Antonio Carlos Egypto
VALENTINA, Brasil. 2020. Direção de Cássio Pereira dos Santos. Com Thiessa Woinbackk, Guta Stresser, Rômulo
Braga, Letícia Franco, Ronaldo Bonafrio.
95 min.
A narrativa, bastante realista,
enfatiza o quanto a identidade legal importa para que transexuais, como
Valentina, possam ser quem são e serem reconhecidos pelos outros. E quanto esse processo pode ser muito custoso,
sofrido, extremamente dolorido. Alguém
que se sente mulher, se apresenta como mulher, é mulher, não pode mostrar um
documento de identidade do sexo masculino, com nome masculino. É possível corrigir isso, mas quando se tem,
como ela, 17 anos, exige toda uma burocracia e a ativa participação dos
pais. Sem isso resolvido, como
frequentar a escola? Com que nome,
registro oficial, diploma, etc.? Diploma
é modo de dizer, já que, conforme o filme nos informa ao final, 82% das
transexuais abandonam a escola. A
documentação é o primeiro e relevante problema, o preconceito, a agressão
inclusive física, o desrespeito e a humilhação completam o quadro desse
absenteísmo.
Sem educação formal, o próximo passo
pode ser a pobreza e a exclusão na vida em sociedade. É preciso impedir que o processo
prossiga. Uma família acolhedora poderia
ajudar muito. No caso de “Valentina”, a
mãe cumpre muito bem esse papel. Só que
o casal está separado, o pai sumiu e até mudou de celular sem
comunicar-lhes. Poderá ser
encontrado? Pelo menos, para assinar os papéis?
A escola, atualmente, no Brasil, é
obrigada legalmente a aceitar o nome social em lugar do de nascimento, nesse
caso. A reação de uma comunidade pequena
e religiosa, quanto a isso, já é outra história. A propósito, o enredo leva
Valentina e sua mãe a sair da cidade grande e ir para uma localidade pequena,
exatamente para tentar fugir das consequências decorrentes da condição da
transexualidade que já se tornavam insuportáveis. Aquela conhecida tentativa de recomeçar tudo do zero.
Onde há desinformação e preconceito
também pode haver solidariedade. Até
porque, por trás das aparências, a vida segue com sua diversidade, tanto nos
grandes como nos pequenos centros populacionais. Há de tudo em todos os lugares, desde
sempre.
As locações de “Valentina” foram a
pequena Estrela do Sul e Uberlândia, nas Minas Gerais. O diretor e roteirista do filme, Cássio
Pereira dos Santos, é da região. Nasceu
em Patos de Minas e estudou cinema em Brasília.
Começa muito bem, com conhecimento de causa.
É fácil entender por que o filme
“Valentina” vem conquistando o público.
A personagem traz uma novidade.
Situações e problemas que o espectador por vezes desconhece totalmente. Ou avalia de modo muito diverso. Às vezes, até jocoso, sem conseguir uma
empatia, um envolvimento com a situação da transexual. Na medida em que os fatos vão se
desenrolando, a identificação vai ocorrendo, ajudada pelo excelente desempenho
da atriz tão merecidamente premiada e de nome difícil, Thiessa Woinbackk. Que, além de atriz, é youtuber de sucesso. Assim
me informaram, pelo menos. A atuação
como atriz é ótima e tem muito peso no desenvolvimento da narrativa. Mas todo o elenco é muito bom também.
A outra possível explicação para o
interesse do público liga-se à atualidade do tema. A quebra de um tabu que aparece, com certa
surpresa, nas candidatas trans que lograram se eleger vereadoras, pelo Brasil
afora. Já houve até prefeita trans, se
bem me lembro, mas era uma completa exceção.
Agora, o número parece ser representativo, indicando uma mudança
importante. Outros debates, livros,
peças, filmes, estão aparecendo sobre o tema.
Minha última postagem, antes desta, no cinema com recheio, incluiu o filme “Maria Luíza”, documentário
sobre a primeira trans nas Forças Armadas brasileiras. A transexualidade vai conquistando o seu
espaço e colocando as questões pertinentes à sua condição de vida para a
reflexão da sociedade. Muito justo e
oportuno.
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