Antonio Carlos Egypto
O
GEBO E A SOMBRA. Portugal, França,
2012. Direção e roteiro: Manoel de
Oliveira. Com Michael Lonsdale, Claudia
Cardinale, Leonor Silveira, Ricardo Trêpa, Jeanne Moreau, Luís Miguel
Cintra. 91 min.
“O
Gebo e a Sombra”, o mais recente longa-metragem do mestre português Manoel de
Oliveira, é uma adaptação de uma peça do dramaturgo lusitano Raul Brandão,
escrita no início do século XX. Um
belíssimo e profundo trabalho.
Gebo
(Michael Lonsdale), já idoso, precisa continuar trabalhando como contador de
uma firma e fazer a escrita nos livros contábeis até a noite, em casa, para
manter a família, levando uma vida de pobreza e privação. Isso acontece porque ele é um homem honesto e
sem ambições.
Com
ele vivem sua mulher, Doroteia (Claudia Cardinale) e sua sobrinha Sofia (Leonor
Silveira), casada com seu filho João (Ricardo Trêpa), que sumiu de casa há oito
anos e se tornou a sombra de Gebo e da família.
A mãe, obcecada por notícias de João, reclama da vida que leva e só fala
dele. Gebo a poupa de tudo o que sabe a
respeito do filho. Mente para ela,
procura protegê-la por meio da ignorância.
Participam da história dois vizinhos, que costumam aparecer para um
café: papéis de Jeanne Moreau e Luís Miguel Cintra.
O
ambiente e os comportamentos se referem mesmo ao final do século XIX ou início
do século passado, em que as mulheres cuidavam da casa e dependiam dos homens
para viver. Os detalhes do belo e
simples cenário e as roupas completam a ambientação. A filmagem ocorre
praticamente nesse único cenário, o que remete ao teatro. Dito assim, tudo parece distante da nossa
realidade atual. Mas não é nada disso.
O
que é a vida? Um conjunto de regras e
deveres que se repete dia após dia, sem mudanças, tediosamente? Ou será uma aventura que não tem limites e
comporta até mesmo o crime? O que é ser
honesto, qual o seu sentido e limites?
Conformar-se é uma forma de honestidade virtuosa? Revoltar-se, quebrar regras, ter ambições, é
compatível com o bom caráter?
Mentir
é admissível, em que situações? Mentir
para proteger alguém é aceitável? Faz
sentido? Vale por toda uma vida? E quando o preço a pagar é a autoimolação?
Amar
sem qualquer exigência ou restrição é bom?
É o que se espera de uma mãe para com seu filho, seja ele quem for? E se a verdade for dura, nega-se a realidade? Finge-se não ver? Maquia-se a realidade? É possível ser feliz na ignorância? Até onde
vale a pena viver? A morte pode ser um
alívio, uma escolha, um desejo legítimo?
Ou será isso uma fraqueza?
Essas
são algumas das principais questões que o filme levanta, mas há muito
mais. “O Gebo e a Sombra” dá margem a
questionamentos filosóficos os mais diversos, todos muito atuais, apesar da
aparência em contrário. Tudo vai
acontecendo no ritmo preciso. As
revelações vão se dando aos poucos, enquanto vivenciamos como espectadores
aquela vida repetitiva e limitada. A
irrupção do personagem-sombra produz uma reviravolta que, no entanto, se dá no
mesmo ritmo preciso de todo o restante do desenvolvimento da trama. Mesmo aquilo que sabemos que está para
acontecer não produz ruptura na forma de narrar a história. Há grandes mudanças, sem nenhum
sobressalto. Admirável! Aos 103 anos de idade, Manoel de Oliveira
alcançou tal domínio do seu ofício que tudo parece simples e fácil.
O
elenco que dá vida à narrativa é nada menos do que brilhante. Michael Lonsdale é um Gebo perfeito, até nos
menores detalhes, tudo muito bem dosado, no tom e no ritmo certos. Claudia Cardinale, uma das mulheres mais
lindas da história do cinema, enrugou, envelheceu muito, mas não perdeu a
classe. Jeanne Moreau também perdeu a
juventude, mas mantém uma verve interpretativa cativante.
Manoel de Oliveira e o elenco do filme |
Os
atores portugueses, habituais nos filmes de Manoel de Oliveira, estão ótimos,
ainda que o filme seja falado em francês.
Leonor Silveira está brilhantemente contida no seu papel. Luís Miguel Cintra é sempre uma presença
muito forte em cena. E Ricardo Trêpa, o
neto do diretor, é sempre um ator
competente nos diversos papéis que encarna, nos filmes do avô.
É
alvissareiro ver que produtos cinematográficos desse calibre conseguem ser
exibidos em sessões normais nos cinemas.
Ainda que seja apenas nos chamados cinemas de arte. É uma maravilha, mas que está na contramão do
que o mercado exibidor preza.
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