Antonio Carlos Egypto
UM TOQUE DE PECADO (Tian Zhu Ding). China,
2013. Direção e roteiro: Jia
Zhang-Ke. Com Jiang Wu, Meng Li, Lanshan
Luo. 133 min.
A China é um gigante do mundo contemporâneo que tem
crescido economicamente em ritmo assustador.
Modernizou-se e enriqueceu rapidamente.
As pessoas têm acesso ao que de mais avançado existe na área tecnológica
e a um padrão de vida inimaginável nos tempos de Mao Tse Tung, do socialismo
implantado a partir de um país pobre e rural.
O partido comunista chinês continua no poder, mas passou-se da
intransigência da chamada Revolução Cultural ao culto do dinheiro em bases
capitalistas pouco ou nada convencionais.
O próprio cinema é uma demonstração clara do avanço
da China em escala global. Grandes
produções, espetáculos sofisticados, fazem parte da criação
cinematográfica chinesa atual. E diretores como Zhang Yimou, Chen Kaige,
Wong Kar Wai, Ang Lee, vindos da China continental, Taiwan ou Hong Kong, são
conhecidos e respeitados em todo o mundo.
A reflexão sobre o outro lado da China, um lado
obscuro, violento, discriminador, produtor de desigualdades, desequilíbrios e
com consequências ambientais sérias, tem preocupado um de seus mais brilhantes
cineastas, que é Jia Zhang-Ke. Nascido
em 1970, numa província do interior do China, mudou-se para Pequim, estudou
pintura, literatura, escreveu romances e, em 1995, fundou o Grupo Jovem de
Cinema Experimental, primeira produtora independente do país, e começou a fazer
filmes.
Destacam-se em sua produção “Plataforma”, de 2000,
“Prazeres Desconhecidos”, de 2002, “O Mundo”, de 2004, “Em Busca da Vida”, de
2006, “Memórias de Xangai”, de 2010.
Seja no terreno da ficção, seja no do documentário, o cinema de Jia
Zhang-Ke é um cinema de reflexão sobre essa China do avesso, que esmaga e
empobrece pessoas, longe do sucesso, do brilho e do glamour. É uma obra que pensa a partir de fatos e
situações concretas o custo desse crescimento vertiginoso para as pessoas,
assim como reflete sobre o passado recente da China.
“Um Toque de Pecado” é um filme que se baseia em
fatos reais relatados no noticiário policial.
Fatos reveladores de um profundo mal-estar que atinge com violência
seres humanos que tentam sobreviver em um ambiente hostil.
Um minerador furioso se revolta contra a corrupção
dos líderes de seu povoado e vai fazer justiça com as próprias mãos, de forma
violenta. A recepcionista de uma sauna
perde o controle quando um cliente rico a assedia, a trata como prostituta e
lhe bate com um maço de cédulas de dinheiro.
Um jovem operário vive situações degradantes no trabalho, troca de
serviço e não encontra nada melhor, apesar das várias tentativas, e perde a
esperança. Um trabalhador migrante volta
para casa no Ano Novo e descobre as muitas possibilidades que uma arma de fogo pode
proporcionar a seu usuário.
Esses fatos ocorreram em quatro províncias diferentes
da China e têm em comum o desencanto com a vida e o apelo à solução desesperada
e violenta. Jia Zhang-Ke mostra
situações de forma crua e direta, no estilo documental, com enquadramentos
magníficos, dirigindo o olhar do espectador para uma realidade incômoda da
China contemporânea, que tem tudo a ver com o mundo globalizado em que
vivemos. A cor local não esconde o seu
caráter mais amplo e a difusão desse mal-estar pelo mundo atual. É preocupante o que está acontecendo, é o que
nos diz e mostra o cinema de Jia Zhang-Ke, belo, forte e extremamente
competente. Ele é um dos grandes
cineastas do nosso tempo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário