?  Novos amores, infidelidades, exposição pública de intimidade, abuso e exploração sexuais, pornografia e consolo masturbatório para solitários, são parte integrante da paisagem virtual.  Parece que a rede pode tudo, para o bem e para o mal.

Como se dá o relacionamento das mães e pais com os filhos?  É possível e desejável protegê-los, controlá-los?  Há tecnologia apropriada e suficiente para isso?  Dominá-la não fará dos pais modelos acabados de autoritarismo? 




No filme, um grupo de adolescentes e seus pais vivem essa realidade virtual, em que ninguém está imune à mudança social que os smartphones, tablets e notebooks produziram e têm de se relacionar com ela.  Os desejos, as esperanças, os sofrimentos, as características da idade, estão lá.  Só que muitas vezes multiplicados pelos recursos tecnológicos hoje disponíveis.  A solidão se torna pública, a intimidade, compartilhada, a infidelidade, mostrada a todos, o preconceito e a crueldade, midiatizados.  Tudo num clique. Os problemas se agravam.  A proliferação de material ilícito é oceânica.  Mas a diversão parece garantida e a vida, preenchida, nem que seja pelo videogame da hora.

Isso tudo não diz respeito só aos jovens.  Os adultos estão na mesma toada.  Descobrindo e contatando novos parceiros ou experiências fugazes, tendo acesso a redes de prostituição sofisticadas, quebrando a cara também, mas igualmente expostos a um mundo de possibilidades que estão bem à mão.  Casamentos de pessoas que moram em países distantes e se conheceram pela Internet, por exemplo.




O que o filme mostra bem é que o mundo mudou e de forma inapelável.  Abrem-se possibilidades infinitas, ao mesmo em que enormes barreiras se erguem.  Ganhos e perdas serão inevitáveis na vida de cada um e do planeta.  Mas o ser humano se desconhece a si mesmo e a quem está ao seu lado.  Praticamente não olha mais para o seu semelhante, a menos que ele apareça numa tela qualquer.  O que é, afinal, a vida real na atualidade?

Como se trata de discutir a Internet, “Homens, Mulheres e Filhos” enche a tela do cinema de ícones do mundo virtual.  Respostas são enviadas, deletadas, sites se abrem, tudo à nossa vista.  O que predomina, no entanto, é a relação entre os personagens de carne e osso.  Felizmente.  Um deles se angustia, ao perceber que, se ele não estivesse mais aqui, o universo nem notaria.  Assim, nada parece ter sentido.




Citando Carl Sagan na abertura do livro que deu origem ao filme: “Em nossa humilde condição, em toda esta vastidão, não há qualquer indício de que alguma ajuda virá de outro lugar para nos salvar de nós mesmos”.  A esperança, se ela ainda puder existir, estará no próprio ser humano, em nenhum outro lugar.

Um filme que mexe nesses temas e dá margem a reflexões como essas merece ser visto.  A par de ser uma produção bem realizada e com bom elenco, tem um diretor que já havia demonstrado sua argúcia em relação a questões contemporâneas, num olhar não convencional, em filmes como “Juno”, de 2007, que mostra a gravidez na adolescência por um prisma pouco explorado, e “Amor Sem Escalas”, de 2009, que discute a demissão de pessoas num ambiente empresarial, pela ótica e com a frieza de quem tem por função fazer isso, viajando de um lado a outro.  São abordagens que sacodem a poeira dos assuntos e estão bem antenadas com o que se passa no mundo.  “Homens, Mulheres e Filhos” é um trabalho ainda mais certeiro do que os seus filmes anteriores.




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