Antonio Carlos Egypto
CONTOS DA ERA DOURADA (Tales from the Golden Age). Romênia, 2009. Roteiro: Cristian Mungiu. Direção: Ioana Uricaru, Hanno Hoffer, Razvam Márculescu, Constantin Popescu e Cristian Mungiu. Com: Alexandru Potocean, Avram Birau, Diana Cavallioti, Radu Iacoban, Romeu Tudor, Tania Popa. 155 min.
Regimes opressores costumam produzir grandes restrições à liberdade, controles, censura e, sobretudo, medo. Mas também produzem perseguições tão absurdas que acabam por gerar piadas históricas ou lendas que se propagam.
Na ditadura militar brasileira, foram muitos os fatos que viraram folclore, tanto que Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, cunhou a expressão “o festival de besteiras que assola o país”, naquele período. Uma dessas me vem à mente agora: no afã de encontrar material subversivo nas repúblicas estudantis da turma engajada na luta contra a ditadura, livros sobre a “resistência dos materiais”, utilizados por currículos de engenharia e arquitetura, eram apreendidos como se fossem obras de marxistas que resistiam ao regime. Imaginem o que não deve ter acontecido durante o longo período do ditador Nicolae Ceausescu, que chefiou o regime comunista da Romênia, de 1965 a 1989.
“Contos da Era Dourada” apresenta seis histórias supostamente verídicas, que ilustram, na base do humor e do non-sense, o clima da chamada era dourada, ironicamente, o período dos últimos quinze anos do regime, que parecem ter sido os piores de toda a história do país.
Época em que a falta de comida e de dinheiro, aliada ao medo de serem flagrados por uma polícia que cumpria leis dracônicas sem pestanejar, produzia grandes absurdos, como tentar matar um porco num apartamento sem que ninguém notasse. Ou passar por fiscal de água e de ar para roubar garrafas vazias e, com elas, obter dinheiro para comprar um carro popular. Ou, ainda, roubar ovos de galinhas oficiais que eram transportadas por longas distâncias e cujo veículo não podia parar.
Seguir ordens irracionais de ativistas do partido ou representantes do governo à passagem de comitiva oficial por pequenos lugarejos, como arrebanhar ovelhas dos campos para expô-las na estrada ou pôr literalmente todos os habitantes da localidade a girar num tipo de roda gigante, são exemplos de situações que produzem comicidade um tanto involuntária. Há ainda o caso do excesso de zelo do fotógrafo oficial que acabou resultando numa foto de Ceausescu com um chapéu na mão e outro na cabeça.
O filme é muito simpático e divertido. Realizado a partir de roteiro de Cristian Mungiu, que é também produtor e diretor de um dos seis episódios da película. O seu talento já está comprovado nesta comédia e também no drama “4 meses, 3 semanas e 2 dias”, brilhante trabalho cinematográfico que capta esse medo produzido pelo regime de Ceausescu, na situação de um aborto clandestino. E faz o melhor filme que eu vi sobre a questão do aborto, em que a ilegalidade produz um mal-estar insuportável, mas a tragédia, solução óbvia e fácil para o tema, fica de fora. Lá na Romênia ditatorial ou aqui no Brasil democrático, as coisas são similares na clandestinidade. Um filme, premiado em Cannes, que veio para ficar.
“Contos da Era Dourada” é menos pretensioso ou profundo, mas é um registro muito competente do clima cômico/opressivo das ditaduras mundo afora. Desmoraliza todas elas, à direita ou à esquerda, apostando no ridículo das histórias que elas são capazes de criar. E tudo é mostrado em baixos tons de ação, expressão, cor e som, o que faz o clima do filme totalmente convincente e produz sorrisos que passam pela consciência e pela reflexão.
É mais um produto inteligente e bem acabado do cinema romeno da atualidade, em que o nome de Cristian Mungiu se destaca, mas vários outros novos nomes da direção cinematográfica do país aparecem para o público brasileiro e mundial, num desses raros filmes de episódios que têm unidade.
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