Antonio Carlos Egypto
Tsai Ming Liang |
CÃES ERRANTES (Jiao You). Taiwan, 2013.
Direção: Tsai Ming Liang. Com Lee
Kang Sheng, Yang Kuei Mei, Lu Yi Ching.
138 min.
O trabalho do cineasta Tsai Ming Liang reflete com
originalidade o mal estar da vida contemporânea nas grandes cidades. Ele nasceu na Malásia, mas fez toda a sua
carreira como realizador na China, em Taiwan.
Faz um cinema que tira o espectador do confortável, do conhecido. Para começar, não conta histórias, mostra
personagens que vagueiam pelos espaços urbanos em busca de algo que eles mesmos
parecem desconhecer.
Os seres humanos estão perdidos e incomunicáveis,
vivendo uma angústia existencial digna dos grandes filmes de Michelangelo
Antonioni (1912-2007), inspirador confesso do diretor malaio. Sentem-se inadaptados em seu ambiente de
vida, ignorados, invisíveis, excluídos. Não
costuma haver encontros, embora possa surgir alguma afetividade e a perspectiva
de busca do desejo sexual e do amor, que, no entanto, parecem ora distantes,
ora insatisfatórios.
Há incomunicabilidade, o que se reflete na quase
ausência de diálogos, como acontece na maior parte do tempo nos filmes de Tsai
Ming Liang. Também não há
emocionalidade, é tudo austero, seco.
Numa palavra, minimalista. Mas
essa economia de meios de expressão pode, subitamente, dar lugar a uma performance kitsch, um grito lancinante
de dor, um excesso visual. Com isso se
produz estranhamento, o que só reforça o mal estar que está sendo mostrado.
Além disso, Tsai Ming Liang tem uma constante
obsessão com a água, que inunda casas, locais de repouso ou trabalho das
pessoas, pode estar contaminada, chover torrencialmente ou, por outra, estar em
falta. Como ele mesmo diz : “ ... quanto
mais água você vê em meus filmes, mais os personagens precisam preencher o
vazio em suas vidas, para hidratá-las novamente ... A água representa uma força
que invade, que destrói a família” (catálogo
da retrospectiva do cineasta, em mostra do Centro Cultural do Banco do Brasil,
2010).
Longuíssimos planos, em que não há ação evidente, são
outra característica do trabalho do diretor.
Em “Cães Errantes”, ele torna essa experiência contemplativa habitual em
experimento radical. Há uma cena
estática, que se estende por intermináveis treze minutos ao final do
filme. Como a nos dizer que o cinema
acabou. Ou terá acabado para ele.
Não é exatamente uma ideia nova no seu trabalho. Em um de seus filmes, “Adeus, Dragon Inn”, de
2003, o cenário básico é uma grande sala de cinema decadente e abandonada, por
onde circulam personagens que não se relacionam com o filme que está sendo
exibido, mas com a sala de cinema que está morrendo por falta de público.
“Cães Errantes”, como o conjunto de sua obra, aborda
a temática das relações familiares inexistentes ou desgastadas, a falta de
perspectivas e também a miséria na grande cidade, que desconhece os dramas
humanos que nela estão inseridos. Há os
cães do título, naturalmente. Rios,
matas e ruas chuvosas compõem o ambiente.
Na cidade, circula, por exemplo, um outdoor
humano que vende apartamentos de luxo.
Uma cena que os habitantes de São Paulo ou do Rio conhecem muito
bem. Não será preciso contextualizar
Taipei como local.
O cinema de Tsai Ming Liang é assim: universal no
registro de uma situação que, aparentemente, seria específica, não só do
ambiente cultural a que ele pertence, mas até dos elementos da sua experiência
pessoal. Comprovação do talento e
perspicácia do realizador.
Para quem não conhece o cineasta, “Cães Errantes” não
seria uma boa introdução ao seu cinema, já que ele radicaliza alguns elementos,
o que tende a afastar o espectador desavisado.
No entanto, é difícil indicar outro caminho dessa iniciação por meio do
cinema. Seus filmes não costumam ser
exibidos regularmente, pelo caráter nada comercial de um trabalho que não faz
concessões. Não há outra opção em DVD
que não seja o filme “O Sabor da Melancia”, de 2005, em que ele explora o
universo da pornografia em meio a uma crise de água. O resto é garimpar pela Internet à procura de
filmes como “O Rio”, de 1997, (que chegou a ser lançado em VHS), “Vive
L’Amour”, de 1994, “O Buraco”, de 1998, ou o já citado “Adeus, Dragon
Inn”. São exemplos de filmes em que se
pode adentrar no universo Tsai Ming Liang com um pouco menos de esforço e
usufruir da qualidade de seu cinema criativo e experimental. Ou preparar-se para a jornada cinematográfica
de “Cães Errantes”, que, apesar de radical, vale a pena.
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