sábado, 14 de dezembro de 2013

UM TOQUE DE PECADO

                         
Antonio Carlos Egypto



UM TOQUE DE PECADO (Tian Zhu Ding).  China, 2013.  Direção e roteiro: Jia Zhang-Ke.  Com Jiang Wu, Meng Li, Lanshan Luo.  133 min.



A China é um gigante do mundo contemporâneo que tem crescido economicamente em ritmo assustador.  Modernizou-se e enriqueceu rapidamente.  As pessoas têm acesso ao que de mais avançado existe na área tecnológica e a um padrão de vida inimaginável nos tempos de Mao Tse Tung, do socialismo implantado a partir de um país pobre e rural.  O partido comunista chinês continua no poder, mas passou-se da intransigência da chamada Revolução Cultural ao culto do dinheiro em bases capitalistas pouco ou nada convencionais.

O próprio cinema é uma demonstração clara do avanço da China em escala global.  Grandes produções, espetáculos sofisticados, fazem parte da criação cinematográfica  chinesa atual.  E diretores como Zhang Yimou, Chen Kaige, Wong Kar Wai, Ang Lee, vindos da China continental, Taiwan ou Hong Kong, são conhecidos e respeitados em todo o mundo.



A reflexão sobre o outro lado da China, um lado obscuro, violento, discriminador, produtor de desigualdades, desequilíbrios e com consequências ambientais sérias, tem preocupado um de seus mais brilhantes cineastas, que é Jia Zhang-Ke.  Nascido em 1970, numa província do interior do China, mudou-se para Pequim, estudou pintura, literatura, escreveu romances e, em 1995, fundou o Grupo Jovem de Cinema Experimental, primeira produtora independente do país, e começou a fazer filmes.

Destacam-se em sua produção “Plataforma”, de 2000, “Prazeres Desconhecidos”, de 2002, “O Mundo”, de 2004, “Em Busca da Vida”, de 2006, “Memórias de Xangai”, de 2010.   Seja no terreno da ficção, seja no do documentário, o cinema de Jia Zhang-Ke é um cinema de reflexão sobre essa China do avesso, que esmaga e empobrece pessoas, longe do sucesso, do brilho e do glamour.  É uma obra que pensa a partir de fatos e situações concretas o custo desse crescimento vertiginoso para as pessoas, assim como reflete sobre o passado recente da China.



“Um Toque de Pecado” é um filme que se baseia em fatos reais relatados no noticiário policial.  Fatos reveladores de um profundo mal-estar que atinge com violência seres humanos que tentam sobreviver em um ambiente hostil.

Um minerador furioso se revolta contra a corrupção dos líderes de seu povoado e vai fazer justiça com as próprias mãos, de forma violenta.  A recepcionista de uma sauna perde o controle quando um cliente rico a assedia, a trata como prostituta e lhe bate com um maço de cédulas de dinheiro.  Um jovem operário vive situações degradantes no trabalho, troca de serviço e não encontra nada melhor, apesar das várias tentativas, e perde a esperança.  Um trabalhador migrante volta para casa no Ano Novo e descobre as muitas possibilidades que uma arma de fogo pode proporcionar a seu usuário.



Esses fatos ocorreram em quatro províncias diferentes da China e têm em comum o desencanto com a vida e o apelo à solução desesperada e violenta.  Jia Zhang-Ke mostra situações de forma crua e direta, no estilo documental, com enquadramentos magníficos, dirigindo o olhar do espectador para uma realidade incômoda da China contemporânea, que tem tudo a ver com o mundo globalizado em que vivemos.  A cor local não esconde o seu caráter mais amplo e a difusão desse mal-estar pelo mundo atual.  É preocupante o que está acontecendo, é o que nos diz e mostra o cinema de Jia Zhang-Ke, belo, forte e extremamente competente.  Ele é um dos grandes cineastas do nosso tempo.


Nenhum comentário:

Postar um comentário