quinta-feira, 24 de abril de 2025

12:12:O DIA e FRANCESA NA COREIA

         Antonio Carlos Egypto 



12:12:O DIA (12.12:The Day).  Coreia do Sul, 2024.  Direção: Kim Sung-soo.  Elenco: Hwang-jung-min, Jung Woo-sung, Lee Sung-min, Park-Hae-joon, Kim Sung-kyun.  141 min.

 

Um filme que trata de golpe de Estado é o coreano “12:12: O Dia”, que estava previsto para chegar aos cinemas brasileiros em janeiro, não aconteceu, já foi objeto de uma postagem aqui naquele período, e agora finalmente chega às telonas. Portanto, reproduzo aqui o comentário que eu já havia postado anteriormente. É um filme que merece atenção, representou a Coreia do Sul no Oscar de filme internacional.

 

O dia 12 de dezembro de 1979 ficou marcado como aquele que deu início a um golpe militar, após muitos confrontos internos nas Forças Armadas e acabou pondo fim a uma “primavera” coreana, uma situação em que a abertura política e uma visão mais aberta e liberal do poder sucumbiu à força das armas.  Isso iria mudar ao longo dos anos 1980, mas o momento relatado no filme foi aquele que pôs em confronto as forças do Comandante Chum-Doo-gwang com as forças de resistência do Comandante Lee-Tae-shin, após o assassinato do presidente Park e da decretação da lei marcial.

 

O impressionante desse filme, dirigido por Kim-Sung-soo, é que ele reconstrói, passo a passo, com alguns elementos ficcionais, os eventos de ação e reação dentro das Forças Armadas que foram ocorrendo até a consumação do golpe de Estado.  Vemos as forças em ação, avanços e recuos, a incerteza de cada decisão, de lado a lado, os dilemas morais e os confrontos pessoais, no meio das ações políticas e, principalmente, das  militares.

 

Acaba sendo um belo filme de ação, que se vale do substrato de uma realidade política, que deixa muito claro que a democracia só sobrevive se for defendida e, ainda assim, qualquer percalço pode colocá-la em risco.

 

“12:12: O Dia” foi o filme de maior sucesso de público na Coreia do Sul no ano passado e chega em hora decisiva e oportuna, nos momentos em que, em dezembro de 2024, o presidente Yoon Suk-yeol tentou um golpe, ao declarar lei marcial, fechar o Parlamento e restringir a liberdade de imprensa.  Acabou sofrendo impeachment e foi preso.  Ou seja, a história se repete a todo instante.  Às vezes com sucesso, às vezes, sem.  É preciso estar atento, por isso filmes como esse são importantes de serem vistos e comentados.

  




Ainda está em cartaz nos cinemas um outro filme da Coreia do Sul, que prima pela simplicidade e pelo minimalismo.  É “As Aventuras de Uma Francesa na Coreia” (Yeohaengjaui Pilyo).  A direção e o roteiro são do já bastante conhecido do público cinéfilo Hong-Sang soo.  No elenco, Isabelle Hupert faz a francesa e interage com Hye-Yang lee e Hae-Hio kwon, entre outros.  Ali, uma vez mais, no cinema desse cineasta, o que está em questão é o relacionamento humano, o diálogo que se dá em volta da mesa com bebida e comida e as necessidades humanas das pessoas com alguma vulnerabilidade.  E também as saídas que as pessoas encontram para driblar os problemas, sejam eles de ordem econômica ou psicológica. Aqui, nesse cinema de encontros destaca-se o makgeolli, um vinho de arroz típico da Coreia que encanta a francesa e impulsiona as conversas.  Acaba levando a respostas que, tanto expõem os preconceitos, quanto acentuam os mistérios da situação mostrada.  90 min.



quinta-feira, 17 de abril de 2025

BOLERO, A MELODIA ETERNA

Antonio Carlos Egypto

 



BOLERO, A MELODIA ETERNA (Bolero).  França, 2024.  Direção: Anne Fontaine.  Elenco: Raphaël Personnaz, Doria Tillier, Jeanne Balibar, Emmanuelle Devos.  120 min.

 

Maurice Ravel (1875-1937) compôs a música mais executada de todos os tempos no mundo: o seu famoso Bolero, lançado em 1928 e que até hoje é ouvido sempre em todos os cantos do planeta.  Impressionante!

 

Uma música clássica/popular que vai num ritmo sempre crescente, uma repetição obstinada de seu tema, uma orquestração original brilhante.

 

Se os anos 1920 parisienses foram os anos loucos, da maior vibração nas artes, não se pode dizer que Ravel tenha sido dos mais entusiasmados.  Pelo menos, a julgar pelo filme de Anne Fontaine, que o mostra na caracterização de Raphaël Personnaz como alguém comedido, contido, exigente com sua própria obra.  E que jamais teria avaliado o Bolero como sua obra-prima.  Ele até se assustou com o sucesso da música.

 


Concebida com dificuldades durante todo o processo de sua criação, postergada ao máximo, superando uma crise criativa, foi encomendada pela coreógrafa Ida Rubinstein para seu próximo balé.  A inspiração para Ravel estava no movimento e no som das máquinas de uma fábrica.  Mas o balé revelou seu lado empolgante, carnal, erótico. São os subterrâneos tempestuosos da música que transcendem o próprio espírito do compositor.  Fruto de imaginação e de perfeição técnica.

 

Igor Stravinsky (1882-1971) descreveu Ravel como “o mais preciso relojoeiro suíço”.  Mas sua música tem também muito impacto e emoção.  Bem maior do que a sua vida, ao menos se tomarmos como referência essa cinebiografia.

 

Na verdade, o filme se dedica a contar a história do Bolero mais do que a de Ravel.  Como cinebiografia, o filme não empolga.  Mas tem a música maravilhosa de Ravel, não só o Bolero, as composições para piano e orquestra, suas orquestrações extraordinárias (a mais famosa sendo a versão de “Quadros de Uma Exposição”, de Mussorgsky) e alguns trechos   de outros compositores clássicos.  Isso torna o filme delicioso, fascinante para os amantes da música erudita e sua relação com a música popular.  Ravel, de certo modo, rompeu os limites entre a chamada música ligeira e a música considerada mais séria. 

 

Se sua vida, o amor impossível por sua musa Misia e a dificuldade com as mulheres, não lhe trouxe muito prazer, sua música nos oferece um enorme prazer estético.  A começar pelo infatigável Bolero, que nos arrebata sempre.



terça-feira, 15 de abril de 2025

DOCUMENTÁRIOS EM DESTAQUE

Antonio Carlos Egypto

 

AMIR LABAKI, diretor/fundador do festival

Terminou a 30ª. edição do Festival Internacional de Documentários É TUDO VERDADE (It’s All True).  Já comentei aqui alguns dos filmes apresentados em duas postagens recentes, abordando os brasileiros “Ritas”, “Lan, o Caricaturista”, “Minha Terra Estrangeira” e “Os Ruminantes”.  O vencedor brasileiro do Festival, segundo o júri, foi “Copan”, uma radiografia desse prédio icônico do centro de São Paulo, que é um microcosmo da realidade urbana e da diversidade da sociedade brasileira.  A diretora, Carine Wallauer, costura a vida do prédio a partir da atuação dos servidores e mantenedores da grande estrutura que abriga 5000 pessoas, uma autêntica cidade, de cenas casuais ou encenadas, que refletem momentos, circunstâncias, flashes.  Mas o único personagem é mesmo o prédio, com suas lojas, serviços, bares e restaurantes, gente por todo lado, na calçada, no alto do prédio e até fazendo campanha eleitoral por Bolsonaro ou Lula, em 2022, ou festejando a vitória do candidato petista.  E na bela perspectiva vista do alto, em meio à profusão de luzes da grande megalópolis.

 

Gostei também de ver “Viva, Marília”, filme que abriu o Festival no Rio, dirigido por Zelito Viana, de longa contribuição ao cinema desde os anos 1970.  É a vida da grande atriz Marília Pêra que, com uma vasta obra, que ela mesma comenta ao longo das décadas de 1960, 1970 e 1980, reflete o próprio país e a força das mulheres na cultura brasileira.

 

Eu também já havia comentado o excelente documentário holandês “O Propagandista” e o norte-americano, que aborda a vida e a obra de Liza Minnelli.  Apreciei ainda “Meus Fantasmas Armênios”, de Tamara Stepanyan, que nos mostra o esquecido cinema armênio, que parece refletir o esquecido genocídio vivido por esse povo, que do domínio turco se integrou à União Soviética stalinista, sem poder cultivar a riqueza cultural de que dispõe.

 


O vencedor internacional escolhido pelo júri foi o filme do Afeganistão, “Escrevendo Hawa”, de Najiba Noori.  Uma história tocante de uma mulher que tenta aprender a ler e a escrever e a inserir-se num mundo novo que se abria às mulheres.  Isso se o Talibã não tivesse voltado ao poder, assim que as tropas estadunidenses de ocupação deixaram o território afegão.  Hawa, a mulher, ficou lá com sua neta, enquanto a filha vive como refugiada na França, tentando ajudá-las a lutar por seus sonhos e liberdade.  O filme capta a queda de Cabul e o colapso dos sonhos de três gerações no único país do mundo em que não é permitido às mulheres frequentar escola, estudar e entender minimamente a realidade em que vivem.

 

O saldo do Festival, uma vez mais, foi amplamente recompensador para todos que apreciam a força do documentário no mundo do cinema.  Essa força é hoje bastante evidente.




domingo, 13 de abril de 2025

A BATALHA DA RUA MARIA ANTÔNIA

Antonio Carlos Egypto

 


A BATALHA DA RUA MARIA ANTÔNIA.  Brasil, 2023. Direção: Vera Egito.  Elenco: Pâmela Germano, Gabriela Carneiro da Cunha, Caio Horowicz, Isamara Castilho, Juliana Gerais.  84 min.

 

Numa tarde de outubro de 1968, tomei um ônibus para ir à aula do curso de Ciências Sociais da USP, no prédio da rua Maria Antônia.  Faltando pouco mais de um ano de curso para concluí-lo, era uma ação minha de rotina.  Mesmo sabendo do clima tenso e de confronto que existia entre a Filosofia e o Mackenzie, de onde partiam ataques do tal CCC (Comando de Caça aos Comunistas), que também agredira a peça “Roda Viva”, de Chico Buarque, encenada por José Celso Martinez Corrêa, não imaginava que uma guerra campal iria se estabelecer ali, com a rua fechada pela polícia, que depois invadiria o prédio da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da USP.  Conclusão, não só não assisti à aula daquele dia como não assisti a mais nenhuma aula no prédio da Maria Antônia.  Concluí o curso na Cidade Universitária.

 

Fui ver agora o filme de Vera Egito, “A Batalha da Rua Maria Antônia”, de 2023, que está em cartaz nos cinemas.  Claro que é impossível assisti-lo sem lembrar daquele período com emoção.  Eu era participante do movimento estudantil, inclusive cheguei a ser diretor cultural do DCE (Diretório Central de Estudantes) da USP, mas não entrei nessa batalha, nem podia pensar nisso.  Não só porque era impossível entrar lá naquela situação, como não seria recomendável, uma vez que eu já tinha sido detido pelo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), no ano anterior, por tentar realizar um Congresso da UEE (União Estadual dos Estudantes), proibido, naturalmente.




O filme reconstitui ficcionalmente, em preto e branco, aqueles fatos, por meio de 21 planos-sequência numerados.  Um formato que, na realidade, não me agradou.  Além disso, o fato de não ter sido filmado realmente na rua Maria Antônia, isso teve de ser simulado, também acaba sendo um problema.  Para gerar o clima necessário, o filme criou um ambiente exagerado de faixas, cartazes, pichações, por todo lado, em todos os lugares,  que nunca correspondeu ao que eu vivi por lá.  Até porque o medo impunha limites e a vigilância e a espionagem à paisana de agentes eram algo bem real.  Coragem e desacato havia, evidentemente, mas não na magnitude que o filme apresenta, situando-os em vários dias antes do evento.  No próprio dia, as coisas devem ter-se exacerbado, é claro, inclusive acontecia uma votação importante para os estudantes.

 

Bem, mas isso à parte, “A Batalha da Rua Maria Antônia” consegue criar o clima que remete àqueles anos loucos e opressivos e à resistência do movimento estudantil à ditadura militar.  Recria fatos, situações e, principalmente, o ambiente em que os estudantes e os professores viviam, empenhados em vencer o autoritarismo, mudar o país, mudar o mundo.  Nesse sentido, é um registro importante para a história recente do Brasil, realizado por meio do cinema.

 

O esquecimento e a impunidade diante do que se viveu por 21 anos naquela ditadura são muito danosos, como se pôde constatar, ainda agora, quando uma tentativa de golpe de Estado foi arquitetada e felizmente não vingou.





terça-feira, 8 de abril de 2025

O PROPAGANDISTA + LIZA

Antonio Carlos Egypto

 



O PROPAGANDISTA (De Propagandist), dirigido por Luuk Bouwman, focaliza a figura de Jan Teunissen (1898-1975), um pioneiro do cinema holandês desde os tempos da cena muda.  Obcecado por filmar, fazia de tudo para ter acesso às condições de rodar filmes, destacando-se, inicialmente, como montador.  Seu talento para a sétima arte facilitou o seu trabalho de conquistar o máximo de espaço no mundo do cinema, a ponto de chegar a ser chamado de Rei do Cinema Holandês.  Por meio de entrevistas ao historiador Rolf Schuursma, nos anos 1960, ele fala de sua trajetória até chegar ao posto de chefe do Departamento de Cinema do Partido Nazista Holandês e das SS, no período de ocupação do país pelos alemães.  Nega, ou minimiza, sua responsabilidade política, aderindo e colaborando decididamente com a ocupação nazista e descartando ser antissemita.  Nos primeiros tempos, ele trabalhou na Holanda como montador de filmes de judeus que saíram da Alemanha.  Cineastas judeus que, posteriormente, foram afastados, impedidos de exercer o seu ofício.  Além do depoimento, há um sem-número de imagens e documentos levantados por pesquisas de historiadores, em que pese a tentativa deliberada de apagar a história do cinema holandês desse período.  Teunissen alcançou plenos poderes e tornou-se um homem temido, compartilhava de relação com a cúpula do partido nazista alemão, como Goebbels, Göering e Himmler.  Ao mesmo tempo, enquanto Czar do Cinema, procurou desenvolver o cinema holandês e abrir caminho para que novos cineastas pudessem aparecer.  Segundo seu depoimento, foi sempre o cinema, o desejo de fazer filmes e de promover a criação cinematográfica na Holanda, o seu objetivo.  No entanto, sem a adesão à causa nazista e o colaboracionismo, isso não seria possível.  Uma figura que se incorporou à barbárie, manifestando bons propósitos e com inegável talento na área cinematográfica, faz lembrar Leni Riefenstahl (1902-2003), que criou imagens poderosas de Hitler e do nazismo, mas sempre afirmou desconhecer os horrores do Holocausto.  O PROPAGANDISTA discute a questão que envolve tanto Leni quanto Teunissen, os limites entre o documentário e a propaganda, que produz desinformação, adesão ideológica, formação de mitos, ativismo totalitário.  Em tempo de fake news e disputa de narrativas, nada mais atual. Destaque entre os documentários internacionais no 30º. Festival É TUDO VERDADE 2025.  108 min.


 


LIZA: UMA HISTÓRIA VERDADEIRAMENTE INCRÍVEL E ABSOLUTAMENTE VERDADEIRA (Liza: A Truly Terrific Absolutely True Story), dirigida por Bruce David Klein, adota este título longo e bombástico sem razão de ser.  Afinal, não entrega nada de tão extraordinário assim, ao relatar a vida de Liza Minnelli.  Ninguém espera que a vida de uma estrela consagrada como a dela tenha sido fácil.  Para começar, porque ela é filha do diretor Vincent Minnelli, de reconhecido sucesso no cinema.  E mais: filha da grande estrela Judy Garland, cujo brilho tenderia a ofuscar qualquer uma, mas também teve uma vida conturbada , envolvendo álcool e outras drogas, que deixou marcas evidentes na vida de Liza e de toda a Hollywood da época.  A morte da mãe teria deixado Liza desamparada, se não fosse uma grande amiga que a adotou como mentora da vida pessoal e profissional e a ajuda e participação de muita gente que cruzou no seu caminho.  Como Charles Aznavour, por exemplo.  Tudo foi muito difícil, os casamentos, três abortos espontâneos e até a sina de trilhar caminhos semelhantes aos da mãe aconteceu.  A vida humana é complicada, a vida artística, tão exposta e constantemente avaliada por todos, mais ainda.  No entanto, a boa índole da atriz, cantora e dançarina de fácil contato com as pessoas, ajudou muito.  E ela está aí, desfrutando de uma linda e destacada trajetória artística, que inclui prêmios como 1 Oscar, 1 Emmy, 4 Tonys, 1 Grammy e 2 Globos de Ouro.  Vale a pena ver o documentário que, por meio dos comentários dela mesma, vai desenrolando a história toda da estrela de “Cabaret”, “New York, New York” e tantas coisas mais.  Mesmo limitada por uma doença que a incapacita para a carreira artística, ela permanece vaidosa, orientando a câmera e mostrando sua vitalidade e bom humor.  Uma pessoa luminosa, com certeza.  Filme exibido no Festival É TUDO VERDADE 2025.  103 min.




segunda-feira, 7 de abril de 2025

DOCS BRASILEIROS

                      

Antonio Carlos Egypto

 

O Festival Internacional de Documentários É TUDO VERDADE (It’s All True) tem uma tradição de 30 anos de oferta de filmes selecionados pela qualidade artística, pela sintonia com o tempo e o momento histórico e social atual, além de resgatar obras clássicas e relevantes do passado.  São documentários em geral muito bem concebidos e realizados, representando também um amplo espectro de países.  É ainda uma boa oportunidade para tomar conhecimento do que de melhor tem sido produzido no Brasil.  Vou comentar, de modo rápido e conciso, alguns docs. nacionais da 30ª. edição do Festival, que está ocorrendo até 13 de abril em São Paulo e no Rio de Janeiro nos cinemas.

 


Filme de abertura do Festival em São Paulo, RITAS, de Oswaldo Santana, é um mergulho na vida e na obra de Rita Lee, conduzido por ela própria, a partir de uma profusão de entrevistas, depoimentos e performances artísticas, incluindo uma última entrevista inédita.  O que resulta daí é uma homenagem ao talento dessa roqueira provocadora, ousada, debochada, que é capaz de rir de si mesma, mas conhece sua força e seu poder.  Distingue também os seus papéis sociais, familiares e de relacionamentos diversos, da personagem Rita Lee artista, justificando o título do documentário no plural.  A trajetória, a carreira, os sucessos, os tropeços, as confusões vividas por ela ao longo da vida estão lá, com muitos vídeos de arquivo de suas apresentações, sempre muito envolventes, cheias de vigor, de espontaneidade e de boa música.  E Rita, já na velhice, mostra que a gente é o que sempre foi, mesmo que o ritmo caia e as atividades se acalmem ou cessem, em alguns campos.  O filme tem um alto astral e vai deixar felizes os fãs de Rita Lee (e quem não é?).  RITAS estará nos cinemas após o Festival, no dia 22 de maio, dia de Santa Rita, que Rita Lee resolveu adotar como seu aniversário de comemoração, em lugar do oficial, 31 de dezembro.  83 min.

 

LAN, CARICATURISTA, dirigido por Pedro Vinicius, acompanha Lanfranco Vaselli, aos 93 anos de idade, relembrando sua longa e exitosa trajetória como desenhista e cartunista consagrado.  As limitações da visão dificultavam que ele pudesse continuar desenhando a partir de uma linha única que constrói o todo, sua característica, e impediam que ele pudesse continuar fazendo suas famosas caricaturas, pela perda de visão das linhas do rosto.  Mas vivendo em uma chácara, de modo tranquilo, ao lado de sua mulher Olívia, com quem estava então casado há 59 anos, ele mexia nos seus milhares de desenhos, notícias de jornal antigas, revistas, rascunhos, publicações de todas as partes do mundo, com lucidez, espírito crítico e sentimento do dever cumprido.  Assim ele podia usufruir da memória que sua vida criativa lhe trouxe.  Se ainda estivesse vivo, faria isso aos 100 anos de idade em 2025.  Mas em 2020, Lan, o italiano que virou carioca da gema, faleceu.  O filme presta sua homenagem a Lan, dando a palavra a ele o tempo todo.  81 min.

 


MINHA TERRA ESTRANGEIRA, documentário realizado por João Moreira Salles, o Coletivo Lakapoy e Louise Botkay, acompanha Almir Suruí, líder indígena que resolveu disputar uma cadeira de deputado federal, concorrendo pelo PDT, em busca de lutar pela preservação das terras indígenas, contra o garimpo invasor e o desmatamento da Amazônia.  O doc. acompanha também sua filha Txai, ativista nesta mesma luta, que tem uma clareza de ideias sobre essa situação em Rondônia, onde vive com seu pai.  A ação se passa durante o período eleitoral, primeiro e segundo turnos das eleições de 2022.  Vivendo num Estado marcadamente bolsonarista, eles expressam uma angústia diante do apoio recebido por Bolsonaro na eleição.  A continuidade daquele governo para eles representaria um risco de sobrevivência, tanto para os povos originários da região quanto para a própria floresta.  Assim, o que os democratas de visão progressista experimentaram por aqui ficou muito mais dramático visto de Rondônia.  Filme realizado, uma parte por cineastas indígenas em coletivo e outra pelo tarimbado João Moreira Salles, também produtor.  99 min.

 


OS RUMINANTES, de Tarsila Araújo e Marcelo Cordeiro de Mello, tem um tema curioso: ele aborda um filme que não foi feito.  “A Hora dos Ruminantes”, projeto cinematográfico dos cineastas Luís Sérgio Person (1936-1976) e Jean-Claude Bernadet, cujo roteiro estava pronto.  Era visto como um dos trabalhos mais importantes de ambos.  Algo ambicionado e que, apesar dos esforços, naufragou.  Bernadet fala longamente sobre esse trabalho que não vingou e percebemos que o filme faria muito sentido também para a atualidade brasileira.  Outros realizadores ainda tentaram adaptar essa obra literária de José J. Veiga depois deles, mas eventos climáticos extremos puseram fim a essa nova tentativa.  Maldição?  Por via das dúvidas, Marina Person, filha de Luís Sérgio, também da área, foi aconselhada por Carlos Reichenbach (1945-2012) a nunca mais tentar retomar esse roteiro.  No filme, acompanhamos também a carreira de Person, e uma entrevista dele nos anos 1970.  80 min.