terça-feira, 22 de março de 2011
NÃO ME ABANDONE JAMAIS
Antonio Carlos Egypto
NÃO ME ABANDONE JAMAIS (Never Let Me Go). Inglaterra, 2010. Direção: Mark Romanek. Com Keira Knightley, Carey Mulligan, Andrew Garfield. 107 min.
A clonagem humana é hoje uma possibilidade concreta. Para ser efetivamente aplicada, teria de superar falhas e consequências que a ciência ainda não domina. E tomar decisões éticas baseadas em valores coletivos que as diferentes culturas teriam de avaliar. Há, ainda, muitas implicações de ordem econômica. Enfim, são muitas questões. É difícil saber se um dia ela poderá se tornar um fato palpável.
Já que existe a possibilidade, é natural que a ficção se interesse por ela e especule sobre o que ela poderia trazer de conflitos para a humanidade. A clonagem de órgãos para aplicação em transplantes é uma perspectiva mais próxima. Imagine-se, então, a hipótese de organismos humanos serem isolados e educados até a idade de adultos jovens, para servirem unicamente ao objetivo de doarem seus órgãos, um após o outro, até morrerem. Jovens sem perspectiva de futuro, não lhes restaria outra escolha do que aquela de se prepararem para a morte inevitável e prematura. Sombrio, não?
Têm essas características os personagens de “Não Me Abandone Jamais”, um filme bem produzido, de belas imagens, e protagonizado por três jovens atores. Um filme inevitavelmente triste, mas que levanta algumas questões importantes, dentro desse tema. Organismos clonados são pessoas com sentimentos, desejos, impulsos, vontade de viver. Têm inclinações artísticas, logo, têm o que poderiamos chamar de alma. Por mais que tenham sido isolados do mundo no seu processo educacional, vivendo numa realidade à parte, o mundo chegará até eles em algum momento. Mais do que tudo, suas vidas interiores se manifestarão.
Jovens se envolvem, se apaixonam e disputam o objeto amado. Como viver tudo isso sem perspectiva de futuro? Quem sabe, alimentando a esperança de que lhes será dado algum tempo a mais, se forem mesmo capazes de amar genuinamente.
A película entra em cheio na história de um triângulo amoroso, com os ingredientes habituais, porém, com seres especiais, destinados à morte em juventude. É como se Romeu e Julieta não tivessem morrido por obra de um destino impiedoso e do acaso trágico, mas soubessem de antemão que seu final seria aquele e que estaria chegando. Como viveriam seu amor, diante da fatalidade anunciada?
Uma história como essa, em princípio, deveria nos levar ao futuro, mas, curiosamente, o filme opta por imaginá-la como se fosse possível há mais ou menos 30 anos atrás. De modo que os personagens vão crescendo e chegam na atualidade em idades que se aproximam desses 30 anos. Essa escolha produz um estranhamento, assim como elementos cenográficos que parecem deslocados. Num dos momentos do filme de que me lembro, aparece a data de 1995 e, logo a seguir, se destaca numa cena um toca-discos para long play. Creio que não se vê televisão ou Internet, no filme. Anacronismo dos personagens? Não ficou claro para mim.
O fato é que a fita tem, o tempo todo, essa cara de passado e, no entanto, trata de uma questão que é futurista. Isso produz um certo ruído, uma estranheza, que não chega a abalar a narrativa dramática. Essa se desenvolve competentemente. É preciso se deslocar do foco emocional, da identificação com a tragédia dos personagens, para dar atenção a esses aspectos do filme. É provável que muitos espectadores não deem qualquer importância a isso. O que não passará despercebido, por certo, é a forma como os jovens recebem e encaram sua sina.
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