domingo, 4 de maio de 2014

EU, MAMÃE E OS MENINOS

  
Antonio Carlos Egypto



EU, MAMÃE E OS MENINOS (Les Garçons et Guillaume, à Table!).  França, 2013.  Direção e roteiro: Guillaume Gallienne.  Com Guillaume Gallienne, André Marcus, Françoise Fabian.  85 min.



A identidade de gênero, ou seja, ser e se sentir homem ou mulher, depende não apenas de um corpo biológico masculino ou feminino, mas também de determinantes socioculturais.  Se as pessoas ao seu redor o veem de um modo diferente do que você se vê, o que prevalecerá?  O que é ser masculino, quando seus modelos de referência são femininos?

É possível questionar os padrões, condutas e vestimentas atribuidos ao seu gênero, sem por isso negá-lo? Ou seja, inovar no gênero?  Não é fácil, mas é possível.  Vejamos o exemplo do cartunista Laerte, que atualmente se utiliza de um vestuário caracterizadamente feminino, mas não deixou de ser visto como homem, com identidade e nome masculinos, apesar das roupas, digamos, dissonantes.  Acontece que ele já tinha uma larga história de vida, vivida e reconhecida no seu meio e pelo público.  Sua mudança surpreendeu, foi debatida e assimilada.  Se se tratasse de uma criança ou jovem desconhecidos teria sido igual?



Guillaume é um menino, ou poderia ser.  Mas não é tratado como tal.  A mãe individualiza sua pessoa, distinguindo-a dos outros meninos.  Essa é a razão do título “Les Garçons et Guillaume, à Table” ou, na versão brasileira, “Eu, Mamãe e os Meninos”.  Quem seria eu?

Há mães, como parece ser o caso da de Guillaume, que, após ter dois meninos, desejava uma menina para se espelhar, se identificar com ela.  Se a biologia não colaborar, que tal ignorá-la?  Guillaume segue o desejo materno e mimetiza de tal modo a mãe que até se confunde com ela, ocupa o seu lugar sem que outros percebam, quando fala sem ser visto. Improvisa com suas roupas de garoto, criando sempre um modelito mais feminino.  Inspira-se não só na mãe, mas em outras mulheres que observa e admira, da família ou fora dela.



Isso significa que Guillaume será gay?  Não, porque nada disso tem a ver com o desejo sexual pelo mesmo sexo.  A identificação com o gênero feminino não significa, necessariamente, a orientação homossexual ou bissexual da atração, do desejo.

O filme “Eu, Mamãe e os Meninos” lida com isso inteligentemente e cria situações divertidas e inesperadas.  O ator, roteirista e diretor Guillaume Gallienne dá um show de interpretação na caracterização desse personagem especial e, também, no de sua mãe.  O público francês adorou, mais de 3 milhões de ingressos foram vendidos por lá.  A crítica também: o filme foi indicado a dez prêmios César 2014, o Oscar francês.  Venceu cinco, inclusive o de melhor filme e melhor ator.



Divertido e inteligente o filme é.  Engraçado, nem tanto.  Há poucas cenas que provocam o riso, que podem ser capazes de levar o público às gargalhadas.  De qualquer modo, é uma boa comédia e tem um enfoque muito interessante e adequado ao tema de que trata.  Em tempos em que é raro encontrar uma comédia de qualidade, sem maiores apelações, é bem-vinda.  Se todos os prêmios e o sucesso de público se repetirão fora da França, só o tempo dirá.  Aparentemente, não é para tanto.  Mas vale a ida ao cinema.   Há originalidade nesse trabalho.


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