Antonio
Carlos Egypto
RELATOS SELVAGENS (Relatos
Salvajes). Argentina, 2014. Direção e Roteiro: Damián Szifrón. Com Ricardo Darín, Erica Rivas, Leonardo
Sbaraglia, Julieta Zylberberg, Rita Cortese, Oscar Martinez, Darío Grandinetti,
Nancy Dupláa. 122 min.
“Relatos Selvagens” é um filme argentino, com
produção espanhola da El Deseo, dos
irmãos Augustín e Pedro Almodóvar. Uma
escolha certeira. Compõe-se de seis
episódios distintos, mas todos funcionam bem, cada um melhor do que o
outro. O que é pouco comum em filmes de
episódios.
O que une essa espécie de coleção de curtas é a ideia
do descontrole, que pode acometer as pessoas pelas mais diversas razões,
individuais ou coletivas, mas que complica a vida. Geralmente descamba em violência,
frequentemente em morte. O que a gera
pode ser uma estupidez qualquer, como um carro provocando o outro, enquanto
trafegam numa estrada semideserta. A
partir do nada, pode-se instalar a tragédia.
A descoberta de uma traição em pleno dia do
casamento, enquanto a cerimônia decorre, também pode ser motivo para acabar com
a festa. O acúmulo de fracassos e frustrações que marcam uma vida podem levar
alguém a tentar se vingar das pessoas que ele julga responsáveis pelo seu
insucesso. A sensação de ser extorquido
mesmo quando a origem do pedido é antiética e profundamente injusta pode ser
intolerável.
Mas também a sensação de impotência diante de um
Estado impessoal, burocrático e que se alimenta de arrecadações injustas e
indevidas, pode produzir uma resposta explosiva.
São questões como essas que recheiam o terceiro
longa-metragem de Damián Szifrón e que revelam eficiente comunicação com o
público. Por quê? Todas as situações apresentadas são
realisticamente reconhecíveis, passíveis de acontecer com qualquer pessoa, ao
menos enquanto sentimento, desejo, intenção.
Quem nunca planejou mentalmente uma vingança violenta contra alguém que
o humilhou ou oprimiu que atire a primeira pedra, não é assim?
O roteiro dos episódios é bem amarrado, enxuto. O elenco de atores e atrizes é de
primeira. E não apenas pela presença
sempre marcante de Ricardo Darín. As interpretações são um ponto forte do
filme.
O clima da película também é capaz de estabelecer boa
comunicação com o espectador, porque, embora se valha de cenas violentas e
trabalhe em situações-limite, exala bom humor, provoca risadas em momentos
dramáticos. Essa mistura acaba
contribuindo para que o espectador pense no que está vendo, se distancie um
pouco do envolvimento com os personagens, a partir do inusitado da situação
proposta. Algo como o distanciamento
brechtiano acontece quando o drama se traveste em comédia momentânea ou
involuntária. Ou, então, a comédia se vê
envolta por tragédia e grande violência, quebra a graça pretendida e nos chama
à razão.
Há momentos no filme em que o exagero ganha o
primeiro plano e algo se perde. Mas o
conjunto é muito bom, eficiente. Isso,
num filme de episódios, é uma grande virtude.
A vingança e a perda de controle são os elementos que unificam as
histórias e se conectam com o psiquismo de cada um.
Como de
costume, no cinema argentino, os personagens provêm mais da classe média do que
de qualquer outro estrato socioeconômico.
Talvez por isso mesmo a bilheteria responde satisfatoriamente. Afinal, quem costuma ir mais ao cinema senão
a classe média?
“Relatos Selvagens” é o filme que abre a 38ª. Mostra
Internacional de Cinema de São Paulo,
que acontece entre 16 e 29 de outubro de 2014.
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