Antonio Carlos Egypto
HELENO. Brasil, 2012. Direção: José Henrique Fonseca. Com Rodrigo Santoro, Alinne Moraes, Angie Cepeda, Othon Bastos. 106 min.
Heleno de Freitas é um craque do nosso passado futebolístico, de quem quase ninguém se lembra mais, a menos que já tenha seus 80 anos de idade. E cuja história muito pouca gente conhece, embora já possa ter visto referências ao seu nome, em algum lugar. É, portanto, oportuno fazer um filme sobre ele, já que se trata de uma figura importante e controvertida da história do futebol brasileiro.
O filme “Heleno”, de José Henrique Fonseca, resgata essa história, focando-se no atleta protagonista, vivido por Rodrigo Santoro. Alterna cenas do auge do jogador, nos anos 1940,com cenas dos anos 1950, que marcam o seu declínio. Seu gênio difícil, conflitos e problemas pessoais, acabam por afastá-lo da Copa de 1950, disputada no Brasil. E ele já havia perdido a chance de exibir seu futebol ao mundo, em função da Segunda Guerra Mundial. No final da década de 1950, passou seus últimos dias em um sanatório. As cenas referentes a esse período são tocantes. O filme tem uma bela fotografia em preto e branco, o que reforça a condição de filme de época, adicionando-lhe uma espécie de nostalgia.
Eram outros tempos, o futebol ainda não tinha alcançado a dimensão extraordinária que tem atualmente no Brasil, fruto de tantos títulos mundiais que conquistaríamos depois, da mídia avassaladora que cobre o esporte e da sua ampla e contínua difusão na nossa cultura. O futebol ainda tinha alguns resquícios de sua origem elitista do início do século XX. Já era muito popular, mas não era uma profissão bem vista pelas famílias. Ao contrário, era algo encarado como de menor importância ou que até desvalorizaria o cidadão. Um preconceito, talvez semelhante ao que atingia o campo das atrizes e atores de teatro e cinema e o pessoal de rádio.
Heleno, por exemplo, era de classe média alta, com recursos para atuar em outras áreas, chegando a se formar em Direito. Tornou-se atleta profissional por ter um talento muito grande para a atividade e pelo grande prazer em jogar futebol. Alcançou a glória e a notoriedade por conta desse talento e também de uma personalidade marcante. Era muito autocentrado, ego inflado, arrogante, e tratava os colegas de profissão com superioridade e até desrespeito. Ou seja, foi talvez o primeiro grande jogador-problema da História. Um talento que devotava um imenso amor à camisa do Botafogo, mas um tanto indisciplinado e, sobretudo, descontrolado.
Somem-se a isso o seu comportamento mulherengo e boêmio, avesso aos cuidados com a saúde, e um quadro de enfermidade mental, associado à sífilis não tratada, regada a bebida e éter, e teremos a consequência deletéria posterior.
“Heleno”, mais do que se deter no futebol do atleta ou na reconstituição do seu desempenho em campo e em seus gols, privilegia o ser humano, seus conflitos, contradições e sentimentos. Mas não deve ter sido fácil trabalhar com a concepção dramática de tal personagem. Algo ficou faltando para lhe dar mais consistência. E como não conhecemos a figura e sua história, alguns elos se perdem ou não ficam bem esclarecidos. Bem, há lacunas não resolvidas na própria história conhecida do jogador.
Num caso como esse, talvez o vai-e-vem no tempo não tenha ajudado a compor o personagem. Algo mais linear na narrativa poderia informar melhor o público e simplificar a compreensão da figura e do seu contexto histórico. Didatismo, muitas vezes, se torna chato, em arte. Mas há situações em que ele não só é bem-vindo, mas um ótimo recurso narrativo.
Rodrigo Santoro está impecável, no papel de Heleno. Consegue transmitir os arroubos e descontroles do personagem, sem nunca recorrer a exageros ou excessos. Tudo comedido e equilibrado, transmitindo total credibilidade. Aliás, o elenco, como um todo, está muito bem.
O filme tem beleza e poesia e não deixa de ser uma homenagem ao futebol de uma época que tinha seu glamour, num Rio de Janeiro tão charmoso, bonito e elegante como a própria figura do conturbado Heleno de Freitas.
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