Antonio Carlos Egypto
TUDO O QUE DESEJAMOS (Toutes nos envies). França, 2011. Direção: Philippe Lioret. Com Vincent Lindon, Marie Gillain, Amandine Dewasmes, Yannick Renier. 120 min.
“Tudo o que desejamos”, o novo filme de Philippe Lioret, confirma as preocupações do diretor com questões humanas e sociais e a importância da legislação quanto a elas. Em “Bem-Vindo”, de 2009 (ver crítica no “cinema com recheio”), a questão dos imigrantes ilegais na França recebeu uma abordagem sensível e humanista por parte do cineasta.
Agora, há outras duas situações muito importantes, que são abordadas na trama de “Tudo o que desejamos”. A primeira é aquela conhecida prática de instituições financeiras de oferecerem empréstimos a juros escorchantes, vendendo a ideia de facilidades e “gratuidades”. O custo real do dinheiro aparece nos contratos com letras minúsculas, quase ilegíveis, enquanto o que parece atraente, o dinheiro fácil e salvador, está em destaque e é objeto de propaganda enganosa.
Claire (Marie Gillain) é juíza e com seu amigo também juiz, Stéphane (Vincent Lindon), a partir do endividamento de uma pessoa conhecida, Céline (Amandine Dewasmes), resolvem lutar juridicamente contra as instituições financeiras que adotam esses procedimentos. Evidentemente, vão encontrar muitas dificuldades e um sistema que sustenta, na prática, tais expedientes abusivos.
O outro problema é o direito do paciente que tem uma doença terminal de questionar os procedimentos médicos e escolher se quer se submeter a eles ou não, se deve informar a familiares que poderão decidir por ele, se pode assumir as possibilidades de morrer antes, por desejar viver sua vida e realizar projetos imediatos até o seu fim. Ou seja, trata-se do direito que o paciente tem de querer prolongar sua própria vida ou não, submetendo-se aos tratamentos médicos disponíveis, muitas vezes com consequências agressivas para ele. A escolha entre morrer ou prolongar por algum tempo mais a própria vida deve pertencer exclusivamente ao doente ou sua família também deve decidir? E se a decisão familiar for no sentido contrário à do paciente, como fica?
Isso já é assunto mais do que suficiente para um filme só, mas a trama de “Tudo o que desejamos” tem muitos outros elementos, a meu ver, inteiramente dispensáveis. Um mesmo personagem circula no campo do Direito e é treinador de rugby. Só para que haja uma cena em que o personagem escapa do hospital em que está, para se expor à noite a um empolgante jogo daquele esporte e observar o comportamento dos jogadores.
As relações familiares dos personagens envolvem o relacionamento com crianças de duas famílias. Duas figuras masculinas disputam o poder e o afeto em relação a uma mulher. Ou, melhor dizendo, dois tipos diferentes de expressão do comportamento masculino atendem a aspectos diversos da figura feminina em destaque. Há o convívio de duas mulheres de classes sociais diferentes com o mesmo homem. E o comportamento das crianças provenientes dessas classes convivendo no mesmo ambiente.
É muita coisa para ser explorada em tão pouco tempo. Acaba atrapalhando mais do que ajudando a problemática principal abordada pelo filme: aquelas duas grandes questões que ele se propôs a mostrar e discutir. Um filme com menos elementos narrativos, mais limpo e direto, teria sido mais eficiente para tratar daqueles temas. Mas o diretor parece ter optado por um esquema novelesco para tentar atrair mais público ao cinema.
Apesar desse excesso de elementos, as questões principais são bem mostradas e seu tratamento dramático, apropriado. Nem tudo convence, há coincidências e simultaneidades que poderiam ter sido evitadas, mas o bom desempenho dos atores chega a compensar isso. E, principalmente, a abordagem sensível e humanista, que, a esta altura, já é uma marca de Philippe Lioret. Essa contribuição que ele dá ao cinema contemporâneo é digna de elogios. Colabora, de forma efetiva, para que questões sociais e seus correspondentes legais sejam postos em debate e enfrentados.
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