Antonio Carlos Egypto
O festival de documentários É TUDO VERDADE 2022 apresenta em suas sessões de abertura, tanto em São Paulo quanto no Rio, duas atrações muito boas, em 31 de março e 1o. de abril, respectivamente, ambas direções de Mark Cousins.
Partindo do princípio de que, quando algo pode faltar, nos apegamos mais àquilo, damos mais valor, focalizamos mais ardente e insistentemente a questão, fica fácil entender que uma história do olhar se revele às vésperas de uma cirurgia oftalmológica de catarata. Ainda mais se uma maculopatia está a ela associada.
É quando a beleza do que já se viu, em qualquer canto e lugar, na natureza, na cidade onde se vive, assume uma importância capital. Mesmo que essa perda esteja muito mais no medo, na imaginação, do que em qualquer outro lugar.
Mark Cousins faz uma exploração visual do olhar que vai nos envolvendo, nos convencendo do que o olhar pode nos dar, dependendo do momento, do ângulo, do impulso, do sentimento, da luz. Também da nossa capacidade de ver e intuir, do bebê ao adolescente e ao adulto já vivido, individual e coletivamente. É uma riqueza sem fim.
No entanto, contrariando tudo isso, o filme começa com uma fala de Ray Charles, grande cantor e músico cego, de que se lhe oferecessem naquele momento que ele passaria a enxergar, ver tudo, ele provavelmente não toparia, já que o mundo tem tanto mal, tanta feiura, mazelas e guerras, que é melhor não poder ver. E quem tem que ver sofre por isso. No entanto, acrescenta que, se lhe fosse dado ver só uma vez, aí sim aceitaria, pois poderia ver as pessoas e as coisas de que gosta. E uma vez bastaria. (A ideia foi essa, as palavras são minhas). Temos, assim, um confronto de visões, além da celebração do olhar.
O documentário também nos coloca uma outra situação: enquanto filosofa sobre o olhar e a vida, Mark, o personagem que nos fala, para a câmera, tem preguiça de sair da cama e enfrentar o dia que antecede a sua cirurgia. A inércia como defesa, valendo-se da memória visual para caminhar por Edimburgo e alcançar a beleza já registrada ao longo da vida. O medo que pode nos paralisar em algumas situações de nossa existência. Mas se resultou num filme como esse terá valido a pena.
A HISTÓRIA DO CINEMA: UMA NOVA GERAÇÃO (The Story of Film: A New Generation). Reino Unido, 2021. Direção: Mark Cousins. 160 min.
Mark Cousins, diretor e escritor da Irlanda do Norte, nascido em Belfast, morando em Edimburgo, na Escócia, é famoso por ter realizado em 2011 um documentário de 15 horas de duração, "The Story of Film: An Odyssey". No É TUDO VERDADE 2022 ele está bem mais modesto em relação ao tempo: em 2 horas e 40 minutos ele encara a história do cinema no século XXI, valendo-se dos filmes que são cinematograficamente relevantes, por meio de cenas e sequências marcantes, por vezes relacionando-as às suas inspirações clássicas.
Em pouco mais de 20 anos do século XXI, muito já foi feito em todos os sentidos da criação artística no cinema, na renovação da linguagem, na temática contemporânea que se impõe, no registro das imagens amplamente democratizado, na tecnologia que transforma o modo de ver e fazer cinema.
O registro dessa evolução é mostrado nos diferentes gêneros cinematográficos e essa história já é robusta. Quanto à tecnologia, então, as mudanças são tão intensas e profundas que o cinema adquiriu novas formas e apelos. O cinema entrou nas nossas casas, nas nossas vidas, de todas as formas possíveis. E nós viramos produtores de imagens, estamos imersos nelas.
Ao pesquisar o cinema da atualidade, esmiuçando suas características e desafios, o documentarista problematiza o presente e o futuro, com esperança e otimismo. E, claro, com muito amor ao cinema como expressão artística.
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