sexta-feira, 22 de novembro de 2024

2 FILMES ESPANHÓIS

Antonio Carlos Egypto

 


A CONTADORA DE FILMES (La Contadora de Películas). Espanha, 2023. Direção de Lone Scherfig.  Elenco: Sara Becker, Bérénice Bejo, Antonio de la Torre, Daniel Brühl.  116 min.

 

“A Contadora de Filmes” é uma produção espanhola, mas também internacional.  Para começar, porque é um roteiro adaptado de um romance de um autor chileno importante, Hernán Rivera Letelier.  Esse roteiro foi escrito por Rafa Russo, Isabel Coixet e pelo diretor brasileiro Walter Salles (de “Central do Brasil” e “Ainda Estamos Aqui”).  A direção do filme coube à dinamarquesa Lone Scherfig e no elenco destaca-se o conhecido ator de origem alemã, nascido em Barcelona, Daniel Brühl, cujo pai nasceu no Brasil.  Ele estrelou “Adeus, Lenin”, em 2003, e “Bastardos Inglórios”, em 2009.

 

A história se passa no Chile, na região do deserto de Atacama, numa cidade mineira de extração de salitre de rocha.  Na pequena localidade, a família de um mineiro, Medrado (Antonio de la Torre), tem as dificuldades do dia-a-dia compensadas pelos domingos, da ida ao cinema. 

 

Estamos no período democrático do país, que desaguaria na eleição de Salvador Allende e que resultaria na ditadura sangrenta de Pinochet, quando também acabariam tanto as minas, quanto o cinema local e como também o próprio filme “A Contadora de Filmes”.

 


Mas, antes de que as trevas tomassem conta daquela cidade e do país, a narrativa enfatizará o papel transformador e libertador do cinema e até mesmo o seu papel como fonte de subsistência, ao relatar a história de María Margarita, que descobre um talento especial para narrar histórias de filmes.  E que lhe abrirá portas na vida e lhe dará alegrias e reconhecimento.

 

Quem gosta de cinema vai curtir essa história de amor à sétima arte num filme muito bem realizado, com um elenco de primeira linha, e capaz de produzir um envolvimento emocional com personagens tão cativantes, lutadores e sonhadores.  Eles semeiam o território árido representado pelas imagens do Atacama, de onde brotarão frutos, ainda que eles venham a desaparecer ou serem esmagados pelo futuro que os espera.  Mas, enquanto se pode usufruir deles, é encantador.  Como é, e sempre foi, o cinema.

 



REDENÇÃO (Maixabel).  Espanha, 2022.  Direção: Icíar Bollaín.  Elenco: Bianca Portillo, Luis Tosar, María Cerezuela, Urko Olazabal, Tamara Canosa. 115 min.

 

“Maixabel”, o título original de “Redenção”, remete a uma figura real do país Basco, na Espanha. Uma mulher que teve seu marido assassinado, vítima do terrorismo do grupo ETA, no ano 2000, e que se dedicou no governo Basco ao atendimento dessas vítimas.  Teve papel essencial no trabalho reparador que se estabeleceu em 2011 para que se avaliasse a dor que esse período causou tanto aos familiares das vítimas quanto aos agressores, que cumpriam fanaticamente sentenças de morte sem sequer conhecer a vítima.

 

As marcas desse período recente que antecedeu o fim do ETA eu pude ver num museu na capital do país Basco, Vitoria Gasteiz, no ano passado.  São feridas abertas que ainda custam a cicatrizar.

 

Pois bem, a situação no filme mostra o tamanho do desafio que é encontrar a paz em meio a tanta violência.  Maixabel recebe um pedido para se encontrar com os executores da sentença de seu marido, que cumprem pena na cadeia.  Deveria aceitar um pedido como esse?  É possível manter a crença de que todos merecem uma segunda chance?  E é possível deixar um pouco de lado sentimentos pessoais, em nome de uma causa maior?

 


“Redenção” é uma ficção construída a partir de fatos reais, desafiadores e dolorosos, e do seu significado social e político.

 

A protagonista, a grande Bianca Portillo, que se destacou também em “Volver”, de Pedro Almodóvar, sustenta o filme com brilhantismo, em uma atuação firme e equilibrada.  Entendemos seus sentimentos, decisões, trajetória de vida, a partir de sua coragem e determinação.  Os terroristas e suas dúvidas, hesitações, medos e arrependimentos, também estão claramente aí.  É preciso entender os dois lados para alcançar a pacificação.  Ou trabalhar por ela.

 

A diretora Icíar Bollaín fez um trabalho digno, sensível e esclarecedor, numa questão eticamente complicada. E se saiu muito bem.

 

Uma curiosidade.  Por que o país Basco se destaca à frente da própria definição da Espanha, que o contém?  Conversando num táxi, em Bilbao, o motorista foi claro: “Eu sou basco, essa é a minha identidade.  A Espanha vem depois”.



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