Antonio Carlos Egypto
FLEE- NENHUM LUGAR PARA CHAMAR DE LAR, de Jonas Poher Rasmussen, da Dinamarca, 90
minutos, é um documentário de animação que revela uma história pessoal
dolorosa, em meio a um mundo conturbado e preconceituoso. Utiliza-se de
diferentes tipos de desenhos, mais concretos e realistas ou sugestivos esboços.
Vale-se, também, de vídeos de registros de situações, em imagem reduzida, como
as antigas TVs.
O fato é que os recursos estão a serviço de uma
narrativa que emociona, se indigna, mostra o quão difícil é lidar com a
ausência de uma identidade que corresponde ao que a pessoa é ou sente, como é
viver sem um lar e uma história pessoal que possa chamar de sua.
Essa história verdadeira nos é contada por meio de uma análise psicológica que traz da sombra os segredos de Amin, um refugiado afegão. Ele retira do baú de memórias enterrado, desde os elementos femininos de sua personalidade na primeira infância até as tragédias familiares decorrentes da condição de refugiados, na infância e na adolescência, fugindo da opressão da guerra no Afeganistão. Isso possibilita que o filme exponha o inacreditável das condições de fuga dos refugiados, que gastam o pouco que têm, arriscando a vida, novamente, em condições sub-humanas, para escapar da guerra. E, para poder concluir, uma impressionante viagem, com idas e retornos, que passa pela Rússia, e deixa para trás a família, até chegar à Dinamarca, desamparado, mas conseguindo, a partir daí, construir uma nova vida.
É na condição de intelectual, com pós-doc aos 36
anos de idade, que ele se submete à autodescoberta que o filme mostra. O
que inclui a questão da homossexualidade, absolutamente reprimida e negada no
Afeganistão. Lá, não consta que haja esse desejo. Essa expressão da
sexualidade é invisível, não existe nem a palavra que a designaria no idioma.
Na Escandinávia, a realidade é outra, dependerá de Amin encontrar um parceiro e
uma vida em comum, desde que se disponha a isso.
O oprimido, mesmo quando vence na vida, incorpora
ao inconsciente a vergonha, o medo e a culpa pelo que passou e precisou
reprimir, para sobreviver. Encontrar-se plenamente implica um processo
penoso e altamente dolorido de resgate de imagens e sentimentos, de lembranças
esquecidas, em busca de um futuro mais calmo.
FLEE, essa animação documental, dá
conta de tudo isso em sua complexidade, sem simplificar, moralizar ou fazer
proselitismo político de qualquer espécie. Os fatos falam por si e pela
boca do depoente e daquele que o escuta de fato e espera pelo tempo dele, com
cuidado e paciência.
A utilização de desenhos alivia a carga pesada dessa vida, para o espectador, preserva os envolvidos e dá o necessário distanciamento, que permite reflexão de forma mais serena. Em que pese tudo o que se conta. Um belíssimo trabalho cinematográfico, lançado no ano passado no festival de documentários É TUDO VERDADE 2021 com o título de FUGA. Foi indicado ao Oscar em 3 categorias: melhor filme internacional, representando a Dinamarca, melhor animação e melhor documentário.
Apreciei as críticas sobre as duas animações, especialmente a primeira que mostra a situação no Afeganistão onde a homosexualidade é tão reprimida que não existe nem a palavra.
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