Antonio Carlos Egypto
TROPICÁLIA. Brasil, 2011. Direção: Marcelo Machado. Documentário. 82 min.
O movimento denominado Tropicalismo, na Música Popular Brasileira, foi uma explosão de talento, criatividade e contestação, como não se via há pelo menos 10 anos, ou seja, desde a Bossa Nova. Marcado agora por um contexto político altamente repressor, que suprimia não só as liberdades democráticas, mas também o direito dos jovens de usufruir dos ventos de mudança nos comportamentos, que o mundo ocidental compartilhava.
Um movimento que reúne criadores do porte de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rogério Duprat, Tom Zé, Gal Costa, os Mutantes, Jorge Benjor e Nara Leão, entre outros, não poderia mesmo ser menos do que revolucionário. Ainda mais se considerarmos que essa trupe toda estava no auge da juventude e acuada por um regime político que não lhe possibilitava viver o desbunde que marcava o seu tempo.
Era hora de sacudir a poeira, mudar o rumo das coisas. Repensar a estética, a política, a cultura, a história. Não era um movimento só musical, como procura demonstrar o documentário “Tropicália”, de Marcelo Machado. Começa por mostrar que Tropicália tem origem na instalação do arquiteto Hélio Oiticica. Destaca a poesia concreta, o cinema de Glauber Rocha, Cacá Diegues, Rogério Sganzerla, de “O Bandido da Luz Vermelha”, e outros, o teatro Oficina, de Zé Celso e “O Rei da Vela”, de Oswald de Andrade. Tinha também Chacrinha “balançando a pança e dominando a massa”, na TV. Tropicália era uma grande ideia, maior do que o movimento tropicalista na música.
O Tropicalismo mexeu com o país num período curto, que começa no Festival da Record, em 1967, com “Domingo no Parque”, de Gil, e “Alegria, Alegria”, de Caetano, se firma no disco-manifesto, de produção coletiva, “Tropicália ou Panis et Circenses”, em 1968, e acaba no fim desse mesmo ano, quando Gil e Caetano são presos, confinados em Salvador e, então, forçados a deixar o país. Ou, como avaliam outros, indo até 1972. Ou, ainda, fincando bases de criação e avaliação artística que permanecem até hoje.
Emblemática é a gravação feita por Caetano Veloso de “Coração Materno”, ultracafona e escancaradamente dramática e apelativa canção lançada por Vicente Celestino, seu autor, em 1951. Símbolo do mau gosto, virou cult, na impecável interpretação de Caetano. Depois disso, não havia mais nada a questionar. Tudo era possível, aceitável, e podia ter valor artístico. Era uma forma de resgatar a história da música brasileira, que ficara no limbo desde a Bossa Nova, com exceção de compositores como Ary Barroso e Dorival Caymmi. E integrar a música latino-americana cantada em espanhol ao rock dos Beatles e Rolling Stones e à música norte-americana. Onde tudo era proibido, foi uma forma de seguir o lema geral da era hippie “É Proibido Proibir”, ao som das guitarras, roupas extravagantes e multicoloridas, cabelos longos e enormes, drogas e liberação sexual, sempre que possível. Além de uma investida na rigidez dos padrões de gênero, embaralhando o que é coisa de homem ou de mulher, tanto na aparência quanto nas atitudes. Não era pouca coisa.
O resgate da Tropicália que o filme faz por meio de farto, e até inédito, material de arquivo, da música e das artes do período, inclui imagens que surpreendem até Gil e Caetano, quando colocados hoje diante delas. As imagens mereceram um tratamento gráfico, que vai do simples lápis de cor aos adornos psicodélicos, combinando com o espírito da época e com aquilo que é mostrado sobre o Tropicalismo. Excelente documentário, que merece ser visto e revisto, principalmente pelas músicas espetaculares que se produziram naquele período, incluindo-se as canções feitas já no exílio londrino de Caetano e Gil. Há uma passagem por Portugal, também lembrada no filme, com direito a ver Raul Solnado, o grande humorista português, entrevistando Caetano e Gil na TV, logo na abertura.
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