Antonio Carlos Egypto
TRILHA
SONORA PARA UM GOLPE DE ESTADO (Soundtrack
to a Coup d’Etat). Bélgica, 2024.
Direção: Johan Grimonprez.
Documentário. 150 min.
O
documentário “Trilha Sonora para um Golpe de Estado”, indicado ao Oscar 2025, é
um trabalho cinematográfico de peso.
Manipula um número impressionante de imagens dos fatos, dos personagens,
das situações e dos significados envolvidos numa história incrível. A edição, extremamente ágil, trabalha um
sem-número de questões, valendo-se de ironia, sarcasmo, humor e realidade
factual, interagindo o tempo todo.
Acrescente-se, trazendo à baila expoentes do jazz norte-americano,
utilizados pela CIA e pelo governo estadunidense, para ganhar corações e mentes
dos congoleses, e africanos em geral, escondendo um golpe de Estado que estava
em andamento.
Vejam
só quem chegou ao Congo recém-independente, para tocar por lá: Louis
Armstrong. Mas também passaram por lá
Thelonious Monk, Dizzy Gillespie, John Coltraine, Nina Simone e até Ella
Fitzgerald. Além deles, Abbey Lincoln e
Max Roach, que invadiram o Conselho de Segurança da ONU, em 1961, para
protestar pelo assassinato do líder Patrice Lumumba.
Esse
foi o início e o coroamento da história, mas ao longo do filme são mostrados o
processo de colonização do Congo Belga, a luta por sua independência,
incrivelmente manipulada para torná–la sem efeito e minimizá-la desde os
primeiros dias. Doze semanas após ser
eleito primeiro ministro, Patrice Lumumba foi deposto pelo Coronel Joseph
Molutu. Em resposta, Lumumba destituiu
Molutu da presidência e acabou sendo sequestrado, preso e exilado dentro do
próprio país, na região de Catanga, um enclave antirrevolucionário, dominado
por belgas, norte-americanos e do Reino Unido.
Enquanto
isso, a figura de Nikita Kruschev, líder da União Soviética, aparece ativo,
falante, risonho, batendo punho na mesa, nas sessões da ONU, em apoio a
Lumumba. E, consequentemente,
incomodando fortemente o outro lado e fortalecendo os motivos para a
intervenção contra a independência do país. Malcolm X também tem presença
marcante nessa história.
Enfim,
toda essa barafunda que envolveu a República Democrática do Congo, a liderança
ampla e determinante de Patrice Lumumba, que alcançou toda a África, acabou no
assassinato dele.
O
documentário joga esses elementos todos em cena, de tal forma que chega a
aturdir o espectador não familiarizado com o período histórico abordado. Mas, ao mesmo tempo, provoca tanto, deixa
tudo claro e brinca com toda aquela situação, pelo seu despropósito, pelos seus
jogos de cena e de poder, que nos mobiliza a pensar sobre o que significou e
significa tudo isso para cada um de nós.
O filme é bem longo para um documentário histórico-político como ele é,
mas vale cada minuto de projeção.
12.12:
O DIA (12.12:The Day). Coreia do Sul, 2024. Direção: Kim Sung-soo. Elenco: Hwang-jung-min, Jung Woo-sung, Lee Sung-min,
Park-Hae-joon, Kim Sung-kyun. 141 min.
Outro
filme que trata de golpe de Estado é o coreano “12.12: O Dia”, que está
previsto para chegar aos cinemas brasileiros em breve e representou a Coreia do
Sul no Oscar de filme internacional.
O dia
12 de dezembro de 1979 ficou marcado como aquele que deu início a um golpe
militar, após muitos confrontos internos nas Forças Armadas e acabou pondo fim
a uma “primavera” coreana, uma situação em que a abertura política e uma visão
mais aberta e liberal do poder sucumbiu à força das armas. Isso iria mudar ao longo dos anos 1980, mas o
momento relatado no filme foi aquele que pôs em confronto as forças do Comandante
Chum-Doo-gwang com as forças de resistência do Comandante Lee-Tae-shin, após o
assassinato do presidente Park e da decretação da lei marcial.
O
impressionante desse filme, dirigido por Kim-Sung-soo, é que ele reconstrói,
passo a passo, com alguns elementos ficcionais, os eventos de ação e reação
dentro das Forças Armadas que foram ocorrendo até a consumação do golpe de
Estado. Vemos as forças em ação, avanços
e recuos, a incerteza de cada decisão, de lado a lado, os dilemas morais e os
confrontos pessoais, no meio das ações políticas e, principalmente, das militares.
Acaba
sendo um belo filme de ação, que se vale do substrato de uma realidade
política, que deixa muito claro que a democracia só sobrevive se for defendida
e, ainda assim, qualquer percalço pode colocá-la em risco.
“12.12:
O Dia” foi o filme de maior sucesso de público na Coreia do Sul no ano passado
e chega em hora decisiva e oportuna, nos momentos em que, em dezembro de 2024,
o presidente Yoon Suk-yeol tentou um golpe, ao declarar lei marcial, fechar o
Parlamento e restringir a liberdade de imprensa. Acabou sofrendo impeachment e foi preso. Ou
seja, a história se repete a todo instante.
Às vezes com sucesso, às vezes, sem.
É preciso estar atento, por isso filmes como esse são importantes de
serem vistos e comentados.
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