Antonio Carlos Egypto
A pandemia já incorporada ao cinema
pode ser notada nos dois filmes que comento a seguir que, aparentemente, nada
teriam a ver com ela. No entanto, tudo a
ver. Afinal, são filmes da 45ª. Mostra
Internacional de Cinema de São Paulo que estão sendo lançados em pleno 2021.
MÁ
SORTE NO SEXO ou PORNÔ ACIDENTAL. Romênia. Direção: Radu Jude. Com Katia Pascariu, Claudia Irenemia. Olimpia Malai. Nicodim Ungureanu. 106 min.
O filme romeno “Pornô Acidental” é
ousado, provocador, irônico e inteligente.
Abre com uma sequência de sexo e nudez muito clara e evidente. Em seguida, passa para um cotidiano de rua
que se parece com a nossa realidade: as pessoas usam máscara abaixo do nariz,
no queixo ou mesmo nem usam. As pessoas
mostram um tom agressivo no trato e
pouca tolerância. Sinal dos tempos, da
pandemia. Sei lá.
O fato é que a mulher que anda muito
pela cidade é uma professora de crianças e adolescentes de uma escola
tradicional e conceituada em Bucareste.
E é dela com o marido o vídeo de sexo que vazou pela Internet.
Isso acabará pondo em xeque o seu
trabalho e será motivo de uma reunião de pais, com covid-19 e os cuidados
sanitários, em que se discutirá sexo, ética, moralidade, intimidade e trabalho,
história, direito ao livre exercício da sexualidade, autoritarismo, política
educacional. Enfim, um sem número de
coisas. Que aparecerão na segunda parte
do filme, na forma de máximas, piadas, poemas, exortações. Tudo muito bem engrenado. Mas o suspense do que vai acontecer com a
educadora seguirá até o final. Com
interesse crescente, porque os argumentos, questionamentos, posicionamentos,
incluindo provocações e ofensas ocupam toda a cena.
Como se vê, a pandemia joga papel
lateral na trama, emoldura apenas os fatos. Certamente, este roteiro não foi escrito
a partir dela, mas antes dela. A
discussão central não é sanitária, diz respeito à questão educacional, educação
sexual, principalmente, e valores e preconceitos sociais. Privacidade e Internet em evidência.
De um jeito leve, brincalhão e
erótico, o filme de Radu Jude tem muita força e consistência. É o vencedor do Urso de Ouro do Festival de
Berlim e dá uma demonstração de que o cinema romeno continua evoluindo, não
parou na onda inicial que o impulsionou no mercado mundial. “Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental” é um
dos filmes de abertura da Mostra 45, já no dia 20 de outubro, às 20:00 h, no
Reserva Cultural
HIGIENE
SOCIAL, filme do
Canadá francês, dirigido por Denis Cotê, com Maxim Gaudette, Larissa Corriveau,
Eleonor Loiselle, Eve Duraneeau, 76 minutos, se concentra na figura de Antonin,
um jovem com talento literário e quiçá cinematográfico, que vive de roubos, mas
tem ojeriza à violência.
O filme é um conjunto de diálogos dele
com sua irmã, sua esposa, a mulher que ele deseja e uma coletora de
impostos. Todas questionam a vida que
ele leva em conversas ásperas, agressivas ou meramente formais. O que isso tem a ver com a pandemia? É o modo de fazer agora.
Todas as cenas foram filmadas ao ar
livre, em ambientes de natureza em contraste absoluto com o tema. Quem imagina uma conversa com alguém da
Receita Federal em um campo aberto, num gramado com árvores? Todos os diálogos são filmados de forma
estática, com distanciamento social, os atores estão a pelo menos um metro e
meio longe um do outro, não se movimentam e, obviamente, não se tocam. A câmera também se protege, se coloca à
distância, geralmente em planos abertos, sem a utilização de zoom, exceto com
uma das personagens, uma garota mais jovem, vítima do ladrão, e só em poucos
momentos.
Quer dizer, filmar na pandemia só com
rígido controle sanitário, não importando o tema, o ambiente requerido ou a
possível necessidade de aproximação física ou amorosa. Até uma briga do tipo duelo é encenada à
distância, no filme. Caramba!
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