quarta-feira, 29 de agosto de 2012

A REBELIÃO

 Antonio Carlos Egypto



 A REBELIÃO (L’Ordre et la Morale).  França, 2011.  Direção: Mathieu Kassovitz.  Com Mathieu Kassovitz, Iabe Lapacas, Malik Zidi, Alexandre Steiger, Sylvie Testud, Phillipe Torreton.  136 min.

A Nova Caledônia é um arquipélago da Oceania, na Melanésia, no Oceano Pacífico, situada a 1500 km da Austrália e a 2000 km da Nova Zelândia.  É de domínio da França, apesar de se situar a 16000 km dela.

Um conflito ocorrido na Nova Caledônia em 1988, entre a polícia francesa (a Gendarmerie), o povo kanak que habita a ilha e a tropa do exército francês para lá enviada, é o assunto do longa “A Rebelião”, dirigido e estrelado por Mathieu Kassovitz.

Na busca pela independência do país, até hoje não conquistada, uma ação dos líderes kanak levou ao sequestro de alguns policiais e disso resultaram algumas mortes.  Para intervir no conflito, foi enviado um grupo de policiais da elite da Gendarmerie, chefiado por Phillipe (Mathieu Kassovitz), capitão do GIGN (não sabemos o que significa, nem o filme informa), possivelmente uma denominação para a tropa de elite dessa polícia, como nosso BOPE. 



Os policiais vão em busca de negociação, respeitando a cultura local e os direitos humanos, mas interesses político-eleitorais acabam envolvendo o exército e o consequente confronto entre métodos de ação.  A iminente eleição que colocava François Miterrand contra Jacques Chirac fez com que decisões rápidas tivessem de ser tomadas, no episódio.  O assunto ocupou os jornais da época, e o debate televisivo, envolvendo Miterrand e Chirac falando sobre o tema, é até mostrado no filme.

A repercussão do episódio e o envolvimento político e eleitoral tornou tudo mais complicado, sendo que os fatos assumiram dimensões que não tinham.  O povo kanak, negociador por excelência, com o costume de fazer acordos “olhos nos olhos”, chegou a ser descrito como assassino, cruel, capaz de decapitações e estupros, além do sequestro perpetrado.  Segundo Kassovitz, Chirac, que era o primeiro-ministro da época, teria chegado a dizer que o povo kanak não merecia ser tratado como ser humano



Os ânimos se exacerbaram.  Como manter negociações nesse clima?  Como evitar o uso da violência por parte dos militares e o massacre do povo e dos próprios policiais que estavam sequestrados?  Esse é o dilema que vive o capitão Phillipe, em contato com o chefe local dos kanak rebeldes, Alphonse (Iabe Lapacas).  Os compromissos que vão sendo assumidos ao longo da negociação precisam ser respeitados ou a ordem falará mais alto e produzirá um ato de traição?  O título original “L’Ordre et la Morale” se refere a isso.

O filme é baseado no livro de Philippe Legorjus, “La Morale et L’Action”, que reconstrói toda a sequência de fatos que envolveu o episódio.  “A Rebelião” conta com habitantes locais, contracenando com atores franceses profissionais, o que exigiu do diretor Kassovitz longas e intensas negociações com os kanak, uma vez que o próprio assunto era um verdadeiro tabu para os moradores da ilha. Antigos militares que estiveram envolvidos no episódio também participaram do filme.

A questão da independência da Nova Caledônia continua em aberto.  Em 2014, será realizado um plebiscito para que a população decida pela independência ou não, em relação à França.



“A Rebelião” é um filme oportuno, ao buscar resgatar os fatos que envolveram aquele episódio, tenso e muito distorcido pelo noticiário da época, colocando as razões que moveram tanto os policiais quanto os militares e o povo local nas diferentes vertentes do conflito.

A figura do capitão Phillipe, seus dilemas morais e o contexto que o tolhia, revelam a complexidade da situação, quando aquilo que parecia mais simples de ser feito se torna impossível de realizar.  Mostra quanto o imediatismo da política eleitoral pode comprometer muita coisa.



Assistir ao filme sem se informar um pouco antes de vê-lo pode ser difícil, já que é um episódio muito específico da história francesa. A Nova Caledônia é um lugar tão distante e desconhecido quanto o povo kanak que a habita, a ponto de ser denominada, para efeitos turísticos, como “a ilha do fim do mundo”.

O filme não se preocupa em explicar nada do conflito para o público que não é francês.  Há outras referências e siglas de nomenclaturas misteriosas para nós, como a de um grupo considerado terrorista pelo governo francês, e que participa da história.  O próprio contexto da eleição francesa de 1988 não é algo tão familiar para todos, hoje no Brasil.  É inevitável perder os detalhes, mas é perfeitamente possível compreender o que está em jogo.  E as reflexões que o filme possibilita são bem interessantes.

Um comentário:

  1. Sobre o GIGN:

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Groupe_d%27Intervention_de_la_Gendarmerie_Nationale

    A matéria em inglês é mais completa:
    http://en.wikipedia.org/wiki/National_Gendarmerie_Intervention_Group

    Imagens:
    http://goo.gl/aiIWs

    ResponderExcluir