Tatiana Babadobulos
sábado, 26 de março de 2011
FELIZ QUE MINHA MÃE ESTEJA VIVA
Antonio Carlos Egypto
FELIZ QUE MINHA MÃE ESTEJA VIVA (Je suis heureux que ma mère soit vivante). França, 2009. Direção: Claude e Nathan Miller. Com Vincent Rottiers, Sophie Cattani, Christine Citti e Yves Verhoeven. 90 min.
Thomas é um garoto adotado. O filme se centra nele e em seus comportamentos estranhos, inusitados. Passeando pelas diferentes etapas de sua vida, dos 7 aos 20 anos, indo e vindo no tempo, vamos conhecendo seu jeito arredio, desconfiado ou agressivo, de ser.
Seus pais adotivos são pouco mais do que um desastre, não devem ter tido acesso nem à psicologia de almanaque. O pai, principalmente, não tem o menor talento para o que se propõe. Sim, porque ele tem outro filho menor, ambos adotados, o que implica uma escolha. Por que terá adotado as crianças? O filme não dá qualquer explicação quanto a isso. Aliás, o filme não pretende dar explicação nenhuma. Mas a sua mise-en-scène e a montagem acabam, involuntariamente, chancelando uma ideia. Chegarei lá.
Bem, esse pai tão inábil acabará adoecendo muito antes de ficar velho, a ponto de não reconhecer a própria esposa e filhos, na etapa de Thomas jovem. A fita também não diz o que é essa doença e como se chegou a isso.
Thomas aos 20 anos (Vincent Rottiers) vai em busca de sua mãe biológica, Julie (Sophie Cattani), e o faz secretamente, estabelecendo com ela um relacionamento esquisito, que se parece a um namoro. Tanto que sua mãe adotiva imagina que se trate de uma namorada.
O que ele quer com Julie, que agora tem um filho pequeno e se separou do companheiro? O que vemos é ele se aproximar do menino como se fosse um pai e inventar histórias para ficar morando um tempo por lá. Até que, abruptamente... Não, eu não vou contar mais nada, para não estragar a surpresa de ninguém.
Se o nosso protagonista sempre mostra comportamentos estranhos, seus irmãos menores, tanto o de seus pais adotivos quanto o outro, filho de sua mãe, correspondem a padrões comportamentais absolutamente esperados e saudáveis. Fazem com ele um contraste evidente, em todas as cenas de que participam. É justo concluir, então, que o problema deve estar na questão da origem e da identidade.
A adoção é um problema potencial para quem não consegue se desligar das preocupações com a própria origem. Não resiste a pais despreparados ou disfuncionais, enquanto os demais se viram bem, mesmo nessas circunstâncias desfavoráveis. E a outra ideia do filme qual é? Os pais são os responsáveis e acabam tendo de reconhecer a culpa pelo que produziram.
É isso que os diretores do filme – pai e filho na vida real – queriam dizer? Não sei. A forma como filmam parece indicar que não. Mas é isso que acontece. Claro que cada espectador pode ver e concluir outras coisas, mas terá que passar por cima de cenas e falas marcantes demais para serem ignoradas. E, se ficarmos com essas teses, é inevitável concluir que a fita acaba sendo simplista e reducionista, apesar de sua modernidade narrativa.
FELIZ QUE MINHA MÃE ESTEJA VIVA (Je suis heureux que ma mère soit vivante). França, 2009. Direção: Claude e Nathan Miller. Com Vincent Rottiers, Sophie Cattani, Christine Citti e Yves Verhoeven. 90 min.
Thomas é um garoto adotado. O filme se centra nele e em seus comportamentos estranhos, inusitados. Passeando pelas diferentes etapas de sua vida, dos 7 aos 20 anos, indo e vindo no tempo, vamos conhecendo seu jeito arredio, desconfiado ou agressivo, de ser.
Seus pais adotivos são pouco mais do que um desastre, não devem ter tido acesso nem à psicologia de almanaque. O pai, principalmente, não tem o menor talento para o que se propõe. Sim, porque ele tem outro filho menor, ambos adotados, o que implica uma escolha. Por que terá adotado as crianças? O filme não dá qualquer explicação quanto a isso. Aliás, o filme não pretende dar explicação nenhuma. Mas a sua mise-en-scène e a montagem acabam, involuntariamente, chancelando uma ideia. Chegarei lá.
Bem, esse pai tão inábil acabará adoecendo muito antes de ficar velho, a ponto de não reconhecer a própria esposa e filhos, na etapa de Thomas jovem. A fita também não diz o que é essa doença e como se chegou a isso.
Thomas aos 20 anos (Vincent Rottiers) vai em busca de sua mãe biológica, Julie (Sophie Cattani), e o faz secretamente, estabelecendo com ela um relacionamento esquisito, que se parece a um namoro. Tanto que sua mãe adotiva imagina que se trate de uma namorada.
O que ele quer com Julie, que agora tem um filho pequeno e se separou do companheiro? O que vemos é ele se aproximar do menino como se fosse um pai e inventar histórias para ficar morando um tempo por lá. Até que, abruptamente... Não, eu não vou contar mais nada, para não estragar a surpresa de ninguém.
Se o nosso protagonista sempre mostra comportamentos estranhos, seus irmãos menores, tanto o de seus pais adotivos quanto o outro, filho de sua mãe, correspondem a padrões comportamentais absolutamente esperados e saudáveis. Fazem com ele um contraste evidente, em todas as cenas de que participam. É justo concluir, então, que o problema deve estar na questão da origem e da identidade.
A adoção é um problema potencial para quem não consegue se desligar das preocupações com a própria origem. Não resiste a pais despreparados ou disfuncionais, enquanto os demais se viram bem, mesmo nessas circunstâncias desfavoráveis. E a outra ideia do filme qual é? Os pais são os responsáveis e acabam tendo de reconhecer a culpa pelo que produziram.
É isso que os diretores do filme – pai e filho na vida real – queriam dizer? Não sei. A forma como filmam parece indicar que não. Mas é isso que acontece. Claro que cada espectador pode ver e concluir outras coisas, mas terá que passar por cima de cenas e falas marcantes demais para serem ignoradas. E, se ficarmos com essas teses, é inevitável concluir que a fita acaba sendo simplista e reducionista, apesar de sua modernidade narrativa.
terça-feira, 22 de março de 2011
NÃO ME ABANDONE JAMAIS
Antonio Carlos Egypto
NÃO ME ABANDONE JAMAIS (Never Let Me Go). Inglaterra, 2010. Direção: Mark Romanek. Com Keira Knightley, Carey Mulligan, Andrew Garfield. 107 min.
A clonagem humana é hoje uma possibilidade concreta. Para ser efetivamente aplicada, teria de superar falhas e consequências que a ciência ainda não domina. E tomar decisões éticas baseadas em valores coletivos que as diferentes culturas teriam de avaliar. Há, ainda, muitas implicações de ordem econômica. Enfim, são muitas questões. É difícil saber se um dia ela poderá se tornar um fato palpável.
Já que existe a possibilidade, é natural que a ficção se interesse por ela e especule sobre o que ela poderia trazer de conflitos para a humanidade. A clonagem de órgãos para aplicação em transplantes é uma perspectiva mais próxima. Imagine-se, então, a hipótese de organismos humanos serem isolados e educados até a idade de adultos jovens, para servirem unicamente ao objetivo de doarem seus órgãos, um após o outro, até morrerem. Jovens sem perspectiva de futuro, não lhes restaria outra escolha do que aquela de se prepararem para a morte inevitável e prematura. Sombrio, não?
Têm essas características os personagens de “Não Me Abandone Jamais”, um filme bem produzido, de belas imagens, e protagonizado por três jovens atores. Um filme inevitavelmente triste, mas que levanta algumas questões importantes, dentro desse tema. Organismos clonados são pessoas com sentimentos, desejos, impulsos, vontade de viver. Têm inclinações artísticas, logo, têm o que poderiamos chamar de alma. Por mais que tenham sido isolados do mundo no seu processo educacional, vivendo numa realidade à parte, o mundo chegará até eles em algum momento. Mais do que tudo, suas vidas interiores se manifestarão.
Jovens se envolvem, se apaixonam e disputam o objeto amado. Como viver tudo isso sem perspectiva de futuro? Quem sabe, alimentando a esperança de que lhes será dado algum tempo a mais, se forem mesmo capazes de amar genuinamente.
A película entra em cheio na história de um triângulo amoroso, com os ingredientes habituais, porém, com seres especiais, destinados à morte em juventude. É como se Romeu e Julieta não tivessem morrido por obra de um destino impiedoso e do acaso trágico, mas soubessem de antemão que seu final seria aquele e que estaria chegando. Como viveriam seu amor, diante da fatalidade anunciada?
Uma história como essa, em princípio, deveria nos levar ao futuro, mas, curiosamente, o filme opta por imaginá-la como se fosse possível há mais ou menos 30 anos atrás. De modo que os personagens vão crescendo e chegam na atualidade em idades que se aproximam desses 30 anos. Essa escolha produz um estranhamento, assim como elementos cenográficos que parecem deslocados. Num dos momentos do filme de que me lembro, aparece a data de 1995 e, logo a seguir, se destaca numa cena um toca-discos para long play. Creio que não se vê televisão ou Internet, no filme. Anacronismo dos personagens? Não ficou claro para mim.
O fato é que a fita tem, o tempo todo, essa cara de passado e, no entanto, trata de uma questão que é futurista. Isso produz um certo ruído, uma estranheza, que não chega a abalar a narrativa dramática. Essa se desenvolve competentemente. É preciso se deslocar do foco emocional, da identificação com a tragédia dos personagens, para dar atenção a esses aspectos do filme. É provável que muitos espectadores não deem qualquer importância a isso. O que não passará despercebido, por certo, é a forma como os jovens recebem e encaram sua sina.
sexta-feira, 18 de março de 2011
Jogo de Poder
Tatiana Babadobulos
Foi um choque aquela manhã de 11 de setembro de 2001. Porém, nem que as pessoas queiram se esquecer do fatídico dia no qual aviões atacaram as Torres Gêmeas, em Nova York, será possível. Primeiro por conta da importância do ato terrorista; e, segundo, porque o cinema continua retratando as consequências desse problema, mesmo 10 anos depois. Esta, aliás, não é a primeira vez que a tela grande mostra a tragédia, haja vista que outros filmes já foram lançados sobre o assunto, como “Voo 93”, “As Torres Gêmeas”, “Guerra ao Terror” e por aí vai.
Baseado em dois livros, “Fair Game”, escrito por Valerie Plame, ex-agente da CIA (Agência Central de Inteligência Americana); e “The Politics of Truth”, de autoria do marido dela, Joseph Wilson, “Jogo de Poder” (“Fair Game”) conta a história do motivo pelo qual Valerie (Naomi Watts) perdeu o cargo assim que sua identidade foi revelada em um artigo de jornal envolvendo a Casa Branca. O problema também atingiu seu marido (Sean Penn), ex-diplomata dos Estados Unidos, que teria se beneficiado de sua posição para obter informações.
Embora o governo de George W. Bush tenha divulgado que o Iraque possuía um programa de armas nucleares e destruição em massa, ela descobre que não é verdade. Enquanto isso, Wilson é enviado à África para investigar os rumores da possível venda de urânio enriquecido para aquele país e, assim, a trama vai juntando elementos para comprovar (ou desmentir) tal afirmação. Não comprovando tais negociações, ele escreve suas conclusões para um jornal. E, daí, salve-se quem puder!
Dirigido por Doug Liman (“A Identidade Bourne”), que também assina como diretor de fotografia, o roteiro foi escrito a quatro mãos por Jez e John-Henry Butterworth e conta com diálogos bem construídos, além de narrações em off quando o diplomata está narrando algum acontecimento. E inclui frases de efeito, como a que ele diz, que fora pronunciada por Saddam Hussein: “Prefiro matar meus amigos por engano, que deixar meus inimigos viverem”.
O longa mistura imagens da ficção com as da televisão transmitidas à época em que aconteceu o fato, como os discursos reais de Bush e Valerie. E, como também é diretor de fotografia, Liman usa as lentes para aproximar e afastar do personagem, mostrando compreensão, mas sem se esquecer do movimento nervoso da câmera na mão, em cenários localizados em cinco países diferentes.
Naomi Watts (“King Kong”) e Sean Penn (“Milk – A Voz da Igualdade”) já haviam trabalhado juntos em “21 Gramas”, do mexicano Alejandro González Iñárritu, de maneira que a química entre ambos funciona bem. Esse, aliás, é um dos atrativos para que o espectador compartilhe com o sentimento deles, como cumplicidade e, ao mesmo tempo, da luta por manter o casamento e, consequentemente, a família.
“Jogo de Poder” traz informações sobre os problemas enfrentados durante todo o governo Bush, nos Estados Unidos, o jogo de intriga provocado por ele e seus secretários, além, é claro, do próprio jogo de poder, uma vez que, na hora de comprovar tais atos, fica aquela história de “nunca ouvi falar em você ou do seu programa”, que acaba se dando mal quem resolve fazer o bem para o país. Típico quando se trata de manipulação do povo e dos funcionários do governo. Independentemente do resultado, que seja prevalecida a verdade. Sempre.
quinta-feira, 17 de março de 2011
"CÓPIA FIEL" E KIAROSTAMI
Antonio Carlos Egypto
CÓPIA FIEL (Copie Conforme). França-Irã, 2010. Direção: Abbas Kiarostami. Com Juliette Binoche e William Shimell. 106 min.
Diz a sinopse oficial do filme “Cópia Fiel”: “Um homem e uma mulher se encontram em um pequeno vilarejo, no sudoeste da Toscana. O homem, um escritor britânico, que acabou de dar uma palestra em uma conferência. A mulher, francesa, dona de uma galeria de arte. Essa é uma história comum. Poderia acontecer com qualquer um, em qualquer lugar”. Será mesmo? Vindo do talento criativo do diretor iraniano Abbas Kiarostami, não acredite.
Para começar, o homem é um escritor que levanta questões não triviais. Seu livro, Cópia Fiel, que dá nome ao filme, questiona o que é ser original e o que é ser cópia na arte e na vida. Cópias são tratadas como originais, na arte. Quantos “Beijos” de Rodin, por exemplo, originais, existem?
Cópias podem ter função idêntica a originais, no mundo. Cumprir a mesma função prática ou estética. Ou, mesmo, serem mais valorizadas em algumas situações ou por algumas pessoas. O “peso” dos originais pode ser muito grande e incômodo. Evidentemente, tudo isso é muito relativo e, colocado na perspectiva concreta, pode dar origem a dilemas morais interessantes.
Os diálogos entre esse homem e essa mulher vão pontuando, com essa temática, toda a primeira parte do filme. Não são coisas comuns ou banais, embora possam fazer parte da vida das pessoas, em qualquer tempo ou lugar. Não sem conflitos, seguramente.
A horas tantas, “Cópia Fiel” vai promovendo uma virada na relação entre os dois personagens e entramos em cheio na vida conjugal, suas expectativas, desejos, frustrações, lembranças, rancores, abandonos. E a segunda parte do filme mostra todo um universo complexo das relações homem-mulher que, inevitavelmente, nos coloca novos desafios e reflexões tão importantes quanto os que ocuparam as atenções do escritor e da dona da galeria. Quem são eles agora? Cópias fiéis das realidades conjugais? Singularidades que se revelam? Aquilo que estava escondido nos papéis que viviam?
O filme poderia ser visto do meio para a frente e fazer todo o sentido. Poderia também começar daí e continuar na primeira parte, encerrando-se nesse mesmo ponto. Se tivesse só a primeira parte, já seria um média-metragem excelente. Assim como só a segunda. A rigor, ele poderia começar ou terminar no meio. Sua narrativa é circular. E, dependendo da escolha que se fizesse na montagem, ele ensejaria novas visões. Do jeito que está, é uma obra aberta a muitos significados e possíveis interpretações. Qual a verdade? O que é original e o que é cópia, no sentido de quem gerou o quê? E, também, quem somos, o que somos, o que nos move, afinal?
O que parecia uma história comum se revela um filme experimental, com um formato original. Não surpreende, em se tratando de Abbas Kiarostami. Ele sempre buscou novos caminhos. Basta lembrar “Shirin”, de 2009, exibido somente em festivais, sem lançamento comercial no Brasil. Nesse filme, apenas as espectadoras de um teatro são focalizadas, nunca a peça, que só é ouvida. Ele já fez um filme inteiro, utilizando uma pequena câmera dentro de um carro, em “Dez por Dez”, de 2003. Deixou uma câmera fixa e imóvel numa rua portuária, em “Cinco”, de 2004. Tratou do dilema de um suicida, em “Gosto de Cereja” (1997), da construção da cena cinematográfica, em “Através das Oliveiras” (1994). Já em 1987, ele havia feito um lindo filme, todo contado pela ótica de um menino pequeno. “Onde fica a casa do meu amigo?” é uma película marcante, da tendência neorrealista, que o cinema iraniano explorou por meio de personagens infantis, nos anos 1980 e 1990, para fugir aos ditames da censura.
Só que a situação no Irã se complicou, com o recrudescimento da censura e do controle sobre o seu festejado cinema. A ponto de manter na cadeia e proibir de trabalhar um dos mais talentosos diretores do cinema iraniano, Jafar Panahi, de “O Balão Branco” (1995).
“Cópia Fiel” é um filme com personagens europeus ocidentalizados, falado em francês, italiano e inglês. A presença das três línguas aí contribui para mostrar as dificuldades atuais de comunicação, assim como quando o celular interrompe o próprio palestrante. O cartaz mostra Juliette Binoche em lábios com batom forte e longos brincos, o que seria impensável no Irã. Ela foi premiada em Cannes como melhor atriz por essa fita. É realmente um grande desempenho.
Kiarostami filma no exterior e já sabe que seu filme não deve ser exibido no Irã. É lamentável que o país, ao invés de se orgulhar da filmografia que conseguiu construir e que lhe deu inegável projeção cultural no mundo, cale ou interdite a voz de seus melhores cineastas. Regimes de força não conseguem, mesmo, conviver com a crítica, a inovação e o experimentalismo. É algo recorrente.
No caso específico de Kiarostami, ele é hoje um dos mais importantes diretores de cinema em atividade. Tem espaço mais do que suficiente para que seus filmes sejam conhecidos e apreciados em todo o mundo, a partir de sua apresentação nos grandes festivais de cinema europeus. É um cineasta global e um grande artista, que vive contribuindo para que o cinema experimente e avance.
CÓPIA FIEL (Copie Conforme). França-Irã, 2010. Direção: Abbas Kiarostami. Com Juliette Binoche e William Shimell. 106 min.
Diz a sinopse oficial do filme “Cópia Fiel”: “Um homem e uma mulher se encontram em um pequeno vilarejo, no sudoeste da Toscana. O homem, um escritor britânico, que acabou de dar uma palestra em uma conferência. A mulher, francesa, dona de uma galeria de arte. Essa é uma história comum. Poderia acontecer com qualquer um, em qualquer lugar”. Será mesmo? Vindo do talento criativo do diretor iraniano Abbas Kiarostami, não acredite.
Para começar, o homem é um escritor que levanta questões não triviais. Seu livro, Cópia Fiel, que dá nome ao filme, questiona o que é ser original e o que é ser cópia na arte e na vida. Cópias são tratadas como originais, na arte. Quantos “Beijos” de Rodin, por exemplo, originais, existem?
Cópias podem ter função idêntica a originais, no mundo. Cumprir a mesma função prática ou estética. Ou, mesmo, serem mais valorizadas em algumas situações ou por algumas pessoas. O “peso” dos originais pode ser muito grande e incômodo. Evidentemente, tudo isso é muito relativo e, colocado na perspectiva concreta, pode dar origem a dilemas morais interessantes.
Os diálogos entre esse homem e essa mulher vão pontuando, com essa temática, toda a primeira parte do filme. Não são coisas comuns ou banais, embora possam fazer parte da vida das pessoas, em qualquer tempo ou lugar. Não sem conflitos, seguramente.
A horas tantas, “Cópia Fiel” vai promovendo uma virada na relação entre os dois personagens e entramos em cheio na vida conjugal, suas expectativas, desejos, frustrações, lembranças, rancores, abandonos. E a segunda parte do filme mostra todo um universo complexo das relações homem-mulher que, inevitavelmente, nos coloca novos desafios e reflexões tão importantes quanto os que ocuparam as atenções do escritor e da dona da galeria. Quem são eles agora? Cópias fiéis das realidades conjugais? Singularidades que se revelam? Aquilo que estava escondido nos papéis que viviam?
O filme poderia ser visto do meio para a frente e fazer todo o sentido. Poderia também começar daí e continuar na primeira parte, encerrando-se nesse mesmo ponto. Se tivesse só a primeira parte, já seria um média-metragem excelente. Assim como só a segunda. A rigor, ele poderia começar ou terminar no meio. Sua narrativa é circular. E, dependendo da escolha que se fizesse na montagem, ele ensejaria novas visões. Do jeito que está, é uma obra aberta a muitos significados e possíveis interpretações. Qual a verdade? O que é original e o que é cópia, no sentido de quem gerou o quê? E, também, quem somos, o que somos, o que nos move, afinal?
O que parecia uma história comum se revela um filme experimental, com um formato original. Não surpreende, em se tratando de Abbas Kiarostami. Ele sempre buscou novos caminhos. Basta lembrar “Shirin”, de 2009, exibido somente em festivais, sem lançamento comercial no Brasil. Nesse filme, apenas as espectadoras de um teatro são focalizadas, nunca a peça, que só é ouvida. Ele já fez um filme inteiro, utilizando uma pequena câmera dentro de um carro, em “Dez por Dez”, de 2003. Deixou uma câmera fixa e imóvel numa rua portuária, em “Cinco”, de 2004. Tratou do dilema de um suicida, em “Gosto de Cereja” (1997), da construção da cena cinematográfica, em “Através das Oliveiras” (1994). Já em 1987, ele havia feito um lindo filme, todo contado pela ótica de um menino pequeno. “Onde fica a casa do meu amigo?” é uma película marcante, da tendência neorrealista, que o cinema iraniano explorou por meio de personagens infantis, nos anos 1980 e 1990, para fugir aos ditames da censura.
Só que a situação no Irã se complicou, com o recrudescimento da censura e do controle sobre o seu festejado cinema. A ponto de manter na cadeia e proibir de trabalhar um dos mais talentosos diretores do cinema iraniano, Jafar Panahi, de “O Balão Branco” (1995).
“Cópia Fiel” é um filme com personagens europeus ocidentalizados, falado em francês, italiano e inglês. A presença das três línguas aí contribui para mostrar as dificuldades atuais de comunicação, assim como quando o celular interrompe o próprio palestrante. O cartaz mostra Juliette Binoche em lábios com batom forte e longos brincos, o que seria impensável no Irã. Ela foi premiada em Cannes como melhor atriz por essa fita. É realmente um grande desempenho.
Kiarostami filma no exterior e já sabe que seu filme não deve ser exibido no Irã. É lamentável que o país, ao invés de se orgulhar da filmografia que conseguiu construir e que lhe deu inegável projeção cultural no mundo, cale ou interdite a voz de seus melhores cineastas. Regimes de força não conseguem, mesmo, conviver com a crítica, a inovação e o experimentalismo. É algo recorrente.
No caso específico de Kiarostami, ele é hoje um dos mais importantes diretores de cinema em atividade. Tem espaço mais do que suficiente para que seus filmes sejam conhecidos e apreciados em todo o mundo, a partir de sua apresentação nos grandes festivais de cinema europeus. É um cineasta global e um grande artista, que vive contribuindo para que o cinema experimente e avance.
Cópia Fiel
Tatiana Babadobulos
Cópia Fiel (Copie Conforme). França, Itália, Irã, 2010. Direção e roteiro: Abbas Kiarostami. Com Juliette Binoche e William Shimell. 106 minutos.
Com mistura de inglês, italiano e francês (inclusive com ele falando inglês e ela respondendo em francês), a trama vai se desenrolando com a bela região italiana servindo como pano de fundo, tal como o filme “Romance na Itália”, de Roberto Rossellini. Aqui, porém, o cenário não é o foco, haja vista que a câmera do diretor aponta para as pessoas e não para fora do carro, por exemplo, nas cenas nas quais a mulher vai conduzindo o homem até um pequeno vilarejo. E, então, a trama vai instigando o espectador a conhecer mais sobre os personagens que estão sendo apresentados na tela.
As passagens no tempo e o vai e vem mostram que, embora os dois parecessem desconhecidos, talvez sejam casados há 15 anos. Uma confusão que, ao final, não será esclarecida.
Assisti ao filme quando estava em Paris, em junho de 2010, logo depois que a fita havia sido indicada à Palma de Ouro e venceu na categoria Melhor Interpretação Feminina (para Juliette Binoche), no Festival de Cannes 2010.
Na ocasião, entrevista com o diretor foi publicada pela revista “Trois Couleurs” (número 81, by MK2), na qual ele diz que “teria usado os meios habituais [para voltar 15 anos no tempo]: maquiagem, intertítulo, flashback”. “Mas não é este cinema que me interessa”, pontua. E completa: “A ideia era injetar um sangue novo no filme”. Em “Cópia Fiel”, Kiarostami introduz, em uma mise en scéne clássica, uma modernidade real.
O cineasta iraniano é aplaudido pelo cinéfilo internacional, mas profundamente ancorado em um país onde ele escolheu ficar após a revolução islâmica, apesar das restrições ditadas pelo novo regime. “Cópia Fiel”, portanto, marca uma evolução do cineasta, pois este é o primeiro longa-metragem de ficção que ele filma fora do Irã.
“Cópia Fiel” é daqueles filmes que nunca acabam, quando terminam... Fazem o espectador sair da sala de projeção pensando como aquilo que acabou de ser contado é possível. E o final é particular: cada um escolhe o seu.
segunda-feira, 14 de março de 2011
Passe Livre
Tatiana Babadobulos
Passe Livre (Hall Pass) . Estados Unidos, 2011. Direção: Bobby e Peter Farrelly. Roteiro: Pete Jones e Peter Farrelly. Com: Owen Wilson, Jason Sudeikis, Jenna Fisher, Christina Applegate. 105 minutos
Sempre quando assisto aos trailers de comédia, e gosto, me vem a questão: das duas uma, ou o filme é engraçado mesmo ou o editor selecionou as melhores cenas. E só.
Sem preconceito, mas com essa dúvida, fui assistir, na sexta, 11, à estreia do longa-metragem "Passe Livre" ("Hall Pass"). O filme, dirigido pelos irmãos Farrelly (de "Quem Vai Ficar Com Mary"), conta sobre como os amigos Rick (Owen Wilson) e Fred (Jason Sudeikis) conseguiram o passe livre ("uma semana de folga do casamento sem consequências") das respectivas esposas.
Até conquistarem o tal passe livre, o problema dos dois era o mesmo que acomete muitos homens casados: acham que, por causa delas, estão perdendo todas as outras mulheres do mundo. E mais: quando procuradas por sexo, as esposas fingem dormir e os maridos continuam na fissura. E daí vale tudo: ir ao banheiro ou ficar no carro ouvindo música e fazendo outras coisas, se é, caro leitor, que você me entende... Essa cena, aliás, está no filme.
A fita é coberta por clichês. Mostra a mania irritante de todos (isso, eu disse to-dos) os homens de olhar para trás quando uma mulher passa, mesmo estando acompanhado; a ideia de que, ao casarem, teriam a garantia de sexo todas as noites; quando o "Clube do Bolinha" se reúne para jogar pôquer, golfe, ou seja lá o que for, o assunto principal é mulher... principalmente a dos outros, claro. E assim por diante.
Casado há quase 20 anos e pai de três filhos, Rick começa a se cansar da rotina e a paquerar a atendente do café, uma linda e sexy australiana, e vai aumentar ainda mais a ansiedade de conquistá-la quando a esposa o libera a semana toda e decide ficar na casa do pai.
Apesar dos clichês, "Passe Livre" apresenta diálogos engraçados, questões que, como se pode ver, acomete a maioria dos homens casados. Quando encontram a tal liberdade pela qual tanto lutaram, não é tão bacana assim, principalmente porque, acostumados com a vida acompanhado e a idade, claro, não sabe nem aonde ir para paquerar (ou o que falar). E isso, aliás, está no trailer. É quando o grupo de amigos pensa em conhecer novas garotas e vão ao Applebee's, restaurante onde as famílias se encontram para saborear um jantar regado a carne e refrigerante.
"Passe Livre" poderia ter audiência principalmente após a abertura que "Se Beber, Não Case" deu no quesito comédia adulta. O problema é que os irmãos diretores não têm a coragem de ir além do burocrático roteiro, explorando o talendo de Owen Wilson, por exemplo, que tem energia de sobra para fazer rir. E o final, piegas, faz a comédia ser mais romance, o que não convence o time masculino.
domingo, 13 de março de 2011
CORPOS CELESTES
Antonio Carlos Egypto
CORPOS CELESTES. Brasil, 2009. Direção: Marcos Jorge e Fernando Severo. Com Dalton Vigh, Carolina Holanda, Antar Rohit, Rodrigo Cornelsen. 91 min.
“Corpos Celestes” nasceu da junção de duas histórias diferentes, escritas por Marcos Jorge, um dos diretores do filme. Na primeira, originalmente denominada “O Telescópio”, um garoto do interior descobre um estrangeiro estranho e recluso, consegue aproximar-se dele e se tornar seu amigo. Isso mudará a vida desse garoto para sempre, a paixão pela astronomia sendo o maior fruto desse relacionamento.
Em outra história, “O Astrônomo e a Prostituta”, há uma trágica e complexa relação amorosa entre um professor de Astronomia e uma garota de programa que aparece e desaparece misteriosamente.
As histórias foram escritas separadamente, mas acabaram unidas no mesmo roteiro. O garoto será o professor. A astronomia, unindo os dois momentos de vida do personagem e sendo o elemento marcante de toda a película, encarada como uma ciência fundamental para a compreensão das questões essenciais do universo. O tema norteador de fundo será entender quem somos, de onde viemos, para onde vamos. Ou seja, a pretensão do filme é se valer dos personagens para ir ao encontro das dimensões cósmicas que os envolvem. Para reforçar esses objetivos, o filme apresenta efeitos e imagens gráficas que remetem às dimensões tratadas pela astronomia e procuram ser explicativas, didáticas.
Muitíssimo interessante o enfoque astronômico do filme. Ótima a primeira parte da película, dominada pela figura do menino Chiquinho, o ator mirim Rodrigo Cornelsen. Antar Rohit, o estrangeiro Richard, era americano de nascimento e sua fala acentuava a distância entre o seu mundo, o seu tormento, e aquela pequena cidade interiorana que não poderia compreendê-lo. O ator faleceu no ano seguinte ao das filmagens do longa, realizadas em 2006. O filme só foi finalizado três anos depois, após obter os financiamentos para tal.
A segunda parte, que conta a outra história, é, então, desenvolvida. A sensação que fica é mesmo a de dois filmes diferentes. A história do astrônomo e da prostituta, embora mais longa, é menos atraente e não tem a magia da primeira parte. A junção das situações, que envolve o aparecimento em cena de um filho daquele estrangeiro do passado, não chega a convencer. E “Corpos Celestes” se ressente disso: o dois em um.
Não que a segunda história, a de Francisco, o adulto astrônomo, e de Diana, seu louco e desvairado amor fugidio, não seja interessante. Dalton Vigh e Carolina Holanda, que vivem seus papéis, estão bem e o clima de seu relacionamento intriga. Porém, o melhor do filme terá ficado para trás, o que acaba deixando um vago sentimento de decepção, que se acentua pela solução narrativa adotada para o final, aberto e enigmático.
O público costuma esperar que o melhor, o mais atraente, venha no fim. Isso não significa que tudo tenha de acabar bem ou se explicar, mas o impacto tende a ser mais forte nas cenas finais, o que não acontece aqui. O menino e a mágica da descoberta da astronomia, que povoam a primeira parte, são muito mais intensos, poétícos e dramaticamente envolventes do que o seu mundo adulto. E a sensação de duas histórias distintas não desaparece.
Marcos Jorge, que dirigiu o ótimo “Estômago”, em 2007, revela-se novamente um grande contador de histórias. Fez com seu parceiro, Fernando Severo, estreante em longas, mas tarimbado como diretor e produtor de TV e de curtas e médias-metragens, um filme digno e caprichado. Ainda que eles não tenham logrado alcançar uma unidade mais consistente para as duas histórias de “Corpos Celestes”.
CORPOS CELESTES. Brasil, 2009. Direção: Marcos Jorge e Fernando Severo. Com Dalton Vigh, Carolina Holanda, Antar Rohit, Rodrigo Cornelsen. 91 min.
“Corpos Celestes” nasceu da junção de duas histórias diferentes, escritas por Marcos Jorge, um dos diretores do filme. Na primeira, originalmente denominada “O Telescópio”, um garoto do interior descobre um estrangeiro estranho e recluso, consegue aproximar-se dele e se tornar seu amigo. Isso mudará a vida desse garoto para sempre, a paixão pela astronomia sendo o maior fruto desse relacionamento.
Em outra história, “O Astrônomo e a Prostituta”, há uma trágica e complexa relação amorosa entre um professor de Astronomia e uma garota de programa que aparece e desaparece misteriosamente.
As histórias foram escritas separadamente, mas acabaram unidas no mesmo roteiro. O garoto será o professor. A astronomia, unindo os dois momentos de vida do personagem e sendo o elemento marcante de toda a película, encarada como uma ciência fundamental para a compreensão das questões essenciais do universo. O tema norteador de fundo será entender quem somos, de onde viemos, para onde vamos. Ou seja, a pretensão do filme é se valer dos personagens para ir ao encontro das dimensões cósmicas que os envolvem. Para reforçar esses objetivos, o filme apresenta efeitos e imagens gráficas que remetem às dimensões tratadas pela astronomia e procuram ser explicativas, didáticas.
Muitíssimo interessante o enfoque astronômico do filme. Ótima a primeira parte da película, dominada pela figura do menino Chiquinho, o ator mirim Rodrigo Cornelsen. Antar Rohit, o estrangeiro Richard, era americano de nascimento e sua fala acentuava a distância entre o seu mundo, o seu tormento, e aquela pequena cidade interiorana que não poderia compreendê-lo. O ator faleceu no ano seguinte ao das filmagens do longa, realizadas em 2006. O filme só foi finalizado três anos depois, após obter os financiamentos para tal.
Após essa primeira parte, surgem os créditos e o filme é apresentado ao público, dando para alguns até mesmo a ideia de que se tratava de um prólogo.
A segunda parte, que conta a outra história, é, então, desenvolvida. A sensação que fica é mesmo a de dois filmes diferentes. A história do astrônomo e da prostituta, embora mais longa, é menos atraente e não tem a magia da primeira parte. A junção das situações, que envolve o aparecimento em cena de um filho daquele estrangeiro do passado, não chega a convencer. E “Corpos Celestes” se ressente disso: o dois em um.
O público costuma esperar que o melhor, o mais atraente, venha no fim. Isso não significa que tudo tenha de acabar bem ou se explicar, mas o impacto tende a ser mais forte nas cenas finais, o que não acontece aqui. O menino e a mágica da descoberta da astronomia, que povoam a primeira parte, são muito mais intensos, poétícos e dramaticamente envolventes do que o seu mundo adulto. E a sensação de duas histórias distintas não desaparece.
Marcos Jorge, que dirigiu o ótimo “Estômago”, em 2007, revela-se novamente um grande contador de histórias. Fez com seu parceiro, Fernando Severo, estreante em longas, mas tarimbado como diretor e produtor de TV e de curtas e médias-metragens, um filme digno e caprichado. Ainda que eles não tenham logrado alcançar uma unidade mais consistente para as duas histórias de “Corpos Celestes”.
sexta-feira, 11 de março de 2011
RESTREPO
Antonio Carlos Egypto
RESTREPO (Restrepo). Estados Unidos, 2010. Direção de Tim Hetherington e Sebastian Junger. Documentário. 94 min.
A invasão norte-americana do Afeganistão gerou uma guerra que envolve ações perigosas e muitas baixas, tanto de afegãos quanto de estadounidenses. “Restrepo” é um documentário que narra a implantação de um pelotão de soldados dos Estados Unidos no Vale Korengal, Afeganistão, durante um ano.
O Vale Korengal foi considerado um dos postos mais perigosos dessa guerra. O filme se concentra em um posto avançado, com 15 homens, denominado Restrepo, em homenagem ao médico do pelotão, que foi morto nos primeiros tempos dessa ação. Restrepo virou um símbolo dessa batalha arriscadíssima e um tanto inglória, que os soldados travaram no longínquo Afeganistão, na verdade, sem entender bem o que foram fazer lá.
Segundo os diretores do filme, “A guerra no Afeganistão se tornou altamente politizada, mas os soldados raramente participam desse debate. Nossa intenção era captar a experiência de combate, de tédio e de medo, através dos olhos dos próprios soldados (...) Os soldados estão vivendo, lutando e morrendo em postos remotos no Afeganistão, em condições que poucos americanos que ficaram nos Estados Unidos podem imaginar”.
É curioso isso: um país se envolve numa guerra, invade o território considerado inimigo com suas tropas, concorda que seus filhos partam para o front de batalha, mas ignora as condições em que isso se dá. E, seguramente, ignora também o país que está sendo invadido, seus valores, sua cultura, as condições de vida local. É como se se tratasse de um salto no escuro. As consequências, evidentemente, só podem ser traumáticas.
A morte do médico do pelotão que acabou por ser a denominação do local criado e da operação – e, consequentemente, também do documentário – ilustra isso muito bem. Os soldados ficaram abalados com a perda, como se aquilo nunca pudesse acontecer. Ora, quem está na guerra está lá para matar ou morrer. Simples assim.
A Guerra do Golfo televisionada parecia jogo de videogame, as mortes não apareciam a não ser nas estatísticas, essas também falseadas. No ataque às Torres Gêmeas, em Nova York, também não se mostrava gente ferida, morta ou sangue. Mas quando a morte bate à porta, não há maquiagem possível. Arriscar morrer, perder amigos ou companheiros, na casa dos 20 anos de idade, pode até fazer sentido por uma boa causa. Porém, que causa é essa? O que sabem os soldados sobre isso? Como suas famílias recebem uma notícia de morte numa dessas operações militares? A guerra não é um conceito, uma abstração. É uma experiência brutal, desagregadora.
É boa a ideia de uma câmera onipresente, que não julga, participa de tudo e mostra o que consegue daquilo que está acontecendo. É a experiência direta, que dispensa explicações ideológicas ou a análise de autoridades, civis ou militares, cientistas políticos, historiadores. Não há entrevistas esclarecedoras, até porque o que há para esclarecer nessa história toda? O que justifica essa invasão?
A experiência de “estar na guerra”, viver a guerra de perto, que a tela de cinema proporciona, pode ser um banho de realidade para o americano médio, que manda seus filhos às batalhas por patriotismo, sem entender direito o que está acontecendo ou poder avaliar o passo que está sendo dado. Mas, enquanto experiência cinematográfica, não chega a ser algo original. Na ficção ou no documentário, muito já se explorou o que a guerra representa para quem está nela e o que acontece lá.
Recentemente, com muito êxito, o oscarizado “Guerra ao Terror”, de Kathryn Bigelow, de 2009, tratou disso. De forma mais contundente e brilhante, o israelense “Lebanon”, de Samuel Moz, também de 2009, ainda inédito nas telas brasileiras, tratou do cotidiano da guerra de forma exemplar. E não faltarão dezenas de outros exemplos, mais ou menos recentes, ou mesmo entre os clássicos, para ilustrar isso. Parece, contudo, que a cada nova guerra, a cada nova intervenção militar, é necessário purgar outra vez os horrores da guerra e entender suas vicissitudes, para que, quem sabe um dia, ela possa se tornar uma exceção no mundo e não, como ainda é hoje, a sua regra.
“Restrepo” foi um dos cinco indicados a melhor documentário, no Oscar 2011.
RESTREPO (Restrepo). Estados Unidos, 2010. Direção de Tim Hetherington e Sebastian Junger. Documentário. 94 min.
A invasão norte-americana do Afeganistão gerou uma guerra que envolve ações perigosas e muitas baixas, tanto de afegãos quanto de estadounidenses. “Restrepo” é um documentário que narra a implantação de um pelotão de soldados dos Estados Unidos no Vale Korengal, Afeganistão, durante um ano.
O Vale Korengal foi considerado um dos postos mais perigosos dessa guerra. O filme se concentra em um posto avançado, com 15 homens, denominado Restrepo, em homenagem ao médico do pelotão, que foi morto nos primeiros tempos dessa ação. Restrepo virou um símbolo dessa batalha arriscadíssima e um tanto inglória, que os soldados travaram no longínquo Afeganistão, na verdade, sem entender bem o que foram fazer lá.
Segundo os diretores do filme, “A guerra no Afeganistão se tornou altamente politizada, mas os soldados raramente participam desse debate. Nossa intenção era captar a experiência de combate, de tédio e de medo, através dos olhos dos próprios soldados (...) Os soldados estão vivendo, lutando e morrendo em postos remotos no Afeganistão, em condições que poucos americanos que ficaram nos Estados Unidos podem imaginar”.
É curioso isso: um país se envolve numa guerra, invade o território considerado inimigo com suas tropas, concorda que seus filhos partam para o front de batalha, mas ignora as condições em que isso se dá. E, seguramente, ignora também o país que está sendo invadido, seus valores, sua cultura, as condições de vida local. É como se se tratasse de um salto no escuro. As consequências, evidentemente, só podem ser traumáticas.
A morte do médico do pelotão que acabou por ser a denominação do local criado e da operação – e, consequentemente, também do documentário – ilustra isso muito bem. Os soldados ficaram abalados com a perda, como se aquilo nunca pudesse acontecer. Ora, quem está na guerra está lá para matar ou morrer. Simples assim.
A Guerra do Golfo televisionada parecia jogo de videogame, as mortes não apareciam a não ser nas estatísticas, essas também falseadas. No ataque às Torres Gêmeas, em Nova York, também não se mostrava gente ferida, morta ou sangue. Mas quando a morte bate à porta, não há maquiagem possível. Arriscar morrer, perder amigos ou companheiros, na casa dos 20 anos de idade, pode até fazer sentido por uma boa causa. Porém, que causa é essa? O que sabem os soldados sobre isso? Como suas famílias recebem uma notícia de morte numa dessas operações militares? A guerra não é um conceito, uma abstração. É uma experiência brutal, desagregadora.
É boa a ideia de uma câmera onipresente, que não julga, participa de tudo e mostra o que consegue daquilo que está acontecendo. É a experiência direta, que dispensa explicações ideológicas ou a análise de autoridades, civis ou militares, cientistas políticos, historiadores. Não há entrevistas esclarecedoras, até porque o que há para esclarecer nessa história toda? O que justifica essa invasão?
A experiência de “estar na guerra”, viver a guerra de perto, que a tela de cinema proporciona, pode ser um banho de realidade para o americano médio, que manda seus filhos às batalhas por patriotismo, sem entender direito o que está acontecendo ou poder avaliar o passo que está sendo dado. Mas, enquanto experiência cinematográfica, não chega a ser algo original. Na ficção ou no documentário, muito já se explorou o que a guerra representa para quem está nela e o que acontece lá.
Recentemente, com muito êxito, o oscarizado “Guerra ao Terror”, de Kathryn Bigelow, de 2009, tratou disso. De forma mais contundente e brilhante, o israelense “Lebanon”, de Samuel Moz, também de 2009, ainda inédito nas telas brasileiras, tratou do cotidiano da guerra de forma exemplar. E não faltarão dezenas de outros exemplos, mais ou menos recentes, ou mesmo entre os clássicos, para ilustrar isso. Parece, contudo, que a cada nova guerra, a cada nova intervenção militar, é necessário purgar outra vez os horrores da guerra e entender suas vicissitudes, para que, quem sabe um dia, ela possa se tornar uma exceção no mundo e não, como ainda é hoje, a sua regra.
“Restrepo” foi um dos cinco indicados a melhor documentário, no Oscar 2011.
quinta-feira, 10 de março de 2011
Bruna Surfistinha
Tatiana Babadobulos
Bruna Surfistinha. Brasil, 2011. Direção: Marcus Baldini. Roteiro: Homero Olivetto, José de Carvalho e Antônia Pellegrin. Com: Deborah Secco, Drica Moraes, Fabíula Nascimento, Cássio Gabus Mendes.
O livro que virou filme já atraiu um milhão de espectadores ao cinema. "Bruna Surfistinha", longa-metragem sobre a garota de classe média, Raquel, que sai da casa dos pais para ser garota de programa, está fazendo sucesso nos cinemas e está apenas em seu segundo final de semana de exibição.
Ao todo, a fita já arrecadou mais de R$ 9 milhões e está entre os 10 filmes mais vistos do ano. No cinema nacional, é raro quando isso acontece. Vimos recentemente o sucesso de "Tropa de Elite 2", no ano passado, que atingiu o recorde e foi assistido por quase 11 milhões de espectadores.
Segundo o Filme B, o longa produzido pela TV Zero e lançando pela Imagem Filmes foi a segunda abertura de 2011 (liderando o ranking na ocasião da sua estreia) e a sétima entre as aberturas nacionais nos últimos 20 anos.
Estrelado por Deborah Secco e dirigido por Marcus Baldini, "Bruna Surfistinha" começa contando a história de Raquel e como ela era rejeitada na escola, e deixada de lado por sua família. Embora fosse filha adotiva, esse não era o seu problema. O divisor de águas no seu comportamento, segundo o filme, é quando, após ir estudar na casa de um colega da escola, é publicado na internet um vídeo seu fazendo sexo oral no tal colega. A partir daí, ela vira motivo de chacota na classe e decide sair de casa e ganhar as ruas de São Paulo.
Então, Raquel, que mais tarde se tornou Bruna, vai parar em uma casa onde divide o "trabalho" com outras garotas. Não demorou muito para fazer mais sucesso que suas colegas. E, a partir de então, começa a fazer vários programas por dia e a ganhar dinheiro. Muito dinheiro. E daí foi um pulo para começar a ser tratada como uma "prostituta de luxo", principalmente por conta das suas amizades, do seu diferencial e da ajuda da internet.
"Bruna Surfistinha", apesar do tema delicado, trata com muita propriedade e bom gosto as (poucas) cenas de sexo. É pesado, mas não chega a ser vulgar nem deixa a plateia envergonhada com as cenas exibidas, longe de ser as porno chanchadas brasileiras do passado.
O bom humor também está presente no roteiro escrito por Homero Olivetto, José de Carvalho e Antônia Pellegrin, baseado no livro "O Doce Veneno do Escorpião", principalmente quando se trata dos jargões que se usam e na figura da cafetina, vivida por Drica Moraes, ou a também garota de programa Fabíula Nascimento (de "Junto & Misturado"). No papel de um dos clientes, Cássio Gabus Mendes.
Deborah Secco, no papel-título, desfruta de plena forma: tanto física quanto no que diz respeito à interpretação. Entrega-se à personagem e faz com que o espectador se envolva na sua história, quer seja boa ou ruim.
"Bruna Surfistinha" tem alguns problemas cinematográficos, como o roteiro linear, não deixando espaço para a criatividade; narrações em off desnecessárias. Há também, como já foi bastante observado, "furos" na direção de arte, quando mostra equipamentos eletrônicos modernos para a época na qual o filme se passa. Mas esses são os menores dos problemas. Assim como a carreira de Raquel, principalmente após a exploração da internet como forma de divulgação do seu trabalho, o longa também promete seguir em ascenção.
A discussão comportamental e as consequências que podem existir entre as garotas da idade de Raquel sobre seu trabalho e como "se deu bem na vida", é um assunto que deixo para especialistas no assunto, como psicólogos, sociólogos e até mesmo os pais. Aqui, deixo uma lista extensa de filmes que trataram com glamour a vida de outras prostitutas, como "Uma Linda Mulher", "Noites de Cabíria", "A Bela da Tarde", entre tantas outras produções de sucesso.
Bruna Surfistinha. Brasil, 2011. Direção: Marcus Baldini. Roteiro: Homero Olivetto, José de Carvalho e Antônia Pellegrin. Com: Deborah Secco, Drica Moraes, Fabíula Nascimento, Cássio Gabus Mendes.
O livro que virou filme já atraiu um milhão de espectadores ao cinema. "Bruna Surfistinha", longa-metragem sobre a garota de classe média, Raquel, que sai da casa dos pais para ser garota de programa, está fazendo sucesso nos cinemas e está apenas em seu segundo final de semana de exibição.
Ao todo, a fita já arrecadou mais de R$ 9 milhões e está entre os 10 filmes mais vistos do ano. No cinema nacional, é raro quando isso acontece. Vimos recentemente o sucesso de "Tropa de Elite 2", no ano passado, que atingiu o recorde e foi assistido por quase 11 milhões de espectadores.
Segundo o Filme B, o longa produzido pela TV Zero e lançando pela Imagem Filmes foi a segunda abertura de 2011 (liderando o ranking na ocasião da sua estreia) e a sétima entre as aberturas nacionais nos últimos 20 anos.
Estrelado por Deborah Secco e dirigido por Marcus Baldini, "Bruna Surfistinha" começa contando a história de Raquel e como ela era rejeitada na escola, e deixada de lado por sua família. Embora fosse filha adotiva, esse não era o seu problema. O divisor de águas no seu comportamento, segundo o filme, é quando, após ir estudar na casa de um colega da escola, é publicado na internet um vídeo seu fazendo sexo oral no tal colega. A partir daí, ela vira motivo de chacota na classe e decide sair de casa e ganhar as ruas de São Paulo.
Então, Raquel, que mais tarde se tornou Bruna, vai parar em uma casa onde divide o "trabalho" com outras garotas. Não demorou muito para fazer mais sucesso que suas colegas. E, a partir de então, começa a fazer vários programas por dia e a ganhar dinheiro. Muito dinheiro. E daí foi um pulo para começar a ser tratada como uma "prostituta de luxo", principalmente por conta das suas amizades, do seu diferencial e da ajuda da internet.
"Bruna Surfistinha", apesar do tema delicado, trata com muita propriedade e bom gosto as (poucas) cenas de sexo. É pesado, mas não chega a ser vulgar nem deixa a plateia envergonhada com as cenas exibidas, longe de ser as porno chanchadas brasileiras do passado.
O bom humor também está presente no roteiro escrito por Homero Olivetto, José de Carvalho e Antônia Pellegrin, baseado no livro "O Doce Veneno do Escorpião", principalmente quando se trata dos jargões que se usam e na figura da cafetina, vivida por Drica Moraes, ou a também garota de programa Fabíula Nascimento (de "Junto & Misturado"). No papel de um dos clientes, Cássio Gabus Mendes.
Deborah Secco, no papel-título, desfruta de plena forma: tanto física quanto no que diz respeito à interpretação. Entrega-se à personagem e faz com que o espectador se envolva na sua história, quer seja boa ou ruim.
"Bruna Surfistinha" tem alguns problemas cinematográficos, como o roteiro linear, não deixando espaço para a criatividade; narrações em off desnecessárias. Há também, como já foi bastante observado, "furos" na direção de arte, quando mostra equipamentos eletrônicos modernos para a época na qual o filme se passa. Mas esses são os menores dos problemas. Assim como a carreira de Raquel, principalmente após a exploração da internet como forma de divulgação do seu trabalho, o longa também promete seguir em ascenção.
A discussão comportamental e as consequências que podem existir entre as garotas da idade de Raquel sobre seu trabalho e como "se deu bem na vida", é um assunto que deixo para especialistas no assunto, como psicólogos, sociólogos e até mesmo os pais. Aqui, deixo uma lista extensa de filmes que trataram com glamour a vida de outras prostitutas, como "Uma Linda Mulher", "Noites de Cabíria", "A Bela da Tarde", entre tantas outras produções de sucesso.
sexta-feira, 4 de março de 2011
ESPOSA DE MENTIRINHA
Antonio Carlos Egypto
ESPOSA DE MENTIRINHA (Just go with it). Estados Unidos, 2010. Direção: Dennis Dugan. Com Adam Sandler, Jennifer Aniston, Nicole Kidman, Bailee Madison. 98 min.
Comédia romântica é um dos gêneros mais previsíveis do cinema. Ela só corresponde às expectativas se tiver final feliz, após peripécias e dificuldades que se interpõem no caminho dos amantes e levar à idealização do amor romântico. Tudo isso, preferencialmente, contado de forma leve, bem humorada, para divertir. Rir, por exemplo, do mau jeito que geralmente envolve as tentativas de aproximação e conquista, dos percalços a que estão sujeitas as manifestações voluntárias ou involuntárias dos desejos. As surpresas podem aparecer no manejo das situações, em cenas determinadas, mas tudo dentro de um todo previsível. Para ir além disso, só mesmo extrapolando ou implodindo o gênero cinematográfico. Isso vale não só para comédia romântica, mas para todos os outros gêneros.
“Esposa de mentirinha” é um típico exemplar do gênero. Quem for assistir, já sabe o que pode esperar. Não vai se surpreender, mas pode se divertir com o filme, desde que não espere mais do que uma comédia romântica pode oferecer. Também não vai se decepcionar. É um bom produto desse gênero, com escassas grossuras ou vulgaridades. E situações que produzem sorrisos ou risadas moderadas. Portanto, o filme cumpre seu papel no cinema de entretenimento a que está vinculado.
Danny (Adam Sandler) é um cirurgião plástico que se interessa por uma linda mulher, bem mais jovem do que ele: Maggie (Bailee Madison). Ele se encanta de tal forma, que quer mais do que um envolvimento ocasional. Ela é desconfiada e tem certeza de que um homem como ele é casado. Ele não é, mas resolve fingir ser e estar se divorciando. Essa farsa, acredita ele, o levará a conquistá-la.
Para viabilizar a encenação, ele conta com sua leal assistente, Katherine (Jennifer Aniston), para fazer o papel de sua mulher. Circunstâncias inesperadas acabam envolvendo também o casal de filhos dela e tudo acaba num fim de semana em que todos os personagens citados vão para o Havaí. O filho mais novo está fixado em nadar com golfinhos, no Havaí, e, esperto e chantagista, consegue o intento. Sua irmã mais velha terá toda a oportunidade de praticar seu sonho, que é ser atriz.
É lá que muita coisa vai acontecer, inclusive, Katherine reencontrar uma antiga colega de faculdade, insuportável: Devlin, um papel ingrato, que Nicole Kidman encarou de forma pouco convincente. O mais ridículo da história sobrou para ela. Ao final, tudo muda, na vida desses personagens, inclusive o comportamento de Devlin. Todo mundo se ajeita, cresce ou amadurece. E a idealização romântica triunfará mais uma vez. Não é para isso mesmo que existe esse tipo de filme?
ESPOSA DE MENTIRINHA (Just go with it). Estados Unidos, 2010. Direção: Dennis Dugan. Com Adam Sandler, Jennifer Aniston, Nicole Kidman, Bailee Madison. 98 min.
Comédia romântica é um dos gêneros mais previsíveis do cinema. Ela só corresponde às expectativas se tiver final feliz, após peripécias e dificuldades que se interpõem no caminho dos amantes e levar à idealização do amor romântico. Tudo isso, preferencialmente, contado de forma leve, bem humorada, para divertir. Rir, por exemplo, do mau jeito que geralmente envolve as tentativas de aproximação e conquista, dos percalços a que estão sujeitas as manifestações voluntárias ou involuntárias dos desejos. As surpresas podem aparecer no manejo das situações, em cenas determinadas, mas tudo dentro de um todo previsível. Para ir além disso, só mesmo extrapolando ou implodindo o gênero cinematográfico. Isso vale não só para comédia romântica, mas para todos os outros gêneros.
“Esposa de mentirinha” é um típico exemplar do gênero. Quem for assistir, já sabe o que pode esperar. Não vai se surpreender, mas pode se divertir com o filme, desde que não espere mais do que uma comédia romântica pode oferecer. Também não vai se decepcionar. É um bom produto desse gênero, com escassas grossuras ou vulgaridades. E situações que produzem sorrisos ou risadas moderadas. Portanto, o filme cumpre seu papel no cinema de entretenimento a que está vinculado.
Danny (Adam Sandler) é um cirurgião plástico que se interessa por uma linda mulher, bem mais jovem do que ele: Maggie (Bailee Madison). Ele se encanta de tal forma, que quer mais do que um envolvimento ocasional. Ela é desconfiada e tem certeza de que um homem como ele é casado. Ele não é, mas resolve fingir ser e estar se divorciando. Essa farsa, acredita ele, o levará a conquistá-la.
Para viabilizar a encenação, ele conta com sua leal assistente, Katherine (Jennifer Aniston), para fazer o papel de sua mulher. Circunstâncias inesperadas acabam envolvendo também o casal de filhos dela e tudo acaba num fim de semana em que todos os personagens citados vão para o Havaí. O filho mais novo está fixado em nadar com golfinhos, no Havaí, e, esperto e chantagista, consegue o intento. Sua irmã mais velha terá toda a oportunidade de praticar seu sonho, que é ser atriz.
É lá que muita coisa vai acontecer, inclusive, Katherine reencontrar uma antiga colega de faculdade, insuportável: Devlin, um papel ingrato, que Nicole Kidman encarou de forma pouco convincente. O mais ridículo da história sobrou para ela. Ao final, tudo muda, na vida desses personagens, inclusive o comportamento de Devlin. Todo mundo se ajeita, cresce ou amadurece. E a idealização romântica triunfará mais uma vez. Não é para isso mesmo que existe esse tipo de filme?
quinta-feira, 3 de março de 2011
Rango
Tatiana Babadobulos
Rango. Estados Unidos, 2011. Direção: Gore Verbinski. Roteiro: John Logan. Com vozes de Johnny Depp, Isla Fisher, Alfred Molina. 107 minutos
Tudo começa quando Rango (com voz de Johnny Depp, na versão original), o tal camaleão, literalmente cai do carro no qual viajava em uma cidade em um lugar inóspito. Enquanto vivia no aquário, Rango tinha a pretensão de ser ator e inventava histórias com os personagens que tinha à disposição, como o peixinho e uma boneca sem cabeça.
O local onde foi parar lembra o deserto mexicano, ou algum lugar do Velho Oeste, principalmente por conta da parte arenosa e das corujas que cantam música com sotaque. Mas lá existe um grande problema: a falta d'água. E ele terá de se adaptar e lidar com figuras estranhas, corruptas e ardilosas para conseguir trazer de volta a água, e, consequentemente, a vida dos que moram ali.
Além de enfrentar o calor, Rango precisa também encarar os inimigos, como o prefeito tartaruga, a cascavel, capivaras que roubam bancos, répteis venenosos. Porém, é com a ajuda de Feijão (Isla Fisher), uma lagarta, que consegue sair do meio do nada.
O respeito dos outros ele começa a ganhar a partir do momento que liquida (com uma bala) a águia que ronda a cidade e da qual todos, sem exceção, têm medo. Mas daí gera outro problema...
Rango, que era um animal de estimação e vivia em um aquário, começa a sofrer crise de identidade, inventa situações inusitadas, fazendo cenas engraçadas, principalmente quando temos a voz de Johnny Depp dando vida ao personagem. Destaque também para o Tatu, com voz de Alfred Molina, e cheio de lições de sabedoria para dar.
Dirigido por Gore Verbinski (de “Piratas do Caribe”), o longa-metragem apresenta uma inovação incrível no que diz respeito à criação dos personagens, sua pelagem e todo o desenho desenvolvido com a ajuda do computador.
A fita lembra bastante os filmes de faroeste, como os produzidos por John Ford, além dos protagonizados por John Wayne, como “Bravura Indômita”, que foi refilmado pelos irmãos Coen recentemente.
Para fazer a animação, o diretor contou com a ajuda de especialistas em filmes live-action (ao vivo). Sendo assim, a equipe montou um verdadeiro saloon com um bar de madeira e portas de vai-e-vem para que os atores interpretassem as vozes enquanto estivessem gravando as vozes. Assim, a chance de parecer real é muito maior. Para compor a trilha sonora, Hans Zimmer ficou encarregado de modo a passar uma sensação de live-action à animação. Ou seja: tudo para parecer de verdade. E deu certo!
“Rango” não é uma típica animação produzida pela Disney-Pixar, ou pela DreamWorks, estúdios responsáveis por histórias como “Toy Story” e “Shrek”, respectivamente; “Rango” tem humor irreverente e trata de temas profundos, como corrupção, falta d'água, escassez, coisas que, infelizmente, nos são tão caras. Talvez por isso os adultos se divirtam mais que as crianças. Ni limite, existe chance extra de os pequenos aprenderem como é difícil ser adulto por conta dos problemas que enfrentamos, e consigam, desde já, dar um jeito nisso.
quarta-feira, 2 de março de 2011
LOPE
Antonio Carlos Egypto
LOPE (Lope). Espanha-Brasil, 2010. Direção: Andrucha Waddington. Com Alberto Ammann, Leonor Watling, Pilar Lopez de Ayala, Luis Tosar, Selton Mello, Sônia Braga. 106 min.
“Lope” é uma cinebiografia da juventude de Lope de Vega, dramaturgo, poeta lírico e romancista, um dos nomes mais importantes da literatura espanhola de todos os tempos. Nascido em 1562, viveu até 1635, tendo sido contemporâneo de William Shakespeare (1564-1616) e do seu conterrâneo, alguns anos mais velho, Miguel de Cervantes (1547-1616).
Vendo aos olhos de hoje, Shakespeare e Cervantes são tão grandes que ofuscam qualquer tipo de concorrência. Ocorre que Lope da Vega viveu bem mais do que o bardo inglês e produziu uma obra enorme, bem maior do que a de Cervantes, da qual boa parte se perdeu.
O filme focaliza a fase jovem do artista, centrando-se principalmente num triângulo amoroso que quase o destrói. Mas o amor de duas mulheres acaba por salvá-lo e lhe permitir viver uma longa e intensa vida produtiva.
Lope, segundo o filme, seria não só um apaixonado amante das mulheres, como alguém intempestivo, capaz de desafiar as regras e, literalmente, como se diz hoje, capaz de “chutar o pau da barraca”. Tesão e arroubos da juventude, espírito inquieto, contestador e criativo, foram capazes de levá-lo tanto à glória e ao sucesso popular no teatro, quanto a intensas aventuras e dramas passionais, nessa época de sua vida.
Inovava como dramaturgo, ao ousar misturar tragédia e comédia, rompendo com os cânones do teatro que então se fazia. Ambicioso e autoconfiante, se permitiu “melhorar” texto de Cervantes, quando contratado como copista. Audácia não lhe faltava. Talvez lhe faltasse, nesse período, moderação e equilíbrio. Sua vida poderia ter sido muito mais tranquila se tivesse tais atributos. Lidaria com seus conflitos muito melhor. É o que se deduz do filme. Mas, se fosse assim, a narrativa de “Lope” seria muito menos interessante.
O personagem é fascinante e a direção do brasileiro Andrucha Waddington cria uma mise-en-scène que o valoriza muito, destacando sua sensibilidade e humanidade, ao mesmo tempo em que mostra toda a sua vulnerabilidade, evitando o tratamento heróico.
O filme nos transporta visualmente a uma época de pouca luz, cores escuras e pouco brilho, que combina com um ambiente onde a higiene era mais do que precária, virtualmente desconhecida. Os dentes eram negros e os trajes, sujos. As moradias, mesmo as dos ricos, tendiam a ser insalubres. O convívio com a natureza e os animais, muito intenso, e as grandes paisagens permitem planos panorâmicos muito bonitos. E a película prende a atenção e envolve o público, também em função do ritmo em que se desenvolve a trama. Um belo espetáculo.
Andrucha tem, assim, a oportunidade de realizar um épico com uma produção internacional muito bem cuidada com um ótimo elenco, que lhe permitiu obter grandes desempenhos. Com direito a pequenos papéis para Sônia Braga e Selton Mello.
Seus trabalhos anteriores podem não ter tido todos esses recursos, mas já mostravam o talento do diretor e sua capacidade de extrair grandes desempenhos de seus atores. Também, pudera: “Casa de Areia”, de 2005, tinha nada mais, nada menos, do que Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, na paisagem deslumbrante dos lençóis maranhenses. “Eu, Tu, Eles”, de 2000, não ficava atrás, com Regina Casé, Lima Duarte e Stênio Garcia, no sertão nordestino. Nois dois casos, belos ambientes que são também áridos e capazes de sufocar. Nisso se parecem com a Europa renascentista de “Lope”, que ainda apresenta traços do período medieval.
LOPE (Lope). Espanha-Brasil, 2010. Direção: Andrucha Waddington. Com Alberto Ammann, Leonor Watling, Pilar Lopez de Ayala, Luis Tosar, Selton Mello, Sônia Braga. 106 min.
“Lope” é uma cinebiografia da juventude de Lope de Vega, dramaturgo, poeta lírico e romancista, um dos nomes mais importantes da literatura espanhola de todos os tempos. Nascido em 1562, viveu até 1635, tendo sido contemporâneo de William Shakespeare (1564-1616) e do seu conterrâneo, alguns anos mais velho, Miguel de Cervantes (1547-1616).
Vendo aos olhos de hoje, Shakespeare e Cervantes são tão grandes que ofuscam qualquer tipo de concorrência. Ocorre que Lope da Vega viveu bem mais do que o bardo inglês e produziu uma obra enorme, bem maior do que a de Cervantes, da qual boa parte se perdeu.
O filme focaliza a fase jovem do artista, centrando-se principalmente num triângulo amoroso que quase o destrói. Mas o amor de duas mulheres acaba por salvá-lo e lhe permitir viver uma longa e intensa vida produtiva.
Lope, segundo o filme, seria não só um apaixonado amante das mulheres, como alguém intempestivo, capaz de desafiar as regras e, literalmente, como se diz hoje, capaz de “chutar o pau da barraca”. Tesão e arroubos da juventude, espírito inquieto, contestador e criativo, foram capazes de levá-lo tanto à glória e ao sucesso popular no teatro, quanto a intensas aventuras e dramas passionais, nessa época de sua vida.
Inovava como dramaturgo, ao ousar misturar tragédia e comédia, rompendo com os cânones do teatro que então se fazia. Ambicioso e autoconfiante, se permitiu “melhorar” texto de Cervantes, quando contratado como copista. Audácia não lhe faltava. Talvez lhe faltasse, nesse período, moderação e equilíbrio. Sua vida poderia ter sido muito mais tranquila se tivesse tais atributos. Lidaria com seus conflitos muito melhor. É o que se deduz do filme. Mas, se fosse assim, a narrativa de “Lope” seria muito menos interessante.
O personagem é fascinante e a direção do brasileiro Andrucha Waddington cria uma mise-en-scène que o valoriza muito, destacando sua sensibilidade e humanidade, ao mesmo tempo em que mostra toda a sua vulnerabilidade, evitando o tratamento heróico.
O filme nos transporta visualmente a uma época de pouca luz, cores escuras e pouco brilho, que combina com um ambiente onde a higiene era mais do que precária, virtualmente desconhecida. Os dentes eram negros e os trajes, sujos. As moradias, mesmo as dos ricos, tendiam a ser insalubres. O convívio com a natureza e os animais, muito intenso, e as grandes paisagens permitem planos panorâmicos muito bonitos. E a película prende a atenção e envolve o público, também em função do ritmo em que se desenvolve a trama. Um belo espetáculo.
Andrucha tem, assim, a oportunidade de realizar um épico com uma produção internacional muito bem cuidada com um ótimo elenco, que lhe permitiu obter grandes desempenhos. Com direito a pequenos papéis para Sônia Braga e Selton Mello.
Seus trabalhos anteriores podem não ter tido todos esses recursos, mas já mostravam o talento do diretor e sua capacidade de extrair grandes desempenhos de seus atores. Também, pudera: “Casa de Areia”, de 2005, tinha nada mais, nada menos, do que Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, na paisagem deslumbrante dos lençóis maranhenses. “Eu, Tu, Eles”, de 2000, não ficava atrás, com Regina Casé, Lima Duarte e Stênio Garcia, no sertão nordestino. Nois dois casos, belos ambientes que são também áridos e capazes de sufocar. Nisso se parecem com a Europa renascentista de “Lope”, que ainda apresenta traços do período medieval.