Antonio Carlos Egypto
TODOS OS MORTOS. Brasil, 2019. Direção de Caetano Gotardo e
Marco Dutra. Com Mawusi Tulani, Clarissa
Kiste, Carolina Bianchi, Thomás Aquino, Thaia Perez e o menino Agyei
Augusto. 120 min.
Pois bem, o filme focaliza, por meio das
mulheres, uma aristocracia que se percebe decadente, com o fim do modelo
econômico da escravidão. Os símbolos da
ruína são evidenciados pela família branca dos Soares, por meio de doenças
mentais (demência precoce, histeria, hipocondria, loucuras diversas) e
desagregação familiar. As mulheres na
cidade, o pai, na fazenda. Há uma falta
de perspectivas e uma tentativa de se agarrar a privilégios que já não estão
disponíveis.
Enquanto isso, a família negra dos
Nascimento, escravizados por muito tempo, tenta juntar os cacos, reconstruir
uma história, encontrando um lugar para viver com decência, um modo de
sobreviver pelo trabalho livre e reencontrar o pai que está distante, veio para
São Paulo e não deu mais notícias. A verdade é que não há lugar para eles na
sociedade paulistana. São excluídos,
largados à própria sorte.
O canto da sereia vem da casa grande,
buscando reavê-los, de alguma forma. O
menino, que nasceu livre, até se encanta com o ambiente e quer ficar muito
tempo por lá, sem perceber que sua presença traz de volta a subserviência
escravista.
Há também o confronto de crenças, cantos,
danças, tradicionais, de diferentes origens africanas, discriminadas, ao mesmo
tempo que domesticadas, postas a serviço das classes dominantes e do catolicismo
que as representa, por meio da freira que pertence à família Soares. O filme
abre, lindamente, com uma canção em dialeto africano, entoada por Alaíde Costa,
em participação especial.
Mergulhar nesse mundo é visitar as origens
dos problemas intensos que vivemos hoje, em busca de uma democracia que só será
plenamente possível se, finalmente, formos capazes de enfrentar o racismo que
produz assassinatos como o de João Alberto, no Carrefour de Porto Alegre, e põe
em risco toda a população jovem, preta e parda, que vive majoritariamente na
periferia das grandes cidades como São Paulo.
“Todos os Mortos”, os fantasmas da
escravidão, estão à solta no competente trabalho de Gotardo e Dutra que,
apoiados num elenco maravilhoso de atrizes e atores que a gente percebe bem
empenhados no projeto, lança luz a uma história, que o próprio filme de época
nos remete aos dias de hoje.
(crédito das fotos Hélène Louvart)
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